Wikinativa/Calapalo
Calapalo | |||
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Dois índios calapalos numa canoa, no Brasil. | |||
População total | |||
385 | |||
Regiões com população significativa | |||
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Línguas | |||
português Língua cuicuro-calapalo | |||
Religiões | |||
Os Calapalos são um grupo indígena que habita o Sul do Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso, no Brasil.
Introdução
[editar | editar código-fonte]A vida social nas aldeias Calapalo – um dos quatro grupos de língua Karib que habita a região do Alto Xingu, englobada pelo Parque Indígena do Xingu – varia de acordo com as estações do ano. Na estação seca, que se estende de maio a setembro, a comida é abundante e é tempo de realizar rituais públicos, que costumam contar com muita música e a participação de membros de outras aldeias. Na estação chuvosa, a comida torna-se escassa e a aldeia fecha-se nas relações entre as casas e os parentes. No contexto multiétnico do Parque Indígena do Xingu , os Calapalo têm se destacado por uma participação ativa na vigilância de seus limites, evitando a invasão de fazendeiros vizinhos.
Lingua
[editar | editar código-fonte]Os Calapalo e três outros grupos do Alto Xingu – Kuikuro, Matipu e Nahukuá – falam dialetos de uma língua que pertence ao ramo da Guiana Meridional da família lingüística Karib. Seus parentes lingüísticos mais próximos são os Ye'cuana (ou Makiritare) e os Hixkaryana. Os primeiros encontram-se no sul da Venezuela e no norte de Roraima, enquanto os últimos estão na região das Guianas que fica no norte do Pará.
Permanece incerto quando o grupo conhecido como Calapalo foi contatado por estranhos pela primeira vez. Indivíduos identificados à aldeia que portava este nome foram medidos pelo antropólogo alemão Hermann Meyer durante um estudo antropométrico dos povos do Alto Xingu, realizado no final do século XIX. Em 1920, o Major Ramiro Noronha, da Comissão Rondon, realizou pesquisas na região do Rio Kuluene e fez a primeira visita registrada às aldeias dos Kalapalo, Kuikuro e Anagafïtï (Naravute, na literatura). Os últimos, particularmente, sofreriam as conseqüências dessa visita, que suscitou a primeira de uma série de epidemias que destruiu a integridade de sua comunidade.
O nome Calapalo, inicialmente atribuído ao grupo por não-índios, tem como referência uma aldeia com esse nome abandonada provavelmente há menos de cem anos. Naquele tempo, pessoas mudaram de Kalapalo para um sítio vizinho chamado Kwapïgï, que, por sua vez, foi sucedido pela aldeia Kanugijafïtï, abandonada em 1961. Todos esses sítios estão localizados a cerca de meio dia de caminhada na direção leste do Kuluene, ao sul da confluência com o Rio Tanguro. Os últimos remanescentes de um grupo Karib importante, chamado Anagafïtï, juntaram-se aos habitantes de Kanugijafïtï depois da epidemia de gripe na década de 1940 e, naquele momento, havia Kuikuro, Mehinako, Kamayurá e Waujá vivendo entre os Calapalo.
O que chamamos hoje de "Calapalo" é, então, uma comunidade composta de uma gente cujos ancestrais foram associados a diferentes comunidades, com uma maioria oriunda ou descendente de pessoas que viveram em Kanugijafïtï.
Localização
[editar | editar código-fonte]Atualmente, os Calapalo vivem em duas aldeias, uma delas denominada Aiha (que significa algo "acabado", "pronto"), localizada a sudeste do Rio Kuluene, e outra chamada Tanguro, nas margens do Rio Kuluene e próxima ao limite do Parque do Xingu. Além dessas aldeias, alguns Calapalo vivem nos Postos Indígenas de Vigilância (PIV) Tanguro e Kuluene. O PIV Tanguro localiza-se nas margens do rio de mesmo nome, no limite do Parque, e o PIV Kuluene nas margens desse rio, também no limite.
As antigas aldeias calapalo localizavam-se mais ao sul, em ambas as margens do Rio Kuluene. Os Kalapalo mudaram-se com relutância para a sua localização recente, depois que, em 1961, foram formalmente estabelecidas as fronteiras do Parque Indígena do Xingu e outros grupos foram encorajados a se mover para as proximidades do Posto Leonardo, de maneira a controlar o contato com estranhos e a obter ajuda médica em caso de epidemias. Ainda assim, constantemente retornam ao seu território tradicional para colher pequi nas formações arbustivas encontradas em torno das velhas aldeias, ou para procurar caramujos para confeccionar ornamentos de conchas (uma especialidade deste grupo), pescando e fazendo roças de mandioca, batata doce e algodão em vários lugares no curso do Rio Kuluene.
