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Wikinativa/Gabriel Nogueira Vieira (vivencia Guarani 2019 - SMD - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Vou neste texto relatar a minha experiência na vivência de três dias (15, 16 e 17 de novembro) na Aldeia Rio Silveira, situada no município de Bertioga. Esta vivência faz parte do conteúdo pedagógico da matéria optativa Seminários de políticas públicas VII, ministrada pelo professor Jorge Machado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades, da Universidade de São Paulo (EACH/USP) e apoiada pelo projeto de extensão Aliança Universidade e Povos Indígenas (AUPI).

A Aldeia Rio Silveira teve a sua demarcação realizada no ano de 1982. A área demarcada equivale a 984,4 hectares. De acordo com dados da Funai, há, aproximadamente, 600 famílias morando em 5 núcleos neste território. A maioria das moradias observadas durante a visita tem suas paredes revestidas de madeira, com piso de barro e cobertura de palha. Há energia elétrica em toda a aldeia e nota-se, também, que boa parte dessas casas contém antenas de TV por assinatura.

A aldeia está localizada próximo à BR-101 e à zona urbana. Essa proximidade com a cidade e consequentemente com a sua lógica de funcionamento social, traz pressões de diferentes ordens aos povos originários dessa aldeia. Existe constantes ameaças de invasão do território por interesses econômicos diversos, onde o principal deles é o ramo imobiliário. Soma -se a isto a pressão cultural que influencia majoritariamente os jovens da aldeia, que pode deixar de praticar suas tradições para experimentarem o modo de vida urbano. Modo de vida esse, que pode acelerar o desenvolvimento de vulnerabilidades psíquicas, como quadros de ansiedade e depressão. Essa vivência teve como proposta observar as características e o funcionamento dessa aldeia e, também, participar ativamente do dia a dia dos moradores, desde os rituais religiosos até a plantação de árvores frutíferas nativas da mata atlântica num sistema agroflorestal.

Primeiro dia (15 de novembro)
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Para ajudar na estruturação e organização desta vivência, os alunos da turma se dividiram em cinco grupos para poder auxiliar nas diversas atividades. Um desses grupos, ficou responsável por montar o cardápio, comprar e preparar os alimentos. Cabe ressaltar que a alimentação saudável era o principal tema desta experiência. Não foi consumido nenhum alimento de origem animal durante todos os dias que ficamos na aldeia. Essa iniciativa suscitou algumas reflexões sobre a origem dos alimentos e nossos hábitos de consumo. Como por exemplo, a invasão de terras por parte dos grandes produtores de carne para poder fazer mais pastos e criar mais cabeças de gado, produzindo, assim, mais gases que impactam negativamente o efeito estufa. Fiquei no grupo responsável por pensar atividades de artes e músicas para os dias da vivência. Pensamos em atividades que pudessem ter a participação de todos, nós estudantes e moradores da aldeia. Inicialmente, nossas atividades estavam voltadas para um pública mais adulto, pois imaginamos que o grupo responsável pelas brincadeiras focassem suas atenções nas demandas das crianças, entretanto, quando passamos o filme e realizamos a oficina de mandala, as crianças se tornaram o principal público alvo dessas atividades. Os demais grupos ficaram responsáveis pela estrutura física e pelas produção de conteúdo audiovisual.

O ônibus e os demais carros responsáveis por nos levar até a aldeia saiu da EACH às 10 horas da manhã da sexta-feira, 15 de novembro. Como era feriado, pegamos muito trânsito e demoramos mais de 6 horas para chegar na aldeia. Durante a viagem foram distribuídos lanches veganos para os passageiros do ônibus. Esses lanches, preparados pela equipe de alimentação, deram o sustento necessário para suportar a viagem sem almoçar. Chegamos na aldeia após às 16 horas, da sexta-feira. Descarregamos nossas bolsas, barracas e alimentos. Aproveitamos os últimos raios de sol para montarmos nossas barracas. Como tinha chovido bastante no dia anterior, o terreno estava bastante encharcado. Tivemos o cuidado de nos instalarmos nos lugares mais secos, com medo de que houvesse mais chuvas, mas não choveu nenhum dos dias que estivemos lá. Depois que estávamos devidamente instalados, a equipe de alimentação começou a preparação da janta. A montagem de toda a estrutura necessária, como tendas e telão para exibição dos filmes, que a equipe de artes e música preparou, foi realizada pela equipe responsável.

Em seguida à exibição dos filmes, fomos para a casa de reza participar dos rituais sagrados. Me acomodei no banco de madeira junto à um dos moradores. Quando se iniciou os cantos e as danças fui convidado por esse senhor a participar da roda de dança. Fiquei um pouco tímido no começo, mas fui encorajados por meus colegas de turma que participaram junto comigo dessa experiência de cantos e danças que resistiram à colonização e permanecem vivos até hoje na cultura Tupi-Guarani. Ao final da reza, esse mesmo senhor se dirigiu à frente e se apresentou, ele era um dos caciques da aldeia. Ele falou sobre a importância da parceria que foi construída entre a EACH e aldeia, além de destacar o papel da cultura e da relação dessa aldeia com os demais povos originários do Brasil e da América Latina na resistência e na luta por seus direitos. Depois que saímos da casa de reza, fomos jantar e em seguida nos preparamos para dormir.

