Wikinativa/Caxinauá

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Os Caxinauás (auto denominados Huni Kuin), também chamados Caxinauas[1], são uma etnia indígena sul-americana pertencente à família linguística pano. Habitam as regiões de floresta tropical no leste peruano (do pé dos Andes até a fronteira com o Brasil), no estado do Acre e no sul do Amazonas, abarcando respectivamente a área do Alto Juruá e Purus e o Vale do Javari, sendo mais numerosos na região peruana que no Brasil.[2]

Autodenominam-se huni kui (homem verdadeiro). A palavra "caxinauá" significa, literalmente, "Povo do Morcego" e não é aceita pelos próprios indígenas.

Os caxinauás constituem a mais numerosa população indígena do Acre, com aproximadamente 7.535 (Funasa, 2010) [3] indivíduos (segundo o censo de 2003). Suas aldeias encontram-se Acre, mais precisamente nas áreas indígenas Alto Rio Purus, Igarapé do Caucho, Katukina/Kaxinawá, Kaxinawá da Colônia 27, Kaxinawá do Rio Humaitá, Kaxinawá do Rio Jordão, Kaxinawá Nova Olinda, Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu e Terra Indígena Praia do Carapanã, além do Peru.

Caxinauás
Aldeia Caxinauá
População total

7.535 (Funasa, 2010) (auto-identificados)

Regiões com população significativa
Estados: Acre e sul do Amazonas e no Peru
Línguas
Pertence à família linguística Pano e Aruk
Religiões
Xamanismo
Grupos étnicos relacionados
Iauanauás, Náuas

Localização[editar | editar código-fonte]

Coordenadas aproximadas -10.725381,-69.984627

Veja no mapa

Mapa Interativo[editar | editar código-fonte]

Veja a localização no Mapa Interativo:

-10.725381° ' S -69.984627° ' W

História[editar | editar código-fonte]

Os primeiros relatos de viajantes na área do Alto Juruá que falam dos Kaxinawá consideram os rios Muru, Humaitá e principalmente o Iboiçu, três afluentes do Envira (por sua vez afluente do Juruá), como o habitat “original” dos Kaxinawá, antes da chegada dos seringueiros. Destes rios eles ocuparam a margem direita, sendo a margem esquerda ocupada pelos Kulina (McCallum, 1989; Tocantins, 1979). Ao que parece, já no século XVIII os colonizadores organizaram excursões à procura de escravos nesta região. Mas deste primeiro contato não se tem nenhum registro. Até 1946, os Kaxinawá do Peru ficaram lá, na mata virgem, longe dos rios navegados pelos comerciantes. Eles preferiam a independência e o isolamento à dependência que implicava maior acesso às armas e utensílios de metal. Através dos Yaminawa eles conseguiram algumas coisas, mas parece que em meados dos anos 1940 eles decidiram que precisavam de mais e mandaram uma equipe de seis homens para o Rio Taraya para negociações diretas. Balta, a maior comunidade Kaxinawá no Peru, é uma criação do SIL (Sociedade Internacional de Lingüística). Com a chegada dos missionários foi construída uma pista de pouso para o transporte de bens de Pucallpa e instalado um rádio que mantinha contato com a base do SIL em Yarinacocha. No início dos anos 1970 Balta tinha atraído tanto Kaxinawá que seu número chegava a 800 indivíduos.[4]

Língua[editar | editar código-fonte]

O povo Kaxinawá fala a língua Kaxinawá, que provém do grupo linguístico Pano. Eles chamam sua língua de Hanja Kuin, que significa "palavras reais". Apenas 5% a 10% dos Kaxinawá do Peru falam espanhol e as taxas de alfabetização são baixas.

