Wikinativa/Ana Paula Pinez de Melo (vivencia Guarani 2019 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Esse artigo tem como proposta trazer as impressões acerca das vivências proporcionadas através da disciplina Seminários de Políticas Públicas Setoriais III.

Vivência: Aldeia do Jaraguá

Visitamos a Aldeia Tekoá Pyau. Localizada na Estrada Turística do Jaraguá, para chegar na Aldeia é necessário acesso através de transporte público, mais especificamente a linha de ônibus 8040/10 / Sol Nascente. A movimentação para a visita teve início no momento em que os colegas de disciplina se encontraram no Terminal Lapa. Aparentemente foram 2 ônibus em horários diferentes, seguidos um do outro, a espera não durou muito mais que 20 minutos. Estavam presentes alunos dos cursos de Gestão Ambiental e Gestão de Políticas Públicas. O trajeto durou cerca de 30 minutos, onde compartilhamos o ônibus com moradores e trabalhadores da região.

Ao chegar no ponto de encontro, nos deparamos com nossos colegas em frente a uma entrada da Aldeia Tekoá Pyau. É importante salientar que a terra indígena do Jaraguá abarca outras aldeias além da Tekoá Pyau, onde cada uma tem sua própria liderança, ao todo são 6 aldeias naquele território. De acordo com Thiago Henrique ( Karai Dje Kupe) , que pertence a comunidade indígena do Jaraguá e que tem papel importante de liderança no território, o que separam as aldeias é somente a estrada que passa no meio, uma vez que todos vivem como uma só comunidade.

Logo no começo fomos recebidos pelas crianças do local, e enquanto conversávamos em roda, elas vinham à nossa volta, brincaram conosco, conversaram. Enquanto isso o professor e o monitor falavam um pouco a respeito do local. Depois da apresentação inicial acerca do local fomos andando por dentro da comunidade até conhecer o Centro Cultural local. Depois dessas trocas, atravessamos a pista e fomos até a Casa de Reza que havia lá. De um lado sentaram-se mulheres e do outro os homens, aprendemos que é assim que se faz de costume em noites comuns na casa de reza. Em seguida, chegou Sonia Barbosa (Ara Mirim), importante liderança da comunidade indígena do Jaraguá. Sonia falou da importância da resistência, da luta, e também da importância de juruás (não-indígena) que contribuam na composição da luta. Entendemos o porquê da telha da casa de reza ser ecológica e não de folha, como geralmente acontece. Uma vez que a comunidade tem acesso limitado a recursos naturais e as folhas foi necessário improvisar pra algo

Atravessamos a pista mais uma vez, dessa vez a entrada era um pouco mais longe. Nesse território entendemos que houve uma retomada, ou seja, é um território que voltou a ser da comunidade indígena do Jaraguá. Podemos observar a quantidade de verde que havia no lugar, ainda tinha pouquíssima interferência humana, era tudo muito integrado com a natureza. Depois de uma roda de conversa acerca do local, caminhamos em direção a casa de reza dali, esta era um pouco menor que a anterior que visitamos. Na casa de reza o cheiro de fumaça é bem forte, em específico nessa que havia uma fogueira acesa ao fundo e alguns moradores estavam pitando o cachimbo ali. A experiência na casa de reza foi muito rica. Ouvimos diversas lideranças locais, aprendemos sobre a criação de abelhas que é feita ali na região, entendemos as conquistas territoriais do povo e também o quanto ainda está longe do que eles merecem e principalmente, do que eles precisam. Ao final do encontro foram entoadas canções, a maioria delas continha o nome de Nhanderu, que é a representação de Deus para o povo Guarani Mbyá.

Depois da experiência na casa de reza, nos direcionamos até uma área em que havia cozinha e um espaço que vendia artesanato, além de uma área coberta onde havia uma pequena fogueira acesa que assava batatas. Lá compartilhamos de uma refeição entre alunos, professor, monitores e alguns moradores da comunidade. A refeição era composta apenas de alimentos vegetarianos e foi feita voluntariamente por alguns alunos e voluntários da ONG AUPI. Depois da refeição alunos foram aos poucos indo embora em turmas separadas, mas sempre em grande número (mais de 5 pessoas indo embora juntas). Na Estrada Turística do Jaraguá passavam linhas de ônibus que iam até o centro da cidade, e outras áreas relativamente centrais da Zona Oeste de São Paulo.

Vivência: Aldeia Rio Silveiras

Visitamos a Aldeia Guarani Rio Silveiras no dia 15 de novembro de 2019. A proposta era pousar na aldeia no de correr do dia 15, 16 e 17 de novembro. Realizamos o trajeto através da rodovia Mogi-Bertioga que demorou cerca de 6 horas por conta do trânsito em decorrência do feriado do dia 15. O núcleo da aldeia que visitamos está localizado na praia de Boracéia, uma praia que pertence ao município de São Sebastião. Assim que chegamos na aldeia Rio Silveiras, todos os alunos se mobilizaram para ajudar a descarregar o ônibus e assim começar a montagem de barracas que nos abrigaria nos próximos dias. No cair da noite fomos todos à casa de reza, onde pudemos participar ativamente, seja dançando ou entoando canções juntos aos indígenas que residem na aldeia. Após a cerimônia na casa de reza, fizemos a nossa primeira refeição, feita pelo grupo responsável pela alimentação, e logo após a refeição assistimos ao curta "Pajerama".