Comportamento
[editar | editar código-fonte]É central para a vida social um ideal de comportamento chamado ifutisu, que remete a um conjunto de argumentos éticos pelos quais os Calapalo distinguem os povos do Alto Xingu de todos os outros seres humanos. Em um sentido mais geral, ifutisu pode ser definido como uma ausência de agressividade pública - por exemplo, ser habilidoso para falar em público e não provocar situações que causem desconforto aos outros – e pela prática da generosidade – como a hospitalidade e a predisposição para doar ou partilhar posses materiais. Os Calapalo acreditam que a viabilidade da sociedade depende do cumprimento desse ideal.
Em graus variados, esse conceito se estende para todas as áreas da vida social, sendo aplicado para relações entre grupos locais, consangüíneos, afins, homens e mulheres, e mesmo entre humanos e não-humanos. A demonstração do comportamento ifutisu também confere prestígio e, portanto, é importante na distribuição do poder político. Esse ideal é manifesto em um complexo singular de comportamentos e concepções que os Calapalo afirmam ser distinto do de seus vizinhos tradicionais.
Antes do estabelecimento das fronteiras do Parque e do contato permanente com os brasileiros, povos indígenas agressivos rodeavam a bacia do Xingu e ocasionalmente confrontavam-se com os grupos locais. Relações entre os Kalapalo e alguns desses grupos – especialmente os Jaguma, que viviam ao leste do rio Tanguru (tributário do Alto Kuluene) – eram ocasionalmente amigáveis, porém mais freqüentemente conflituosas. Os Calapalo chamam esses povos e, de modo geral, quaisquer índios que não fazem parte da sociedade alto-xinguana, anikogo, "gente feroz" (de aniko, comportamento "feroz" ou "selvagem"). Essa categoria de "seres humanos" é concebida primariamente em termos de um tipo de comportamento rotulado como itsotu, que se refere à raiva e à violência. O comportamento itsotu é geralmente contrastado explicitamente com o comportamento pacífico e generoso, ifutisu, que é, para os Kalapalo, uma característica importante e distintiva da categoria "gente da sociedade do Alto Xingu" (kuge, ser humano).
O segundo meio importante pelo qual os Calapalo distinguem os kuge de outros seres humanos é um conjunto de práticas alimentares que refletem o comportamento ifutisu. O aspecto mais significativo disso é um sistema em que as "coisas viventes" (ago) são classificadas de acordo com um critério de comestibilidade. Os Calapalo geralmente rejeitam animais terrestres "peludos", que eles chamam de nene, e comem aqueles que eles chamam de kana, criaturas aquáticas (especialmente os peixes). Além desse princípio geral, há restrições específicas para pessoas em situações de crise de vida, particularmente os adolescentes. A importância desse sistema alimentar é reforçada pela idéia kalapalo de que a aparência física é uma marca dos sentimentos internos; assim, a beleza física, acompanhada pela obediência a restrições alimentares e práticas médicas, é um sinal de beleza moral. Nos mitos kalapalo, meninas e meninos na puberdade freqüentemente encenam papéis de perfeição moral que contrastam com o mau comportamento de suas relações adultas.
Músicas e Rituais
[editar | editar código-fonte]Tanto no Yamurikumalu como no Kagutu, é sobretudo pela música que se enfatizam as diferenças e os antagonismos entre os sexos, mas, ao mesmo tempo, a música promove uma comunicação entre os que tocam e os que escutam (que devem ser do sexo oposto), promovendo uma situação de controle sobre esses poderes perigosos. Assim, na mitologia kalapalo, a música é tratada como ao mesmo tempo manifestação de metamorfoses agressivas de seres perigosos (itseke) e como um meio acessível a pessoas para o controle dessas forças.
Dessa forma, os Kalapalo usam a música ritualmente como meio de comunicação entre domínios que eles definem como absolutamente separados ou entre categorias desiguais de seres: homens e mulheres, seres humanos e seres poderosos, adultos e crianças pequenas. Essa comunicação é feita não tanto pelo estabelecimento de um clima de solidariedade, mas principalmente para mostrar aos ouvintes o poder desses seres, assim como para usar os poderes dos ouvintes para desarmá-los temporariamente.
O uso ritual mais importante da música ocorre em eventos coletivos públicos que duram semanas ou meses durante o período da estação seca (isoa-), compreendido entre maio e setembro. Quando principia essa estação, os Kalapalo ocupam-se intensamente em esforços coletivos complexos que envolvem ao mesmo tempo performances musicais e atividades econômicas.
Referências
- ↑ Quadro Geral dos Povos. Enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil. Página visitada em 14 de setembro de 2012.