Cosmologia e Religiosidade[editar | editar código-fonte]

O Katxanawá, ritual da fertilidade, existe em várias versões e pode iniciar o “festival” do nixpupimá. Normalmente o katxanawá acontece várias vezes por ano. Visualmente o ritual é caracterizado pela dança dos yuxin da floresta (cobertos dos pés à cabeça com a palha da jarina e pintados, nas partes que aparecem por baixo da palha do urucum) ao redor do tronco oco da paxiúba (tau pustu, katxa). O tronco foi cortado, descascado e esvaziado dentro da mata, pelos homens da metade que ficou com o papel ritual de invasor. [5]

Mito fundador[editar | editar código-fonte]

O mito fundador Kaxinawá explica também a origem do uso de uni ou cipó de ayahuasca - com que se produz uma bebida alucinógena utilizada ritualisticamente. Segundo o mito, houve um homem, Yube, que, ao se apaixonar por uma mulher-anaconda, transformou-se em anaconda também e passou a viver com ela no mundo profundo das águas. Lá, Yube descobriu uma bebida alucinógena com poderes de cura e de acesso ao conhecimento. Um dia, sem avisar a esposa-anaconda, Yube decidiu voltar à terra dos homens e retomar a sua antiga forma humana. [6] [7] [8][9]

Xamanismo e etnomedicina[editar | editar código-fonte]

O xamanismo entre os caxinauás é uma atividade predominantemente masculina e de mulheres mais velhas. O poder xamânico (muka) vem do contato com o mundo sobrenatural que acontece nos rituais coletivos, através dos sonhos, do uso do rapé e da bebida nixi pae - ayahuasca, Lagrou (1996)[10]. Segundo essa autora, o xamã (mukaia) cura seu muka e obtém suas visões (yuxin) cheirando rapé (dume) ou através do nixi pae. Para Keifenheim[11], os xamãs, em sua prática etnomédica, utilizam, preferencialmente, a fumaça do tabaco (dume), capaz de embriagar os espíritos e, assim, liberar o espírito humano preso por aqueles, ao nixi pae. Recorrem a essa bebida para dialogar com os espíritos somente quando seus métodos não alcançam a cura almejada.

O poder espiritual (muka) do xamã pode matar e curar sem usar força física ou veneno. Os caxinauás distinguem dois tipos de remédio (dau): os remédios doces (dau bata) são folhas da mata, certas secreções e animais e os adornos corporais; os remédios amargos (dau muka) são os poderes invisíveis dos espíritos e do mukaya. A atividade de identificar, coletar remédios (huni dauya - homem com remédio doce, ervatário) nem sempre é realizada pelo huni mukaya (xamã), requerendo um processo de aprendizagem com outro especialista nesse saber.

Aspectos Culturais[editar | editar código-fonte]

Segundo Galvão[12], esse grupo indígena se inclui na área cultural Juruá – Purus, zona de floresta com predominância de terras baixas. Caracterizando-se por uma subdivisão em dois núcleos resultantes da existência de dois grupos linguísticos (Aruak e Pano) com a característica em comum de sobrevivência à frente pioneira nacional de atividades extrativistas de borracha e caucho desde 1860. Essa ocupação por nordestinos (cearenses e maranhenses) e, em menor escala, bolivianos e peruanos, levou à liquidação da maioria dos grupos indígenas ou a seu engajamento compulsório nos trabalhos de coleta.

Melatti[13] subdivide essa região em Juruá-Purus, onde predominam os grupos linguísticos aruaque, aruá, catuquina, e Juruá-Ucayali, sendo essa segunda área traçada de modo a abranger a maior parte dos índios da família linguística pano.

Suas atividades produtivas se organizam a partir da divisão sexual do trabalho, cabendo, ao homem, a guerra, a caça e a pesca. O domínio da maior parte das técnicas de pesca pertence ao homem. Utilizam anzol (mesmo antes do contato com civilização europeia) feito com ossos de animais. Pescam com vários tipos de timbó, sendo que as mulheres participam da colheita de algumas espécies (o puikama). Também praticam essa atividade em pequenos igarapés, reservando-se, ao homem, a pesca nos lagos, com espécies mais venenosas (Lagrou)[14].

