Wikinativa/História Guarani (vivencia Guarani 2018)

Fonte: Wikiversidade

Registro de Contos e Histórias Guarani[editar | editar código-fonte]

Vivência nas Aldeias Rio Silveiras e Jaraguá[editar | editar código-fonte]

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Introdução[editar | editar código-fonte]

Os registros que serão apresentados nesse trabalho surgiram a partir da observação participante de alunos e alunas da Universidade de São Paulo durante duas vivências: uma de quatro dias na Aldeia Indígena Rio Silveiras, localizada no município Bertioga (SP), onde se vivem 2.892 (IBGE, 2010) indígenas da etnia Guarani, em 984,4 hectares (FUNAI) de terra regularizadas. E outra de um dia na Aldeia do Jaraguá, localizada no município de Osasco (SP), onde vivem cerca de 250 famílias Guaranis, num território demarcado de 1,7 hectares (FUNAI). Durante as vivências, pudemos acompanhar a trajetória de resistência e luta das populações Indígenas e estivemos, privilegiadamente, participando de conversas estratégicas a respeito das lutas atuais dos Guaranis residentes no estado de São Paulo. Aqui serão apresentados alguns dos contos tradicionais, histórias de lutas recentes, e relatos de articulações políticas atuais dos Guaranis que pudemos presenciar. Além disso, quando coube, fez-se levantamento bibliográfico e pesquisa de relatos de lideranças guaranis, como forma de aprofundamento nas discussões que serão apresentadas.

No capítulo I, “Conto Guarani”, está a transcrição da história do surgimento do universo contada por um morador da Aldeia Rio Silveiras. No Capítulo II, “História de Resistência na Aldeia Rio Silveiras”, está exposto o contexto observado e relatado, por indígenas da Aldeia, de como ocorreu a formação da comunidade no formato que está hoje, quais, como e por que mudanças ocorreram nas últimas décadas no modo de vida da comunidade, assim como são apresentadas as principais dificuldades enfrentadas pela Aldeia atualmente. No capítulo III, “Histórias de Resistência Guarani”, narraremos duas histórias de episódios recentes que marcaram a resistência do povo Guarani. A primeira se trata da mobilização de povos indígenas de todo Brasil contra a PEC 215, no ano de 2015 em Brasília, e a segunda da reivindicação dos Guarani da Aldeia do Jaraguá, com apoio de indígenas de diversas etnias, contra a tentativa de revogação do processo de demarcação do território do Pico do Jaraguá, que estava em andamento até 2017. No último capítulo, “Contexto Político”, daremos um breve sentimento da articulação e clima político atual que encontramos ao ouvir esse relatos e participar dessa vivência.

Por conta do cunho político dos registros, fomos alertados das frequentes perseguições e ameaças que recebem lideranças de diversas Aldeias por conta da luta e resistência indígena. Assim, por motivo de segurança, serão omitidos, durante todo o presente trabalho, os nomes, cargo de liderança e Aldeia das pessoas que contaram e estão envolvidas nas histórias, e, também, mais detalhes sobre as vivências, como data e núcleos que os participantes foram recebidos. Essa decisão foi tomada com muito pesar, e reafirma a situação de precariedade da democracia brasileira e a insegurança cultural, política, social e econômica que os povos indígenas enfrentam por todo Brasil.

I - Contos Guarani[editar | editar código-fonte]

Muito antes de existir a Terra como a conhecemos existia apenas um grãozinho no universo, esse grão se transformou numa bola e dentro dela só tinha água, não havia vida, ser humano e nem peixe, somente água.

Então o Deus Nhanderú, o criador da terra, escolheu um planeta para se tornar a nossa Terra. Ele trouxe consigo uma terrinha e jogou-a por todo o lado, espalhando a terra que trazia em sua mão em cima da água que havia dentro da bola, para sustentar a terra que nós pisamos neste mesmo momento, o Deus colocou uma Yurupa, separando a terra da água e retornou para a sua morada em “eternidade”.

