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Wikinativa/Gabriella Kojol Paiva (vivencia Guarani 2019 - SMD - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Introdução:

A preparação da viagem já começa na organização das atividades, onde a sala foi dividida em temas de interesse para aplicação delas na aldeia, neste começo há uma mistura de ansiedade e expectativa diante do que iremos encontrar quando chegarmos.

A ida para a aldeia estava programada para sexta feira (15/11) por volta de saída às 9h da manhã, mas houve um atraso e saímos às 10h, porém por conta do trânsito do feriado prolongado chegamos na aldeia Rio das Silveiras aproximadamente às 16h. Ao chegar no local foi possível notar as construções e as disposições dos lugares, antiga e atual casa de reza, a cozinha e o lugar onde eles vendem os artesanatos.

Quando descemos, fomos logo tirando as as malas e comidas do ônibus e levando com cuidado para dentro da aldeia, pois tinha chovido na noite anterior e a grama estava com bastante lama, fomos nos acomodar no espaço para montar nossas barracas e o grupo da alimentação foi se programar para a fazer a comida. No momento em que as pessoas terminaram de montar a barraca, nos foi dito que a cerimônia da casa de reza iria começar, e assim entramos, a sensação foi única, a energia do lugar em si já era encantadora, mas entrar num espaço tão sagrados, foi um sentimento ímpar.

A casa de reza, era bem grande, onde no fundo ficava uns nativos em volto de uma fogueira e mais à frente tinha dois altares para figuras importantes para eles e um outro com alguns colares sagrados, de um lado ficavam sentados as mulheres e do outro os homens, assim o Pajé Mariano, começou o rito onde ele disse coisas em tupi guarani, e assim as crianças e os adultos se aproximaram. Os homens ficavam na frente dançando com um chocalho e as mulheres um pouco mais no fundo, com um instrumento de bambu batendo no chão, e assim elas começaram o cantar num tom mais agudo, foi arrepiante o poder da voz delas, e com essa sensação, senti de levantar e dançar com elas, fui até a frente e peguei o instrumento e comecei a tocar no chão, todas de mãos dadas e na mesma sincronia, o impacto que causa naquele momento, é algo profundamente tocante e emocionante e faz com que a gente se sinta mais leve e ao mesmo tempo forte, juntamente fazendo parte integradora de tudo. É uma sensação de completude..

Logo após o ritual, o pajé começou a conversar com a gente, nos deu as boas vindas e foi falando sobre a aldeia e como é a relação deles com a política, como funciona a dinâmica deles com os mais jovens, mostrando sua preocupação com a geração mais nova e abriu para perguntas que tivéssemos dúvida em esclarecer. Após esse diálogo super enriquecedor e agregador, fomos jantar e encerramos o dia indo dormir. No sábado, acordamos por volta das 8h para tomarmos café da manhã, com uma banquete super preparado pela equipe da alimentação, e tinha “tipá”, um pão frito típico, muito gostoso, com uma pastas de amendoim e diversas outras coisas muito gostosas. Assim seguimos com nossa programação com a ida à cachoeira, para chegar lá, era necessário passar por uma trilha de cerca de uma hora e no caminho a gente passava por um outro núcleo da aldeia, do pajé Adolfo.

Quando chegamos foi muito gratificante a troca que tivemos, pois ele relatou as experiências da aldeia com os convidados externos, que não é semelhante do primeiro núcleo, onde estávamos acampados, também relatou suas experiências no exterior levando a sua cultura em outro países, também contou de como era a relação do povos originários na época da ditadura. Depois da conversa, foi dado para cada um de nós uma muda com uma semente de árvores que estavam com risco de extinção e para plantarmos e assim seguimos à dentro da trilha.

No caminho estava bastante lamacento, pois tinha chovido na noite anterior, mas isso não desmotivou a caminhada, principalmente pela vegetação que estava ao redor, era extremamente gratificante caminhar e poder olhar as paisagens que estavam ali. Pude notar uma placa durante a trilha, que dizia o lugar era sagrado para os povos originários que quem estivesse por ali, mantivesse limpo. Foi bastante tocante ler essa placa e sentir essa conexão e importância da natureza da vida deles. Chegamos ao local indicado e lá eles relataram que ali era onde ficava a aldeia nos anos 40, antes de saírem de lá irem para o local onde estão agora, eles contaram um pouco de como era a comunidade naquele espaço e logo depois fomos plantas as mudas que ganhamos, como um ato simbólico, foi uma sensação muito especial, principalmente por tocar na terra, em conexão com ela e ainda plantar algo frutífero num lugar tão especial.

