Wikinativa/Gabriella Kojol Paiva (vivencia Guarani 2022 - SMD - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Gabriella Kojol Paiva 10858060

A prática (re)imersiva do Bem Viver

A disciplina de Seminários de Políticas Públicas Setoriais II, realizada pelo professor Jorge Machado, tem como premissa a discussão e o debate sobre direitos, políticas e a cultura através de uma imersão cultural dos povos originários, essa experiência ocorre dentro da reserva Rio das Silveiras, localizada entre os munícipios de São Sebastião e Bertioga, sendo uma aldeia da etnia tupi-guarani.

Em 2019, tive a oportunidade de vivenciar essa experiência imersiva dentro da disciplina, naquela época existia outro contexto no qual me marcou muito e que me fez querer vivenciar isso novamente. Eu sabia que poderia ter uma nova oportunidade de impacto, aprendizado, crescimento e expansão. Poder voltar depois de alguns anos após a pandemia e no final do da minha graduação, foi muito importante e especial para esse momento tão significativo e simbólico, pois como futura gestora pública, entendo que essa imersão é grande valia para meu processo de formativo pessoal e profissional, acredito que as políticas que evolvem os povos originários devem tornar centrais nos debates das agendas governamentais políticas.

Na última vez que estive na aldeia, tinha tido uma grande conexão com as crianças e senti muito forte de voltar para levar alguns brinquedos que elas gostaram muito, como os bambolês, com isso algumas amigas que realizamos a disciplina resolvemos comprar os brinquedos e voltar, mas por conta da pandemia, esses planos precisaram ser adiados e sabia que em algum momento iriamos retornar. Esse momento foi agora em 2022 podendo voltar a ter a experiência, mas em outro contexto, essa nova vivência me trouxe diversas reflexões não só por perceber dinâmicas diferentes no espaço, mas também como me perceber como um sujeito observador diferente de quando tive minha primeira experiência.

Os preparativos para a viagem foram ocorrendo de forma muito orgânica, tanto a organização entre os grupos, como a minha própria. A ida à aldeia foi organizada para sexta-feira (4/11) no período da tarde em torno das 15h, em que fomos para a EACH para pegar o ônibus. O trajeto foi tranquilo e chegamos à noite, umas 19h no local, ao chegarmos notei que o espaço com as vegetações e as casas ao entorno continuavam muito semelhantes a alguns anos atrás, também pude notar que a recepção estava diferente e apenas um dos novos monitores, o Joca/Josias, vieram nos receber, mostrando onde seria um lugar interessante para armamos nossas barracas, o dia anterior parecia ter chovido pois estava um clima mais gélido.

Após realizarmos isso, fomos para a casa de reza em que íamos ter uma recepção por parte da liderança local. Ao entrar de casa de reza, notei que o espaço tinha a mesma lembrança da qual guardei quando visitei a primeira vez, um local espaçoso com uma estrutura bem fixada, e, em sua parte da frente, ficava o altar com algumas imagens e instrumentos musicais e religiosos, como o cachimbo e entre outros. A disposição do espaço continuava a mesma, mulheres e homens em lados distintos, porém dessa vez havia uma diferença. O Pajé há alguns dias atrás tinha se machucado jogando bola e não iria conseguir nos receber, pois devia ficar de repouso, e assim fomos recebidos por sua filha. Nesse momento, ela explicou de forma muito clara como funcionavam as coisas dentro da aldeia, e como era sua cultura, tanto de forma prática, quanto de de forma que explicasse como funcionava os rituais religiosos. Esse processo foi muito importante, pois ver uma figura feminina em uma posição tão importante, foi muito marcante para mim, além de ouvir seus ensinamentos sobre o olhar de quem vivencia aquela cultura. Depois dessa troca, foi aberto para perguntas onde todos puderam sanar dúvidas e entender melhor algumas dinâmicas. Logo após essa troca, fomos informando que a janta estava pronta e assim saímos da casa de reza para comer e logo após se aprontar para dormir, nesse dia o céu estava extremamente estrelado, fazia muito tempo que quando olhava para o céu e não via uma imagem tão limpa e cheia de brilhos, já havia uma esperança que o dia que estava por vir seria quente.

