Wikinativa/Alisson Felipe Moraes Neves (vivencia Guarani 2022 - SMD - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Alisson Felipe Moraes Neves | Nº USP: 11206215


Reflexões sobre a Vivência na Aldeia Rio Silveiras diante do Antropoceno

O presente trabalho foi desenvolvimento no âmbito da disciplina de “Seminários de Políticas Públicas II”, lecionada pelo Profº Jorge Machado e traz aspectos socioambientais sobre a vivência na Aldeia Rio Silveiras. A disciplina prevê como método de aprendizagem, a realização de viagens didáticas com visitas guiadas e pesquisas de campo para refletir sobre a cultura indígena. O texto está dividido em duas partes, sendo a primeira uma introdução crítica sobre o conceito de antropoceno e a visão mercadológica predominante que ocasiona a injustiça ambiental por priorizar práticas ecologicamente predatórias em contraponto a filosofia de vida Bem Viver experienciada na Aldeia Guarani Rio Silveiras. No caso da segunda parte, pode-se observar que foi construída metodologicamente como um diário de viagem de campo, do ponto de vista observação participante.


Antropoceno e o Bem Viver

No contexto do antropoceno - termo cunhado pelos geólogos para retratar o momento atual na Terra, o qual descreve a dominância dos seres humanos perante aos recursos naturais (STEFFEN et al., 2020) -, pensar em sustentabilidade transdisciplinarmente e sob diferentes óticas é fundamental. Nesse sentido, a filosofia do “Bem Viver”, que diz respeito a vida com diferentes dinâmicas étnicas e culturais de poder, priorizando a harmonia com a natureza (ACOSTA, 2016), é fundamental para que repensarmos as nossas profundas relações com o meio ambiente e os animais não-humanos. Em relação ao modo de vista insustentável vigente, muitos movimentos de justiça ambiental possuem o objetivo de uma economia que atenda de forma sustentável as necessidades de alimentação, saúde, educação e moradia de todas as pessoas e forneça o máximo de alegria, sendo o “Bem Viver” constantemente exemplificado como tal (MARTÍNEZ-ALIER et. al, 2010). Sob mesma perspectiva, contrariando a dualidade de desenvolvimento e subdesenvolvimento econômico Alberto Acosta (2016) destaca que: O modelo de desenvolvimento devastador, que tem no crescimento econômico insustentável seu paradigma de Modernidade, não pode continuar dominando. Haverá, então, que superar a ideia de progresso enquanto permanente acumulação de bens materiais. (ACOSTA, 2016) Nesse sentido, presente, de maneira assaz acentuada, nas sociedades do antropoceno, a lente econômica para conservar o meio ambiente pode apoiar o processo decisório, mas, também, pode atrapalhar a realização de uma preservação plenamente sustentável (FARLEY, 2010). No entanto, o entendimento de quando parar ainda é visto de forma crítica para diferentes atores, dentre eles, as comunidades que são mais afetadas por práticas ecologicamente predatórias, uma vez que este suposto equilíbrio entre preservação e conservação está constantemente ameaçado (MARTÍNEZ-ALIER, 2012; MARTÍNEZ-ALIER et. al, 2010). Quando existe a ruptura com tal equilíbrio, não só a vegetação e a fauna são comprometidas, mas também populações locais, pela chamada injustiça ambiental. A injustiça ambiental surge justamente da demanda pela justiça ambiental, em que populações situadas em contextos de vulnerabilidade são afetadas desproporcionalmente por problemas como contaminação, mudanças climáticas, deslizamentos, mudança do regime de chuvas, entre outras catástrofes ambientais (MARTÍNEZ-ALIER, 2012). Diante ao exposto, considero que tal introdução é basilar para ser realizada, em razão do interesse pela disciplina ir de encontro ao meu ativismo pessoal, já que sou ambientalista desde os meus 15 anos. Somado ao exposto, trabalho com advocacy para a questão ambiental e tive a oportunidade de conhecer uma miríade de lideranças políticas e cívicas engajadas nessa pauta. A temática do meu trabalho de conclusão de curso e do meu projeto de mestrado é diplomacia ambiental. Sendo, a questão indígena, a mais mencionada pelos profundos impactos da injustiça ambiental na vida desta população. Sem dúvida alguma, a experiência na Aldeia Indígena Rio Silveiras me fez entender com maior profundidade, as razões pelas quais trabalho, estudo e luto. A defesa de um ambiente ecologicamente equilibrado e com justiça para populações vulnerabilizadas será sempre uma pauta cara para mim.



