Wikinativa/Felipe Cruz de Almeida(vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Introdução[editar | editar código-fonte]

Desde pequeno sempre tive uma forte conexão com a natureza e os seres que a habitam. A floresta e o povo indígena sempre me inspiraram fascínio, porém, até então não tinha tido contato direto com esse modo de vida. A disciplina “ACH3787 - Seminários de Políticas Públicas Setoriais VI”, ministrada pelo professor Jorge Machado, ofertada no segundo semestre de 2018, me trouxe a oportunidade de estudar e vivenciar um pouco do que é a cultura indígena Guarani e se transformou em uma das experiências mais enriquecedoras que já tive na vida. A disciplina propõe, além das vivências nas aldeias guarani do Jaraguá e do Rio Silveiras, um estudo e reflexão a respeito do modo de vida indígena brasileiro, sua relação com a cultura ocidental e a constante luta pela garantia de seus direitos. Recebemos convidados indígenas e um não indígena que trouxeram importantes contribuições no tocante a compreensão da dimensão da problemática envolvida na questão indígena. As aulas preparatórias que antecederam a viagem foram de primordial importância para que possamos observar e absorver com mais sensibilidade as experiências vividas nas aldeias.

Vivência Jaraguá[editar | editar código-fonte]

A primeira vivência aconteceu no mês de Agosto, nos dirigimos de ônibus, saindo do terminal Lapa até a aldeia guarani Tekoa Pyau, localizada às margens da rodovia Anhanguera em São Paulo. Fizemos um tour pela aldeia, a primeira impressão foi um pouco chocante, pois a estrutura física das moradias são precárias, distantes da estética indígena, construções de madeira não muito diferentes das favelas de São Paulo, sem saneamento básico e com tantos outros problemas estruturais. Durante o passeio pelos dois núcleos da aldeia, conhecemos a casa de reza, escola, cozinha comunitária. Percebi que, apesar dos problemas estruturais, o povo dali tinha um senso de vida em comunidade diferente, muito bem desenvolvido. Nos dirigimos a um núcleo mais afastado, ainda em construção, para participarmos do barreamento da mais nova casa de reza da aldeia. Eu tinha conhecimento do projeto de bioconstrução, mas não tinha a noção de que se tratava da construção do local mais sagrado para a comunidade e isso me sensibilizou. Após uma tarde divertida preparando barro e sobrepondo-o na estrutura de madeira, terminamos o serviço, comemos e, mais tarde, adentramos à nova casa de reza para a cerimônia. Ouvimos as lideranças e os demais que quiseram se manifestar, os relatos foram concentrados, em maioria, na importância da luta, da cultura e da união para o bem dos povos indígenas. Cantamos e dançamos, foi um momento de gratidão e conexão com a causa e com o meio. Consegui compreender um pouco da importância daquele local para a cultura guarani, pois é ali em que os indígenas expressam sua espiritualidade, se organizam politicamente, transmitem os conhecimento ancestrais e resistem em meio à metrópole. A experiência foi tão gratificante que eu e mais dois amigos resolvemos passar a noite na aldeia, sem nenhum preparo, e fomos muito bem acolhidos. A noite trouxe mais reflexões acerca da resistência do modo de vida Guarani no menor território indígena demarcado, na maior cidade do país e da quebra de paradigma pessoal que eu tive do imaginário indígena. Além disso, tive a oportunidade de conversar com alguns moradores e as crianças. Essa primeira vivência foi uma experiência única que me despertou ainda mais o interesse pela cultura guarani, voltei para casa com um forte sentimento de gratidão.

Vivência Rio Silveiras[editar | editar código-fonte]

A segunda vivência aconteceu em Outubro, partimos da EACH em direção a Bertioga, onde está localizada a aldeia do Rio Silveiras. A primeira impressão foi mais tranquila, visto que a comunidade do Rio Silveiras é maior e mais bem estruturada que a aldeia paulista. Chegamos pela noite acompanhados de forte chuva e, devido às condições, o pajé nos ofereceu abrigo na casa da reza para passar a noite e montar acampamento no dia seguinte. Participamos da primeira cerimônia na casa de reza, ouvimos as falas e as boas vindas de algumas lideranças e depois dormimos ali mesmo, alguns reclamaram da falta de conforto mas eu me senti acolhido e protegido. Me chamou a atenção o fato de terem cedido seu local mais sagrado para nossa acolhida, sendo que antes nem as crianças podiam entrar na casa de reza.

Preparamos algumas atividades a serem desenvolvidas ao longo da vivência, sendo elas: construção de uma horta, com plantio de mudas de ervas medicinais e árvores frutíferas; confecção de camisetas; construção de uma padaria; recreação; produção de conteúdo audiovisual e cinema; e entrevistas com os indígenas. Meu grupo era responsável pela horta e o plantio das mudas, porém, devido à chuva, não conseguimos realizar atividades. A ideia da nossa intervenção era um desejo antigo dos indígenas de voltar com o plantio de plantas medicinais, não foi feito durante a vivência mas o projeto ainda está em curso. No primeiro dia, após o café da manhã, caminhamos por uma trilha até uma cachoeira em um dos núcleos. Na volta para a aldeia comemos pão feito pelo forno recém instalado, foi uma tarde bastante agradável. Mais tarde participamos de mais uma reza e sessão de falas, dessa vez com um viés político forte, onde as lideranças discutiam sobre a necessidade da união, articulação e resistência entre as aldeias pois, com a eleição de um presidente assumidamente contra a causa indígena, o cenário político é ameaçador. Nesse momento percebi a dimensão da força de resistência que os guaranis tem em si, me senti ainda mais motivado a abraçar a causa indígena. O segundo dia amanheceu abençoado com o sol e saímos em caminhada até um dos núcleos mais afastados e depois fizemos uma bela trilha até o Rio Silveiras e a cachoeira. Na cachoeira tive a oportunidade de tomar banho em uma de suas quedas, foi um momento especial em que pude descarregar as energias densas e refletir com mais imersão sobre a vivência. Após o banho de rio e de cachoeira, tivemos uma conversa com o Cacique Adolfo que nos contou sobre a história da aldeia do Rio Silveiras e as ambições deles para o futuro. O último dia veio, mais uma vez, acompanhado de forte chuva, o que dificultou a realização das atividades planejadas.

Apesar de toda chuva, foram dias bastante agradáveis e transformadores, conseguimos cumprir a missão de aprender um pouco mais com a cultura guarani, a simbiose com a natureza, o sentimento de pertencimento e união, a pureza no coração, a resistência e a gratidão a nhanderu pela vida. Sou grato a todos pela oportunidade de passar esses dias, conhecer pessoas, aprender e desfrutar a simplicidade da vida e da natureza.