No sábado de manhã, acordamos com um grande calor dentro da barraca, notamos que estava fazendo bastante sol naquela manhã, ao sairmos da barraca e poder olhar aquele ambiente à luz do sol radiante que estava aquele dia, foi muito impressionante, pude notar que o lugar no qual tinha montado minha barraca na outra vez que fui, tinha sido construído outras barracas e parecia que local tinha se expandido mais a fundo com outras moradias. Logo após acordar, fomos tomar café da manhã, parte da refeição que o grupo da alimentação estava realizando, e já pude reviver a memória de comer novamente o “tipá”, um pão que é frito e é típico da cultura, com isso e seguimos para a trilha em direção à cachoeira, onde estávamos alocado era o núcleo da porteira e para ter acesso à cachoeira, devíamos passar por outros núcleos, estava na programação que iríamos para a cachoeira que ficava dentro da reserva e para isso seria necessário irmos por uma trilha com mata adentro. Durante o trajeto, pude conversar bastante com o Josias, um monitor que acompanhou e nos ajudou durante todo o percurso, foi uma troca muito interessante pois ele contou suas experiências antes de ir para aldeia, pois ele não tinha nascido ali, me contou de algumas viagens que já tinha realizado pelo Brasil e como foi seu processo de aprendizado com a língua portuguesa.

A trilha durou cerca de 1h30 e esse foi um momentos mais importantes durante a vivência, pois pudemos ali ter muitas trocas tanto entre os alunos, quanto com a natureza, naquele momento pude perceber a importância o Bem Viver, pois isso estava intrínseco ao espaço e as pessoas estavam presentes naquela harmonia. Poder observar a natureza e se conectar ao espaço, é uma força muito potente. Ao chegarmos na cachoeira, alguns se animaram em entrar na água e outros pela água estar muito gelada ficaram na margem dele. Ficamos nos banhando durante um bom tempo, e após um tempo de contemplação daquela paisagem, foi nos informado que deveríamos voltar, e com isso voltamos na trilha. No retorno pude conversar com outros alunos que estavam indo na vivência, pois dessa vez o professor convidou os alunos e um docente do curso de odontologia para agregarem na experiência conosco, e que fosse realizado algum trabalho social com a comunidade. Foi muito interessante a troca que tive, pois todos estavam vivenciando a mesma experiência, mas cada um com uma leitura diferente, pois a subjetividade de cada um lê a situação de forma muito particular.

Ao chegarmos na aldeia, tivemos um momento muito integrativo a de grande conexão com as crianças, elas já estavam muito abertas desde de manhã conosco, porém foi no retorno à aldeia onde interagimos mais e foi um momento no qual o grupo de recreação no qual fiz parte, realizou muitas brincadeiras com as crianças, foi muito divertido, pois todos foram muito entregues à experiência. Após isso, nos preparamos para a casa de reza, sabíamos que nesse dia teríamos uma cerimônia muito especial, que seria conduzida pela Pará, pois o pajé estava ausente. Foi uma experiência muito forte, de extrema importância e conexão, pois não é sempre que uma liderança feminina conduz um ritual tão importante como aquele para os guaranis, me senti muito grata por estar participando daquele momento. A cerimônia contou com bastante som de instrumentos e com alguns nativos locais participando, a cantoria da Pará foi profundamente tocante e isso trouxe uma energia muito especial na casa de reza.

Após essa experiência profunda e intensa, fomos jantar e ir nos arrumar para dormir, durante nesse processo sentamos em meio a fogueira com alguns nativos, que estavam fazendo palmito no fogo, começamos a perguntar quanto tempo o legume devia ficar ali e eles responderam de forma muito espontânea “o tempo que olharmos e vermos que está pronto”, essa resposta estava coberta de aprendizados e reflexões de que forma nós juruás (homens brancos) nos relacionamos com o tempo e espaço que vivemos, isso me tocou bastante pois a forma como associamos o tempo com as questões capitalistas e como aplicamos em nossas vidas é grande reflexão.

No dia seguinte, estava um tempo harmonioso e fomos para praia, passamos a tarde toda lá, nesse momento foi muito interessante pois pudemos interagir entre os participantes da vivência de forma muito integrada e colaborativa. Assim, voltamos para aldeia para arrumar as coisas para voltar para São Paulo, antes de ir almoçamos e seguimos em direção ao retorno.

A prática da experiência imersiva social é de grande valia no espectro subjetivo de cada ser que passa por aquela vivência, a dimensão disso é sentida de forma gradativa de como isso impacta a vida de cada um que passa por isso, pois a profundidade em poder a cultura de outros povos, é muito aprendizado e presença sob um olhar atento e curioso sobre o que se pode aprender com aquela situação. A minha experiência dessa vez foi completamente diferente da de 2019, os nativos estavam menos interativos com a nossa presença, mas por um lado, a forma de integração do grupo de alunos entre si, foi muito mais profunda e colaborativa. Acredito que o Bem Viver, se apresentou em diversas formas durante os dias, em que a busca por respeito, harmonia e coletividade estavam muito presentes entre todos.