Wikinativa/Arte Vivencia2016

Fonte: Wikiversidade

PROPOSTA DO GRUPO

Desafio, essa foi a palavra que regeu o grupo durante as semanas que antecederam nossa visita à aldeia. A princípio tomamos muito cuidado para que o grupo das artes não virasse um item somente de distração, queríamos muito que acontecesse uma troca de experiências e de valores.

Ao tomar conhecimento de quem faria parte do nosso grupo buscamos primeiro uma boa integração entre nós para que todos chegassem no mesmo ponto, passamos por alguns debate sobre como seriam as apresentações, cogitando a ideia de uma roda logo que chegássemos na aldeia, roda essa que seria formada por alunos e indígenas, faríamos uma espécie de teia com barbante pois a mesma possui um forte significado onde todos acabariam interligados; após acordado que essa seria a primeira interação partimos para a escolha de músicas e de ideias de como produzir instrumentos a partir da reciclagem.

Esse processo foi o mais demorado, precisávamos de músicas com ritmo e letra contagiante. Após selecionadas, começamos a nos reunir para os ensaios. Entender esse processo de planejamento é importante para ver como o grupo cresceu ao chegar na aldeia, antes de chegarmos lá estávamos planejando o que ia acontecer numa roda em um momento predeterminado onde colocaríamos em prática nossas oficinas. A primeira interação com a roda de apresentação não aconteceu, foi aí que percebemos que iríamos mostrar nosso trabalho na hora que "tivesse que acontecer". Mais adiante está exposto como foi feito, ademais, esperávamos uma receptividade muito alta por parte dos anfitriões e foi isso que aconteceu, cremos que não só com nosso grupo mas com os outros também.

INSTRUMENTOS MUSICAIS

A música para a maioria dos povos indígenas brasileiros é utilizada em rituais religiosos, socialização, ligação com ancestrais, magia e cura. Está presente em festas comemorativas, sazonais, guerreiras, ritos de passagem e congraçamento entre as tribos (Camêu, 1979). Cada tribo possui seus instrumentos, que são utilizados de maneiras diferentes por diversas comunidades. Na Aldeia Rio Silveiras encontramos alguns instrumentos já conhecidos em nossas vivências como o violão e violino, porém o pau de chuva e alguns chocalhos eram instrumentos desconhecidos por alguns do grupo, e isto foi um fator positivo, pois nos trouxe curiosidade ao escutar um som diferente.

A interação do grupo com os instrumentos musicais se iniciou antes da viagem, pois ensaiamos alguns dias antes, nossa proposta inicial era tocar e cantar algumas músicas populares na aldeia com a participação de todos os presentes e aprender músicas indígenas e assim cantar e dançar com eles, em uma troca mútua de experiências. Para isto levaríamos garrafa PET, latinhas de cerveja com sementes e produzir um chocalho com produtos recicláveis.

Na vivência foi um pouco diferente, pois quando chegamos não sabíamos quando começar a intervenção, pois havia outras atividades acontecendo simultaneamente, então alguns integrantes começaram a tocar, mas não houve uma interação tão grande com as pessoas que estavam lá, elas escutavam e achavam interessante o som, mas não se aproximavam.

A noite na casa de reza este distanciamento entre os instrumentos e a forma de tocar desapareceram, pois a forma na qual eles tocavam, nos tocou profundamente era uma melodia transcendental, muito bonita, na qual não estávamos acostumados a ouvir e alí o  próprio corpo humano também era usado como instrumento, pela utilização de pés, mãos e outras partes do corpo para compor aquela harmonia que nos propiciava momentos profundos de concentração. Estes instrumentos também eram segurados de maneira diferente o violão era tocado próximo ao queixo do pajé e o violino era segurado no peito e não no queixo e ombros como estamos acostumados, as notas tocadas eram simples e repetitivas e essa frequência nos trazia calma, era forma de relaxamento. E esta sinfonia se tornava mais potente com o som das vozes que bradava aquele ambiente, foi maravilhoso.