O deus retornou para a terra só que dessa vez tomou a forma de um passarinho e trouxe várias sementes, as quais espalhou por todo o mundo e dessas sementes surgiu uma grande e exuberante floresta.

Antes de criar a humanidade Nhanderú enviou alguns bichos muito grandes carnívoros devoradores de seres humanos para limpar a terra e em seguida ao contrário do que muitas acreditam os bichos não foram eliminados, eles continuam na Terra nos dias atuais, mas estão escondidos, apenas ocultos de nossa presença.

Para criar o Sol e a Lua, Nhanderú ainda disfarçado de passarinho entrou na boca de uma moça e a engravidou, mas ele não podia continuar na terra, pois precisava retornar para o seu altar, mas antes de partir ele falou para a mulher: “siga o caminho que eu ando, vá pelo caminho que eu caminho e quando você não souber para onde ir e estiver prestes a errar o caminho, pergunte ao seu filho que está no ventre que ele falará o caminho que você deverá seguir”.

E a mulher com seu filho no ventre seguiu o caminho que lhe foi indicado, o caminho era bem fino, feio e cheio de grama, mas ela caminhava, caminhava e caminhava até que o seu filho, o Deus Sol, que estava no ventre lhe fez um pedido: “Mãe, você pode pegar aquela florzinha bem linda para eu brincar quando chegar lá?”. A mãe pegou uma flor, uma florzinha bem linda e levou, continuou caminhando. Novamente seu filho pediu: “Mãe você pode pegar aquela florzinha bem linda que eu achei muito legal, você pode pegar para quando eu chegar na terra eternidade?”. E a mãe pegou a florzinha. A mulher continuou caminhando até que ela se deparou com uma encruzilhada no caminho e ela perguntou ao seu filho qual caminho deveria seguir e ele respondeu: “Siga o caminho bem direto, o caminho mais fino e não se desvie”. Ela seguiu as instruções de seu filho e continuou caminhando.

Mais uma vez seu filho lhe pediu para pegar uma florzinha para ele brincar, mas nessa flor havia uma abelha que picou a mão da mulher que ficou muito irritada, a mão bateu em sua barriga e falou para o filho: “por que você quer brincar se está no ventre ainda, mas porque quer brincar?”. A mãe continuou repetindo isso e o menininho não falou mais, nem uma palavra sequer.

A mãe continuou caminhando e chegou uma vez mais em uma encruzilhada, lá ela perguntou ao seu filho qual caminho deveria seguir, mas o menino continuou calado e a mãe resolveu seguir pelo caminho mais bonito e mais largo. Ela continuou caminhando até que se deparou com uma casinha que estava soltando fumaça e quando ela chegou lá havia uma mulher velha, muito velha, que surpreendida perguntou para a mãe do Deus Sol: “Por que que você está vindo? Não sabe que essa casa é perigo pra você? Mas por que está seguindo esse caminho? Aqui é perigoso para você. Vá embora!!! ”

A mãe do sol se sentou e se negou a sair da casa porque havia pessoas canibais por perto. A mulher velha quis ajudá-la e a escondeu dentro de uma panela muito grande feita de argila. Mais tarde, o grupo de canibais apareceu perguntando: “Vovózinha. Esta casa está cheia de comida?” Ela respondeu: “Moço porque eu teria alguma coisa, se não tenho nada porque sou velhinha e não consigo mais caçar.” Mas eles procuraram, reviraram a casa e cada panela. Acabaram encontrando a mãe do sol e a devoraram. Tiraram parte da barriga dela e a idosa pediu para darem o bebê a ela.

Ela resolveu matar a criança de várias maneiras, mas não conseguiu. Tentou até fritá-la, não conseguiu. Então resolveu ficar e cuidar dele. E colocou num tipo de sol que o secava e acabou virando um garoto que viveu muito e caçou.

