Wikinativa/Antonio Marques da Costa Ouro (vivencia Guarani 2022 - SMD - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Reserva Indígena Rio Silveiras

Uma experiência antropológica na cultura Guarani

No início de novembro de 2022, um grupo de alunos da Universidade de São Paulo visitou a Aldeia Indígena Rio Silveiras, localizada em Bertioga, litoral de São Paulo. A experiência fez parte de uma disciplina optativa do de Gestão de Políticas Públicas e contou com a presença de alunos de diversos cursos da universidade.

A vivência

Os três dias que passamos dentro da aldeia foram organizados para proporcionar uma imersão na cultura Guarani. Antes da viagem, eu e os demais colegas nos encontramos a cada duas semanas em sala de aula para planejar o passeio e debater temas relevantes à pauta indígena, inclusive por meio de conversas com indígenas. Durante essas aulas, os alunos se dividiram em 4 grupos, criados com o objetivo de dividir tarefas relevantes da experiência antropológica que viveríamos. Eram eles: Alimentação, Recreação, Registro e Infraestrutura.

A proposta de uma viagem de campo, ao meu ver, é extremamente importante. Debater e estudar povos tradicionais do Brasil é um dos assuntos mais importantes dos dias de hoje, e é impossível fazer isso apenas com estudos teóricos. O contato verbal e cultural, as atividades práticas e reais, são de extrema relevância para conseguir compreender melhor a pauta, entender o modo de vida indígena e relacionar esses conceitos e práticas com problemas atuais. Como futuros gestores públicos (em sua maioria, já que alguns alunos eram de outros cursos), precisamos ter conhecimento deste assunto.

A minha visão da experiência que tivemos é marcada por algumas contradições. Apesar de reconhecer a importância deste tipo de estudo em campo, fico me perguntando se o formato como a experiência é realizada traz resultados do ponto de vista do conhecimento obtido. Por um lado, enxergo uma viagem grande, com muitos alunos, como uma experiência disruptiva para os indígenas habitantes da Aldeia. Em conversas com moradores, eu e mais alguns colegas percebemos que aquele grupo que fazíamos parte causava um certo "incômodo" na Aldeia como um todo. Não é de surpreender que nosso contato com os adultos foi mais reduzido, limitado à alguns encontros que ocorriam de forma orgânica e outros encontros planejados, como as experiências na Casa de Reza. Por outro, apenas o fato de estarmos dentro da Aldeia, andando pela floresta, entrando no rio e experienciando todos aqueles espaços, me faz enxergar o valor que a viagem nos trouxe como uma experiência imersiva.

Apesar de entender alguns aspectos da viagem como limitantes, mais por conta de questões logísticas do que qualquer outra coisa, ainda considero que a experiência que tivemos foi essencial. Apenas alguns momentos e observações demonstram o valor da experiência antropológica em campo. Entender a outra percepção do tempo que os povos indígenas tem, como apontado pelo professor, compreender, em partes a relação intrínseca entre ser humano e natureza, são coisas que se aprende em sala de aula, mas apenas vivendo (mesmo que por pouco tempo) se entende de verdade.

A relevância da viagem para um gestor público

Como aluno de gestão de políticas públicas e como profissional do terceiro setor, atuando em uma ONG que trabalha com mudanças climáticas, estou certo que compreender a importância dos povos tradicionais brasileiros, sejam eles indígenas, quilombolas, ribeirinhos ou outros, é de absoluta importância para o futuro do país e do mundo. Nossos povos e nossas florestas, com toda sua biodiversidade, são os nossos maiores tesouros. A preservação da natureza é algo que se debate muito na academia, em fóruns internacionais, como as COPs (conferências da ONU voltadas para temas como mudanças climáticas e biodiversidade), mas o conhecimento dos povos tradicionais faz isso de maneira muito mais eficaz há milhares de anos.

Nossa experiência reforçou essa visão e me trouxe uma vontade maior de me adentrar mais neste tema. Por vezes nos perdemos demais no conhecimento científico e nos esquecemos que há outras formas de vida, de conhecimento. Estudar e trabalhar com gestão de políticas públicas pode, e deve, considerar essas outras vivências. Políticas ambientais devem seguir aspectos técnicos rigorosos, mas também devem entrar em contato com essa sabedoria que há muito tempo trás tecnologias essenciais para a conservação do meio ambiente.