Após o primeiro dia na casa de reza mudou a percepção dos integrantes do grupo em relação aos instrumentos que não conheciam, e isso nos aproximou mais. No segundo dia na reza participamos do canto e coreografias e isto integrou mais a turma inteira, de modo que muitos relataram estarem se sentindo um índio, pois foi muito íntima esta relação com as atividades na casa de reza, logo após assistimos um ritual com um dos monitores do grupo, e percebemos e o chocalho era o instrumento mais utilizado na os guerreiros se preparam para a guerra cantando e dançando musica dos guerreiros (xondaros) que significa a dança da guerra, onde com bravura e gritos de guerra.

O terceiro dia foi o mais impactante em relação aos instrumentos, pois além de assistirmos o ritual de purificação na qual muitos vivenciaram e saíram emocionados, participamos de uma dança, na qual o violino fazia uma melodia e as pessoas dançavam e neste momento todos se divertiram, aquele som maravilhoso melódico do violino num ritmo animado nos trouxe uma mutualidade com aquela cultura. Após este momento se formou uma roda de música na qual os índios também participaram e alí eles utilizaram os nossos instrumentos e nos mostraram que sabem muito sobre nossa cultura, cantaram funk, samba entre outros e dançaram muito bem. Ficamos impressionados, pois eles sabiam muito de nossa rotina e nós pouco sabíamos de suas músicas e ritmos e neste momento todos se desinibiram com o que sabiam.

Portanto, nossas atividades com instrumentos foram realizadas do início ao fim da viagem. Houve diversos momentos, uns de mais afastamentos e outros com mais aproximações, porém todos nos trouxeram um aprendizado muito grande.

MÚSICA E DANÇA NOS RITUAIS

As músicas e a danças estiveram presentes em diversos momentos durante a vivência na aldeia. Identificamos que elas, além de demonstrarem grande influência no cotidiano dos índios, têm papel fundamental em seus rituais religiosos.

Observamos que elas podem ser executadas individualmente, mas a maioria é realizada em grupo conduzidas pelo pagé em seu papel de líder, e houve momentos em que as mulheres cantaram juntas repetindo o mesmo ritmo de dança e os homens a mesma coisa, cada qual com uma parte da música e dança específica. Em outros momentos cantaram e dançaram separados dentro da casa de reza durante os rituais. Houve também danças em que somente as mulheres participaram e os homens tocaram, como ocorreu no penúltimo dia ao ar livre a noite após o ritual de purificação na casa de reza, e danças em que somente os homens cantaram e tocaram, como no ritual de purificação que ocorreu em volta da fogueira ao ar livre.

As canções apresentaram muitas características em comum. As batidas dos instrumentos bem marcadas mantiveram-se praticamente no mesmo ritmo durante toda a sua execução. Essa repetição e marcação que condicionava as canções e danças em passos de marcha envolveram na mesma sintonia vibrante todos que estavam no ambiente, e acreditamos que esse seja o propósito delas. Bem como, relatado pelo pajé, cada batida de instrumento, cada letra, cada gesto e expressão corporal, cada escolha de voz, seja ela de crianças, mulheres ou homens, entonação e momento de entrar na música tem um propósito e uma função específica, nada é ao acaso e sem fundamento, cada ritual tem um objetivo, e as músicas e dançam seguem a mesma linha de raciocínio. As canções e danças fazem parte de um processo de envolvimento e concentração para conseguirem iluminação espiritual, cura, união da tribo, para se prepararem para a guerra e também dançam quando voltam dela, para celebrar um cacique, reverenciar e homenagear os mortos, espantar energias negativas e maus espíritos, purificar e celebrar outros tantos diversos atos, fatos e feitos relativos à vida.

Todas as músicas e danças são criadas em conjunto durante os rituais e quando estão em contato íntimo com a natureza, pois são nesses momentos que, concentrados, o Pajé e o restante dos membros da tribo recebem intuições dos espíritos ancestrais e por Yanderú (Deus).

RELAÇÃO DAS CRIANÇAS E DAS MULHERES COM A MÚSICA

Durante nossa vivência na Aldeia, tendo como proposta artística a integração musical pudemos perceber que a música é intrínseca na cultura e na ritualística do povo Guarani.