No sábado, logo pela manhã, tomamos um café da manhã bem reforçado, com o famoso "tipá" feito pelas mulheres da aldeia. Após o café da manhã começamos nossa caminhada em direção ao outro núcleo e consequentemente a cachoeira que forma o Rio Silveiras. No caminho passamos por casas mais isoladas de famílias que pertencem ao aldeia também, mas que moram mais afastadas da região que ficamos. No caminho conhecemos também a escola estadual indígena Txeru Ba' e Kua-i. Ao chegar no outro núcleo conhecemos o líder político do local, Afonso, que nos mostrou o cultivo de palmito, açaí, e o sistema de agrofloresta que vem cultivando. Em seguida seguimos em direção a cachoeira, em que a todo momento fomos acompanhado de alguns moradores do local, crianças, adolescentes e adultos. Foi uma experiência incrível de purificação, uma vez que a água era límpida e a cachoeira sempre renova as energias.

A noite a experiência na casa de reza conseguiu ser ainda mais intensa que a primeira, alguns alunos participaram da cerimônia de defumação para cura. Depois realizamos o segundo jantar, sempre junto aos moradores. Enquanto isso acontecia a oficina de mandala em que havia forte presença das crianças. Após um tempo nos reunimos todos em volta de uma fogueira, feita pelas mulheres indígenas, e cantamos e tocamos muitas músicas com instrumentos levados pelos próprios alunos.

No domingo pela manhã, logo após o café da manhã, fomos a praia, algumas crianças foram conosco no ônibus. Na praia também houve bastante integração. Na volta almoçamos, e logo após almoço começaram algumas brincadeiras, a realização de pinturas corporais, e foi justamente a hora que apareceu o porco do mato para nos visitar. Depois assistimos as técnicas de treino de resistência e agilidade com as crianças, ao som de músicas tocadas pelos adolescentes e jovens adultos guaranis. Logo em seguida os adolescentes e jovens adultos também fizeram os treinos de agilidade, e então mais tarde diversos alunos entraram na experiência também. Foi uma das últimas atividades que realizamos juntos antes de começar a desmontar a barraca pra ir embora. A volta para São Paulo no domingo foi tranquila e rápida, em vista da ida, chegamos em cerca de 3h30 em São Paulo.

A experiência imersiva dentro da aldeia Rio Silveiras foi de longe a melhor coisa que eu já vivenciei na vida. Foram 3 dias de aprendizado sobre amor, fé, respeito, luta, comunhão e espiritualidade. Logo no primeiro dia, Mariano, que é um dos líderes políticos da aldeia Rio Silveiras, falou aos alunos, logo após nosso primeiro encontro na casa de reza, a respeito da importância de demonstrar o amor e viver hoje. Segundo ele, mesmo que os indígenas acreditem que exista vida após a morte, é necessário que você diga que ama hoje, e viva o momento presente, porque não sabemos o que vem depois. Foi uma fala importante que me proporcionou o desapego dos bem materiais e do mundo fora dali. Conversando com outros colegas, percebi que muitos esqueceram da vida em São Paulo também, todos vivenciaram de forma imersiva os 3 dias de vivência.

Conclusão

Através da disciplina aprendemos questões antropológicas, ambientais e sociológicas acerca dos povos indígenas. Aprendemos também sobre cultura alimentar. Compreendemos que reproduzíamos estereótipos que não contribuem na luta dos povos originários. Foram uma série de aprendizados teóricos riquíssimos, mas só a sala de aula não traria tanta bagagem e aprendizado quanto as vivências que realizamos nas aldeias do Jaraguá e Rio Silveiras. Os povos originários são precursores do conceito e da importância da integralidade entre ser humano e natureza. De cara percebemos isso na fala de todas as pessoas que moram nas aldeias e que falaram um pouquinho da vida deles para os alunos. Seja através do cultivo de agroflorestas, ou através das bioconstruções, com o uso da composteira e realizando reciclagem, percebemos um esforço do povo Guarani para preservação da natureza. O juruá (não-indígena) ainda tem uma jornada imensa de evolução pra chegar nesse patamar de concepção da integralidade, mas acredito que a proposta da disciplina é que a gente possa levar um pouco de tudo o que vivenciamos e aprendemos para fora do ambiente acadêmico também, sendo assim ajudando, nem que seja um pouco, a disseminar a mensagem dos povo indígenas e do povo Guarani.