Assim seguimos a trilha e andamos um pouco mais e chegamos à cachoeira. Espetacular, é a primeira palavra que me veio à mente, uma cenário lindo, repleto de natureza viva e respirando sem interferência humana, dava pra sentir que o lugar era repleto de uma fauna e flora que vivia em harmonia com os povos originários. Entramos na cachoeira para aproveitar aquela água transparente e limpa para relaxar, com a gente vieram algumas crianças da aldeia, que estavam muito integradas com a gente, uma delas levou um ukulele e ficou tocando enquanto a gente assistia ao redor. As crianças são muito carinhosas, elas gravam muito rápido os nomes, são muito curiosas, gostam de ouvir histórias e ficaram muito animadas com a nossa presença, que ficavam brincando conosco, pescavam os camarões de água doce para mostrar para todos e também comiam as frutas conosco.

Depois dessa tarde maravilhosa com a natureza na cachoeira seguimos de volta para a aldeia, ao chegamos resolvemos fazer uma das programações que o grupo de brincadeiras tinha pensado, que seria a roda de apresentação, que foi super divertido, pois tínhamos que falar nosso nome e fazer um movimento que nos representasse, foi uma atividade tão gostosa que até mesmo adultos e crianças que estavam visitando a aldeia, participaram também. Logo depois da apresentação, pegamos os bambolês, que a princípio tinham a ideia de fazer uma brincadeira, só que as coisas são muito orgânicas e as crianças quando viram, começaram a brincar se divertindo demais com eles. Seguido dos bambolês, as crianças sugeriram algumas brincadeiras e começamos a brincar de morto vivo, pega a pega.

Assim como toda noite às 19h começava a casa de reza, e fomos para o rito daquela noite. Quando entramos o pajé avisou que aquela cerimônia seria diferente, ali aconteceria algo especial, um ritual de cura. Mariano disse que quem sentisse de tomar um chá de medicinas sagradas da floresta, eles estariam servindo, resolvi ir tomar. E depois ele disse que faria uma defumação de limpeza, quem também sentisse, era só ir até na frente, também resolvi ir. Depois dos ritos daquela noite na casa de reza, senti uma sensação de gratidão muito grande por poder estar vivenciando tudo aquilo.

Após isso fomos jantar e assim dormimos. O último, no domingo, já ia dando um nó na garganta, pois sabíamos que seria o último momento naquele lugar especial, assim acordamos às 8h, tomamos um café tão especial quanto no dia anterior e seguimos para a praia, ficamos um tempo apreciando a beleza do mar, quando o disseram que tínhamos que voltar, antes de ir embora, fui dar um mergulho e aproveitar aquele momento único com a natureza.

Quando voltamos da praia, ficamos brincando um pouco com as crianças de cavalinho e de aviãozinho, logo após fomos dar a oficina de bilboquê e de flores de garrafa pet para as crianças, foi um momento muito especial, pois já tínhamos criado um laço muito afetivo com as crianças e ali a conexão com elas pode ser mais integrada. Depois da oficina, eles tinham preparado uma apresentação de uma dança típica. Começou com só os meninos mais novinhos dançando e depois com os mais velhos e assim seguiu com uma só de meninas, depois pudemos participar o que foi incrível, pois fazer parte daquela energia, da dança é algo difícil de verbalizar, pois é um misto de emoções muito boas e gratificantes.

Com o fim das danças, fomos comer e como fiquei muito próxima das crianças, chamei elas para todas comerem juntas, já que isso tinha sido algo que aprendi muito lá, a relação da fraternidade e coletividade que eles têm entre si, é realmente muito transformar passar essa imersão com quem sabe tanto e a forma como você volta é emocionante, também conversamos bastante e elas contaram como era o final de ano delas, contaram qual era a comida favorita delas e como elas gostam de ver a aldeia reunida no final do ano, contei algumas histórias para elas e aquele momento, eu sentada e várias crianças ao meu redor, foi muito marcante, não somente pelo contato afetuoso, mas também pela conexão foi criada ali. Bem na hora da ida, uma das crianças veio até minha barraca me dar um presente, foi algo tão inesperado que fiquei profundamente emocionada.

Conclusão:

Quando conversava com amigos que tinham passado pela experiência, eu ouvia coisas lindas relatadas, mas nunca tive a dimensão de como essa experiência toca cada pessoa. Hoje eu tenho, e a sensação que posso sentir, é que não somente a semente que plantamos lá está sendo germinada, mas sim a semente do amor, do respeito, da fraternidade, da coletividade que pude aprender com os povos originários nessa experiência imersiva tão especial que foi essa visita.