Rumo à Bertioga

Na sexta-feira (04/11/2022) fomos ao município de Bertioga, em que está localizada parte da Reserva Indígena Rio Silveiras. Chegamos ao final da tarde, já estava escurecendo, então montamos as barracas. Logo em seguida participamos da casa de reza. Foi uma experiência singular, em que pude me aproximar da espiritualidade guarani com Nhanderú, tendo a oportunidade de conhecer a cultura e o modo de vida da aldeia através da visão da Lucimara, a filha do Pajé. Foi bem interessante, a liderança nos apresentou também a três guerreiros, os quais ficaram incumbidos de nos proteger a noite. Além isso, foi explana as divisões da Reserva, sendo o núcleo “Porteira”, onde ficamos hospedados. Após a casa de reza, tivemos um jantar bem especial e felizmente democrático para todos com uma alimentação a base de vegetais (era macarronada). Imersão No sábado (05/11/2022) amanheci logo cedo e tomei café juntamente aos meus colegas, Sofia Souza e Antonio Ouro. Foi um momento de troca enriquecedora, em que refletimos sobre a nossa amizade, tempo de graduação e gratidão por estarmos vivenciando tal experiência. Pela manhã, como estava no grupo de Recreação, tive o meu primeiro contato com as crianças através de brincadeiras como “pula corda” e bambolês. Após o café, partimos para a trilha. Foi uma caminhada maravilhosa e uma conexão com a natureza. Ao final, encontramos com um rio onírico com águas cristalinas e pudemos desfrutar desse glorioso período nos divertindo. Pudéssemos tomar banho de cachoeira e conversar entre as pedras. Tudo era muito bonito. Ao voltarmos para a aldeia, optamos por tomar banho. Percebi que o banheiro era precário. Fiquei pensando sobre a infraestrutura local e fiquei me questionando sobre o saneamento básico da população. Em seguida tivemos um contato mais intenso com as crianças. Nos divertimos brincando de “pega pega” e “pique bandeira”. Tinha uma menina que se lembrava de mim por conta de uma Trend do TikTok, a “Tubarão te amo”. Mais uma vez quebrando o preconceituoso estigma de que a população indígena não possui acesso à tecnologia. Lá pude conversar com uma série de crianças que me perguntavam sobre Pokémon, Free Fire e dancinhas do TikTok. Era tudo muito divertido. Adorava dar risada com as crianças e correr com elas. Aprendi muito com o Ian e a Jasmine, que me ensinavam diferentes palavras em guarani. Me ensinaram o significado de “Peixe” e “Butuca”, não sei ao certo como se escrevem, embora tenha pesquisa, mas são, respectivamente: “Pirá” e “Nhabutu”. A noite tivemos mais uma solenidade na casa de reza. Fiquei pouco tempo, pois estava muito cansado, mas tive a oportunidade de ver o Pajé. Tirei um cochilo antes do jantar. Lembro que depois que acordei fui à cozinha comer um doce enquanto conversava com a Gabriela, mestranda, e alguns colegas da disciplina. Em seguida escovei os dentes e fui dormir mais uma vez.


A despedida

No domingo (06/11/2022) despertei cedo e comi um delicioso tipá com muitas frutas no café da manhã. Foi uma das coisas mais gostosas que já comi. Mais uma vez tivemos um momento de descontração com os estudantes e os moradores da aldeia. Brincamos novamente de “pula corda” com as crianças e depois fomos à praia acompanhados do Danilo, um jovem super alegre e inteligente. Adorei passar o domingo na praia com os meus colegas. Fez toda a diferença para mim. Me diverti muito com pessoas que não via desde antes da pandemia, como a Beatriz Celestino e a Isabella Miranda, além de ter passado um ótimo dia. Ao retornarmos vimos os estudantes da Odontologia que estavam passando alguns vídeos sobre higiene bucal. Foi um momento divertido, em que revi uma colega que conheci no ônibus, a Dinda e fomos arrumar as nossas coisas. Fiquei bem chateado ao final, mas feliz pelo que experienciei. Foi maravilhoso ver o sorriso das crianças e aprender, sob o ponto de vista do Bem Viver, a ver a vida.


Conclusão

Como futuro gestor de políticas públicas, compreender as demandas por justiça ambiental, que, superficialmente, aparentam estar muito distantes por serem frequentemente trazidas por grupos étnico-raciais específicos, como, no presente caso, a população indígena, é basilar para a minha formação acadêmica e profissional. Estou e estarei direta e indiretamente lidando com essa temática por trabalhar com a questão ambiental. Sendo assim, a vivência na Aldeia Indígena pôde ressignificar e complementar uma série de princípios que ostento, dado que pude presenciar diferentes aspectos da realidade da população Guarani de Rio Silveiras. Outro momento importante para a construção da experiência é a Casa de Reza, em que trocas espirituais e de experiência me ajudaram a estender minha noção do conceito de espiritualidade. Estar próximo das manifestações espirituais indígenas forneceu um estado de conexão com um significado difícil de expressar. A oportunidade de se conectar com Nhanderú foi um privilégio. Passar por esse território é uma grande “virada de chave” nas minhas percepções. Sei que me tornei melhor enquanto pessoa e enquanto profissional. As perspectivas sociais e espirituais da aldeia incitaram alterações na minha visão de mundo. Fizeram eu ressignificar o tempo, a alegria e a valorização. Na semana após a vivência prestei o processo seletivo de mestrado para o Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Nesse contexto, posso aferir que a experiência com os guaranis foi edificante e trouxe robustez para a minha candidatura, já que fortaleceu o meu propósito de promover a justiça socioambiental. Com toda certeza teria mais vivências como essa. Recomendo a todas e todos o contato com o “Bem Viver”.


Referências Bibliográficas ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Editora Elefante, 2019.

FARLEY, Joshua. Conservation through the economics lens. Environmental management, v. 45, n. 1, p. 26-38, 2010.

MARTÍNEZ-ALIER, Joan. Environmental justice and economic degrowth: an alliance between two movements. Capitalism Nature Socialism, v. 23, n. 1, p. 51-73, 2012.

MARTÍNEZ-ALIER, Joan et al. Sustainable de-growth: Mapping the context, criticisms and future prospects of an emergent paradigm. Ecological economics, v. 69, n. 9, p. 1741-1747, 2010.

STEFFEN, Will et al. The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, v. 1, n. 1, p. 54-63, 2020.