Wikinativa/Catarina Amaral Zancheta (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Diário de Bordo da Vivência

O preparo para a viagem começou, praticamente, duas semanas antes, quando me reuni com o grupo do Projeto das Camisetas para separar as roupas que seriam doadas e estampadas. Ao longo da semana coletamos materiais para realizar a oficina e deixamos tudo preparado. Na Quinta Feira (11/10) fomos carregar o Ônibus às 13:30 e partimos por volta de 14:30.

Chegamos na Aldeia em torno das 18 horas, chovia muito e já estava escuro o que dificultou para descarregar as malas e as doações, mas não desanimou em nada. Assim que descemos do ônibus foi pé direto na lama, um contato puro e bem significativo com a natureza. Nesse dia, como chegamos já no começo da Reza e chovia muito, não montamos as barracas, descarregamos o ônibus e fomos direto para a reza. A experiência de viver aquele momento pela primeira vez, mesmo cansada, foi incrível, me deixou com o corpo mais leve e me fez sentir próxima daquela cultura, dos meus ancestrais, mesmo que já distantes e apagados de forma bruta na história, senti aquele povo vivo, resistindo e se reafirmando enquanto cultura verdadeiramente nativa aqui do Brasil.

Jantamos e arrumamos nossas coisas dentro da casa, depois da Reza e fomos dormir, dormi com uma leveza, como se aquela fosse também a minha casa, algumas horas ali e já tinha aprendido tanto. No dia seguinte, tomamos o café da manhã típico com “Tipá” pela primeira vez, no meu caso. Armamos a barraca por toda a aldeia e nesse momento que fiz amizades e comecei a sentir a vivência tomando conta da minha realidade, as crianças nos receberam tão bem, como se fossemos família, senti todos ali de perto, verdadeiros parentes.

A caminho da cachoeira, finalmente havia parado de chover e fazia sol, por sorte, a lama nos pés não nos deixava, dando uma clima de integração bem maior. Estava acostumada a fazer trilhas, mas não com esse contexto maravilhoso, que me fez enxergar a natureza de outra forma, passamos pela entrada dos outros núcleos, pela escola e finalmente vi como a aldeia é grande e rica. Chegando na cachoeira, uma calmaria, a água bem gelada, revigorante, outra forma profunda de se conectar com o local e abrir o coração para tantas experiências que estavam por vir. Auto-descobertas também rolaram, descobri que provavelmente tenho alergia à temperaturas muito baixas e senti meu corpo inteiro doer e inchar, voltei para o alojamento tomei banho e fiquei apreciando a natureza de lá mesmo. Até a hora da reza, quando indígenas ativistas e mais engajados na causa tiveram um espaço de fala muito importante, contando histórias sobre a luta e levando em conta o contexto político que nos encontramos, nos deixaram entusiasmados em ajudar nessa luta e voltar para a cidade dispostos a propor isso à todos a nossa volta.

No dia seguinte, já no sábado, o roteiro fora o mesmo, mas numa outra trilha, na reserva, só poderíamos entrar com os indígenas nos guiando, a trilha na mata fechada foi intensa e muito significativa para mim, passamos por tantas paisagens bonitas que reafirmaram minha paixão pelo ar puro e pelas tantas espécies de fauna e flora que temos, sem precisar ir muito longe. Voltando da cachoeira, a chuva nos pegou novamente de surpresa bem no meio do caminho, choveu muito e alagou minha barraca, mesmo com a lona, mas logo passou e naquela noite eu dormi na antiga casa de reza. Depois da chuva passar, realizamos a oficina das camisetas e foi a atividade que mais me aproximou das pessoas que ali moravam, me fez enxergar para além das minhas questões e ter compaixão e coração e mentes abertas para ouvir que eles tinham a dizer e se expressar na oficina, foi o ápice da viagem para mim.Depois da oficina tivemos a última e mais tocante Reza, participei da sua realização, o que me deixou extremamente emocionada e realizada por um certo tempo.

O último dia chegou e com ele a tristeza de estar indo embora daquele local maravilhoso, mas a felicidade em saber que posso voltar que eles estarão de corações abertos, assim como eu, que sinto que há muito o que construir e aprender com a cultura Guarani. Antes de partimos tive o imenso prazer de dançar e brincar com as crianças, fazia um bom tempo que eu não via tantos sorrisos juntos, aprendi muitas brincadeiras e músicas que vão ficar para sempre marcadas em mim, assim como toda a viagem.