Wikinativa/Gabriela Maria Melo carvalho (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Vivência Guarani

A vivência começou com um clima de chuva e ,apesar disso, todo mundo estava de coração aberto e de cabeça baixa para aprender sobre a cultura guarani. Ao chegarmos fomos muito bem recepcionados, com carinho e amparo, ao ponto do pajé permitir que nos alojamos na casa de reza na primeira noite por causa da dificuldade que teríamos em montar a barraca na chuva. Porém, montamos a barraca no dia seguinte e aproveitamos um belo dia na cachoeira.

A experiência na casa de reza, durante todos os dias da vivência, foi algo bem diferente, tive a oportunidade de ter contato com algo parecido no pico do jaraguá, mas ver eles repetindo os mesmos cantos e a mesma reza todos os dias trás curiosidade de aprender e entender melhor sobre o conhecimento que está por trás do canto e a relação íntima deles com a reza e a dança. Não compreendi muito bem algumas partes da experiência na casa de rezo, pois em sua maior parte a comunicação se dava em guarani, mas a energia do local é linda e ver a relação deles com o cachimbo, instrumentos, cantos, danças e defumações foi gratificante.

No dia em que as lideranças foram falar sobre o momento político atual foi onde eu pude sentir um pouco da força e determinação desses povos pela luta e preservação da natureza. Apesar dos relatos sobre a repressão e ataques que eles recebem constantemente e do medo e ressentimento que o contexto político atual traz, ficou muito nítido que a força e resistência deles é maior que o medo e o ódio. È incrível como eles se apoiam e tiram forças de suas fé, crenças e ancestralidade. O que me impressionou muito é a sabedoria e humildade na fala do pajé, quando ele disse que não devemos odiar parentes e colegas que apoiam o Bolsonaro, e não podemos julgar eles por isso. Isso me tocou muito porque eu não estou sabendo lidar com pessoas em minha volta que apoiam esse discurso de ódio e ouvir esse apelo de paz deles foi impactante, pois é os parentes deles que tem suas vozes caladas, são seus filhos, familiares e lideranças guaranis e outras etnias que têm seus sangues derramados pela demarcação de terra diante do conflito de interesse que rege as florestas. Fiquei realmente muito impressionada com a sabedoria e espiritualidade forte ao falarem para não entrarmos na energia e não julgarmos essas pessoas, que indiretamente, estão atingindo eles de maneira inevitável. Esse episódio foi o que com certeza mais me marcou nessa vivência.

A fala do Cacique na volta da segunda cachoeira também foi muito especial, ao retratar fatos políticos, culturais e religiosos como a resistência em prol da cultura guarani, que ocorre também entre os próprios indígenas, devido a imposição da cultura por parte de muitos juruás. Com isso, pode-se usar um exemplo citado pelo próprio cacique e que presenciamos no sábado dentro da aldeia: Ele descreveu situações em que membros de igreja evangélica oferecem doações de alimentos, roupas e brinquedos e até mesmo uma quantia de dinheiro ao Cacique em troca do aval para construir igrejas dentro da aldeia, que de acordo com ele, é uma atitude de desrespeito com sua cultura, uma vez que frequentemente insultam seus costumes dizendo ser “coisa do diabo”.

Como já citado, tivemos o desprazer de presenciar algo parecido, o que apesar de eu me sentir desconfortável com a situação, foi interessante observar de perto como essa tentativa de aculturação acontece. Nesse dia, os motoqueiros da igreja evangélica forma na aldeia, no núcleo que estávamos alocados. Como retratado pelo Cacique, eles chegaram com doações, mas logo em seguida saíram distribuindo bíblias, sem nenhum aparente respeito com a cultura tradicional dos guaranis. Além disso, o modo como eles abordavam os indígenas para tirar fotos e saíam andando para um próximo morador da aldeia era como se estivessem tirando fotos de objetos de uma exposição. E, como se já não bastasse, ainda cantaram a música “entra na minha casa, entra na minha vida” para os indígenas. Isso me fez refletir muito de como a cultura deles é atacada não só fisicamente, mas moralmente e religiosamente sobre diversas perspectivas.

Outra percepção que tive foi como os adultos são mais retraídos em comparação com as crianças. Durante grande parte do momento, as crianças interagiram e brincavam conosco. È gostoso observar a liberdade que as crianças têm longe de riscos que as crianças da cidade estão expostas, o que faz com que a liberdade em áreas urbanizadas seja limitada.

Concluindo, a vivência foi, com certeza, uma parte da minha vida acadêmica que estará sempre registrado em minha mente e em meu coração. Sou grata por todas as experiências e aprendizado desde a aldeia até as cachoeiras e trilhas. De fato, me senti privilegiada por ter a oportunidade de estar em contato com a natureza e com os locais sagrados para os guaranis.