Segundo dia (16 de novembro)
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Fomos despertados por gritos pedindo para nos prepararmos para tomarmos o café da manhã e para nos organizarmos para fazer a trilha até a cachoeira. O café da manhã estava extremamente delicioso e farto, com muitos pães de forma, frutas, pasta de amendoim, café, chá etc. Para levarmos na trilha, foi servido um mix de castanhas para dar a energia necessária para a longa caminhada de ida e volta da cachoeira. Paramos no meio da cominho para visitarmos a escola e enchermos nossas garrafas de água. Em seguida, paramos mais a frente um outro núcleo da aldeia. Nesse núcleo falamos com o cacique líder de toda a aldeia. Ele fez uma fala destacando o papel central dos povos originários na preservação do meio ambiente, além de pedir o apoio de todos na defesa de seus direitos. Em seguida falou e explicou o sistema agroflorestal. Sistema sustentável que combina o plantio de plantas que servirão de alimento para o consumo humano e a floresta nativa.

Saímos desse núcleo e plantamos dez mudas de plantas frutíferas nativas da mata atlântica, no terreno preparado por ele para o manejo do sistema agroflorestal. Continuamos a caminhada e fizemos um desvio na trilha para realizarmos uma parada no local onde viveram os primeiros moradores dessa aldeia. Ao chegarmos lá, só conseguimos identificar que já fora um local habitado porque o professor falou e pediu para olharmos com mais atenção o chão. Foi aí que percebemos alguns vestígios que indicavam que aquele já foi um local de intensa atividade humana. Podemos dizer que o local foi quase totalmente absorvido pela natureza. Estávamos diante de um evidente exemplo de sustentabilidade. Aproveitamos a ocasião e plantamos aproximadamente 60 mudas de árvores frutíferas nesse lugar.

Voltamos para a trilha e finalmente chegamos à cachoeira. A água estava gelada, mas isso não tirou o ânimo de todos para tomar um belo banho em água corrente, limpa e transparente. Todos se divertiram muito. Para mim, foi uma terapia. Sentir aquele ar fresco e despoluído, escutar o barulho da correnteza da água, ouvir os cantos dos pássaros e acima de tudo perceber o sorriso no rosto de meus colegas foi muito gratificante. Dava para perceber que todos ali presente estavam necessitando disso.

Voltamos para o núcleo da aldeia que estávamos hospedados para almoçarmos. Aqui cabe destacar que não consigo dizer quanto tempo ficamos na cachoeira e nem que horas fomos almoçar. O relógio não ditava o que deveríamos fazer, muito pelo contrário, ignoramos totalmente essa lógica de divisão do tempo, apenas curtimos ao máximo o momento de cada atividade realizada. Quando na cachoeira, não ficávamos pensando no próximo passo, apenas nos permitimos curtir o momento. Isso, em relação a nossa dinâmica urbana, é um ato revolucionário e de cura.

Após o almoço, realizamos a oficina de mandalas, que contou com massiva participação das crianças da aldeia. Em paralelo, estava acontecendo várias brincadeiras, também com as crianças. Elas gostaram bastantes, estavam envolvidas em tudo. Após essas atividades, fomos novamente para a casa de reza, que contou com o oferecimento do pajé de um ritual de cura para todos que se interessassem. Esse ritual exigiu grandes esforços físicos do pajé, que não conseguiu fazer com todos, pois precisou se repousar para poder recuperar as energias. Depois do ritual, fizemos uma roda de música em volta de uma fogueira. Essa roda de música aconteceu enquanto todos jantavam. Foi um momento de muita proximidade e afeto entre as pessoas. Parecia que todos estavam na mesma sintonia. Eu toquei um dos instrumentos mesmo sem nenhum talento para a música. Mas o que importava ali não era se eu era um exímio músico, mas a conexão com a alegria de todos. Os instrumentos eram meros apetrechos para poder expressar e compartilhar toda a nosso felicidade com os colegas e moradores presente naquele momento. Após o término da roda, fomos nos preparar para dormir.

Terceiro dia (17 de novembro)
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Acordamos no domingo um pouco triste por ser o último dia, mas animados para ir para a praia. Tomamos outro belo café da manhã, com bolos e muitas frutas, e fomos de ônibus até o oceano. Conversei muito com os colegas, corri na areia e tomei um banho de mar. Voltamos para a aldeia depois de um tempo e arrumamos as bolsas e barracas para voltarmos para as nossas casas com o coração em paz, a mente cheia de pensamentos bons e questionadores e o corpo exalando saúde.

Considerações finais
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Ainda não falei, mas eu sou baiano, filho de uma comunidade tradicional de fundo de pasto. Viver essa experiência me ajudou ainda mais a aprofundar algumas questões, como a luta pela demarcação de terras, a sustentabilidade e a gestão dos recursos comuns. Questões fundamentais de políticas públicas. Eu como um futuro profissional desta área, não poderei jamais fechar os olhos para essas questões e fingir que elas não existem ou que se “resolvem” sozinhas. E acima de tudo, devo olhar e compreender o que os povos originários tem muito a nos ensinar. Estou convencido que as mudanças que almejamos para a nossa sociedade passa por respeitar, disseminar e incorporar os conhecimentos desses povos nos nossos princípios norteadores das decisão política que tomamos enquanto cidadãos.