Ainda segundo Lagrou, cabem, às mulheres, as atividades da coleta, colheita, preparação de alimentos e plantio. Plantam banana, mandioca, feijão, amendoim e algodão em roçados. Os homens participam da preparação do terreno, derrubada da floresta e da coleta caso preciso contar ou subir numa árvore, caso do açaí (pana), patoá (isa), sapota (itxibin), jaci (kuti), aricuri (xebum), bacaba (pedi isan) e palmito. Os homens também trazem frutas quando não têm sorte na caça. As mulheres também são responsáveis pela tecelagem (algodão), fabricação de cestos e cerâmica.

O conjunto de rituais que acontecem cada três ou quatro anos no xekitian, tempo do milho verde (dezembro e janeiro), é chamado de nixpupimá, “batismo” Kaxinawá. O nixpupimá é um rito de iniciação. A partir do momento em que “comemoram” pela primeira vez nixpu, os bakebu (crianças) tornam-se txipax e bedunan, meninas e meninos. Eles são diferenciados pelo sexo e aptos a serem iniciados nas tarefas e nos papéis específicos de seu sexo. [15]

Casamento[editar | editar código-fonte]

Ao menstruar pela primeira vez a jovem pode ser pedida em casamento pelos índios, os pais dão preferência a parentes jovens e solteiros da comunidade. Antes de aceitar o casamento, todos se comunicam e se todos aceitarem, o casamento é consentido. Ao se mudar para a casa do noivo, na manhã depois da primeira noite como casal, os dois são chamados para conversar com o líder, que dará conselhos e ensinará a ser um bom marido, ou uma boa mulher. O casamento só é considerado depois do nascimento do primeiro filho, antes disso é apenas uma fase de transição entre o namoro e o próprio casamento, sendo assim a infertilidade um motivo suficiente para se desfazer uma união.

Medicina tradicional[editar | editar código-fonte]

“Nós, do povo Huni Kuin, somos reconhecidos por sermos guardiões das sagradas medicinas da floresta amazônica. A medicina mais importante para o meu povo é o Nixipãe, conhecido mundialmente como Ayahuasca. Através dessa força da natureza e das cantorias sagradas que herdamos de nossos ancestrais, podemos viver nossa cultura e levar a cura da floresta para toda a humanidade. E nós queremos mostrar isso para o mundo. Somos o povo dos Pajés, e estamos criando em nossa terra uma escola de Pajelança. Esse filme fortalecerá o nosso estudo sobre os conhecimentos revelados. Esse filme é para nós um sonho que pode ajudar o nosso povo a fortalecer esses conhecimentos para as gerações futuras”.

Fabiano Txanabane Huni Kuin - Jovem liderança [16]

Ayahuasca[17] é uma bebida produzida a partir de duas plantas amazônicas: Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis.

Era utilizada pelos incas ou, melhor, pelo complexo histórico cultural assim denominado. Segundo Darcy Ribeiro[18], apesar das diferenciações linguísticas e das variantes culturais e nacionais, o bloco inteiro deve ser encarado como uma só macro-etnia: a neo-incaica. Numa avaliação que fez em 1960, publicada no livro "As Américas e a civilização", encontrou-se uma população de 15,5 milhões de habitantes, na área montanhosa de 3 000 km de extensão que vai do Norte do Chile ao Sul da Colômbia, cobrindo os atuais territórios da Bolívia, Peru e Equador. Destes, 7,5 milhões são considerados indígenas, 3 milhões, brancos por autodefinição e 5 milhões de mestiços.

A ayahuasca é utilizada tradicionalmente em países como Peru, Equador, Colômbia, Bolívia e Brasil e ainda por pelo menos 72 diferentes tribos indígenas da Amazônia.[19],[20]

Situação territorial[editar | editar código-fonte]

Realizei pesquisa de campo nas aldeias Cana Recreio, Moema e Nova Aliança, no rio Purus, próximo à fronteira com o Peru. Os Kaxinawa peruanos e brasileiros foram separados no começo do século XX, quando um grupo que havia sido concentrado num seringal no rio Envira se mudou para as cabeceiras do rio Purus, no Peru, após uma rebelião contra um seringalista (McCallum, 1989a: 57-58; Aquino, 1977; Montag, 1998). Os grupos oriundos do Peru ligaram-se por casamento aos Kaxinawa brasileiros, porém observa-se até os dias de hoje diferenças no estilo de vida entre os dois grupos.