Observamos que as crianças possuem talento musical desenvolvido desde muito pequenos, por convivem com a música de forma natural o que lhes garante uma afinidade maior com sons e notas. A maioria das crianças já um pouco maiores tocavam alguns instrumentos musicais como violão, violino, tambor, maracá e pandeiro, todos declaram-se autodidatas e tocavam de formas peculiares - para nós que estamos acostumados com muita métrica e partitura - as crianças tocam da mesma forma que levam a vida, livres.

Já as mulheres possuem uma ligação com a música guarani muito especial. Mariano, o antigo cacique da Aldeia Rio Silveiras nos disse que “sem as mulheres não existiria a música, pois os homens sozinhos dão o tom, mas as mulheres são a harmonia”. Essa frase foi extremamente tocante para nós, percebemos em todos os momentos de música guarani que os homens iniciavam a canção e as mulheres entoavam a melodia.

No nosso entendimento as mulheres são a alma dos rituais Guaranis, quando entoam seus cantos enchem o ambiente de energia e fazem nossos corações baterem no mesmo ritmo da música. É um momento de contemplação.

Apesar da participação especial na música guarani não tivemos muita percepção do conhecimento das mulheres em relação as musicas em português, percebemos uma barreira linguística e cultural nesse sentido. Entretanto as crianças, em especial os meninos, apresentavam um repertório que ia desde MPB com músicas de Milton Nascimento até o funk ostentação do Rio de Janeiro.

QUEBRAS DE PARADIGMAS E PRECONCEITOS

Infelizmente todos os indivíduos de uma sociedade possuem um pré-conceito de fatos incomuns do ponto de vista do mesmo, seja uma cultura ou crença. Construímos imagens e ideais de cada pessoa ou comunidade e essa visita a aldeia não foi diferente. Anteriormente da imersão na aldeia formamos uma imagem pintada através da aparência dos índios Guaranis que lá viviam, chegando a uma auto conclusão de seus comportamentos sem ao menos conhecê-los, porém depois dos dias vividos houve uma extrema mudança de pensamento dos integrantes do grupo de artes, isso ocorreu no fato de um dos dias um índio estar ouvindo funk e isso nos causou um grande estranhamento, tínhamos em mente que eles só ouviam músicas de rituais indígenas, ou seja tínhamos um pré- conceito em mente e esse paradigma foi quebrado nesta experiência.

Segundo a filosofia ter um pré-conceito de certa forma é algo positivo pois nos ajuda na mudança comportamental que teremos com uma determinada pessoa, e pudemos viver isso, parar e pensar que o mundo em que vivemos é um mundo globalizado e de conexão de dados, viver fora de um mundo assim é muito complicado nos dias de hoje, explicação de termos coincidências musicais o que se pensado bem não é nada diferente apenas um fato pré concebido em nossas mentes.

COMO AS APRESENTAÇÕES OCORRERAM

Na segunda noite da aldeia o projeto foi efetuado. Acendeu-se uma fogueira na areia ao lado da casa de reza. Nesse momento, tivemos uma apresentação do moradores da aldeia, com uma apresentação de dança e música de  indígenas, a qual os alunos juntos com os moradores participaram, representava dança de guerreiro. Após a apresentação,  como a grande maioria ainda  estavam acordados, resolvemos naquele momento tocarmos as canções que tínhamos preparados para apresentar aos moradores; começamos com a música "Oração" da Banda mais bonita da cidade. Demos instrumentos improvisado, feito com latinhas e materiais recicláveis para eles, parecido com chocalhos, para todos poderem fazer parte da música. Após essa música tocamos "Tiro ao Álvaro" de Adoniran Barbosa, ao percebermos a participação das pessoas com as músicas , tocamos outras músicas mais atuais que todos conheciam. Entre os mais variados ritmos, o que mais animou-os foi o “Funk Carioca”. Como nesse momento, a maioria que estavam na "rodinha" eram crianças e jovens, eles conheciam bastante músicas desse estilo de música.

Com o pandeiro tocamos e cantamos várias letras de Funk e até dançamos junto com eles. Foi bem divertido, a interação de música só acabou por causa do horário, já estava bem tarde e o Pajé queria dormir junto com as outras pessoas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMÊU, Helza. Instrumentos musicais dos indígenas brasileiros: catálogo da exposição. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional; Funarte, 1979.