Há grupos Kaxinawa que migraram do rio Envira, onde estavam engajados no trabalho da seringa, para o Purus. A maioria destes Kaxinawa do Envira se estabeleceram na aldeia de Fronteira e em vários núcleos (centros, colocações) próximos. Durante estas duas décadas o movimento migratório não cessou, outros Kaxinawa provenientes do Peru, do Envira e do Jordão foram se estabelecer em aldeias no Purus.

Na Terra Indígena do Alto Purus, os Kaxinawa também coabitam com seus vizinhos tradicionais, os Kulina, para os quais esta reserva foi originalmente criada. [21]As terras hoje encontram-se em sua maior parte homologadas.

Referências

  1. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 376.
  2. Lagrou, Elsje Maria Kaxinawá in/: Povos Indígenas no Brasil Instituto Socioambiental (ISA), 2010
  3. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaxinawa
  4. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaxinawa/395
  5. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaxinawa/399
  6. As visões da anaconda: a narrativa escrita indígena no Brasil. Por Lynn Mario T. Menezes de Souza. Revista Semear n°7
  7. O que nos diz a arte Kaxinawa sobre a relação entre identidade e alteridade? Por Elsje Maria Lagrou. Mana vol. 8 n°1 Rio de Janeiro abril de 2002 ISSN 0104-9313.
  8. Yube, o homem-sucuriju. Relato caxinauá. Por Eliane Camargo. Amerindia n° 24, 1999. CELIA - Centre d'Etudes des Langues Indigènes d'Amérique, CNRS, Paris.
  9. Narrativas e o modo de aprendê-las: a experiência entre os caxinauás. Por Eliane Camargo. In Cadernos de campo n° 10, 2002.
  10. Lagrou, Elsje Maria. Xamanismo e representação entre os kaxinawá. in: Langdon, E.Jean M. (org.) Xamanismo no Brasil, novas perspectivas. SC, Ed. UFSC, 1996
  11. Keifenheim, Barbara, Nixi pae como participação sensível no princípio de transformação da criação primordial entre os índios Kaxinawá no leste do Peru. in: Labate, Beatriz C.; Araújo, Wladimir S. O uso ritual da ayahuasca. SP, Mercado de letras; FAPESP, 2002
  12. Galvão, Eduardo, Índios do Brasil áreas culturais e áreas de subsistência. BA, UFBA – Centro Editorial e Didático, 1973
  13. Melatti Julio Cezar. Índios da América do Sul, áreas Etnográficas, 1997. in: Nicolai Renato Línguas Indígenas Brasileiras
  14. Lagrou, Elsje Maria Kaxinawá, o.c. Instituto Socioambiental (ISA), 2010
  15. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaxinawa/399
  16. http://projetonixipae.tumblr.com/post/28525635759/projeto-nixipae
  17. MOTTA, A. Acordo ortográfico: mudanças no alfabeto. 6 de janeiro de 2010. Disponível em http://conversadeportugues.com.br/2010/01/acordo-ortografico-mudancas-no-alfabeto/. Acesso em 3 de março de 2013.
  18. RIBEIRO, D. Estudos de antropologia da civilização: As Américas e a civilização, processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. Petrópolis, RJ, Vozes, 1977
  19. LUNA apud LABATE, Beatriz C. A literatura brasileira sobre as religiões ayhuasqueiras. in: . in LABATE BEATRIZ C.;ARAUJO, WLADIMIR S. (org.) O uso ritual da ayahuasca. Campinas, SP, Mercado de Letras – FAPESP, 2002
  20. AYAHUASCA.COM (What indigenous groups traditionally use Ayahuasca? ayahuasca.com)
  21. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaxinawa/394