O Deus Sol resolveu criar um irmão para acompanhar ele para qualquer lugar. A luz, seu irmão mais novo, com problemas mentais e fazia muita pirraça. Tanto que o Deus Sol falava: “Agora vamos criar a nossa mãe e daí temos quem nos manda de novo.” Mas para isso eles precisam descobrir quem matou a mãe deles.

O Sol e a Lua não podiam entrar numa floresta muito verde para caçar por causa de uma arara que falou quando atiraram uma flecha: “Por que quer me matar e quer alimentar a pessoa que matou a sua mãe?” Mais uma flecha e de novo a mesma fala. Assim, o Deus Sol descobriu e chorou muito, sentindo uma tristeza muito forte no coração por perder a mãe que fora devorada.

Deste lugar ele começou a criar alimentos. O Deus Sol andava por um lado e a Lua andava por outro. Criando para que a Lua conhecesse algumas frutas e plantas como laranja, abacaxi e outros enquanto andavam. O Deus Sol começou a escolher porque a Lua era muito preguiçoso e ficava irritado quando não gostava de alguma coisa.

O Deus Sol decidiu: “Você vai de noite e vai olhar de manhã. Vai iluminar o mundo. Você vai alegrar nossos filhos que vamos criar porque vivemos nesta terra.” Assim a Lua foi a noite e o Sol foi o dia para iluminar o mundo.

Como o Sol não era tão preguiçoso. Cada dia sempre terá os brilhos do Sol para nos iluminar desde de quando acordamos. Existem noites em que não se vê nada porque a Lua não veio. E também para que a Lua ficasse criança, depois crescente para chegar a Lua cheia, porque a Lua morre e depois nasce de novo.

Isso porque quando seguiam o caminho, veem um rei chamado de diabo pescando. O Deus Sol pensou em brincar com ele, se transformou em peixinho e puxou o anzol com a mão. Só que a Lua fez o contrário, se transformou em peixinho, mas ele realmente comeu o anzol e foi fisgado. Há dias em que a Lua fica avermelhada, depois desaparece. A Lua fica pequenina quando reaparece e crescendo, a Lua nova. É desta forma até os dias de hoje.

Os eclipses da Lua ocorrem porque há um demônio que come a Lua para que não desça ao mundo. A Lua é uma boa pessoa com bons sentimentos que se sacrifica para que vivêssemos muito bem. Assim ela nos protege para que não aconteçam muitas coisas ruins e feias sobre a terra.

II - História de Resistência na Aldeia Rio Silveiras[editar | editar código-fonte]

No terceiro dia de Vivência, pudemos conversar com um morador da Aldeia que contextualizou o processo de transição dentro do próprio território em que residem. Antes, viviam mais interiorizados nesse território, mas, com o tempo, os núcleos perceberam a necessidade de se aproximarem mais do urbano. Conta, também, que várias modificações foram incluídas nesse processo, desde a facilitação do acesso à escola pelas crianças e adolescentes da região, até a mudança no modo de vida e hábitos alimentares. Essas novas adaptações, trouxeram também algumas consequências que categorizou como negativas. Uma delas foi o fato de que algumas pessoas externas ao território às vezes vão até lá com o intuito de levar, por exemplo, sua religião, com proposta até mesmo de instauração de suas casas religiosas dentro da própria aldeia, a troco, principalmente, de dinheiro e roupas. Para esse morador, essas propostas são extremamente contrárias ao processo de adaptação às contemporaneidades que a tribo tem de passar. Em uma análise breve da situação, esse processo pode se assimilar, de forma mais crítica, ao próprio processo de evangelização do período colonial, em que não se respeitava a cultura e religião indígena, havendo tentativas de imposição da própria religião cristã dos portugueses.

Outra questão relacionada a esse processo de adaptação da própria cultura é o fato de terem se aproximado mais da cidade e começarem a ter novas necessidades, como a de energia elétrica, alimentos (pois se afastaram um pouco mais do ambiente da caça), água encanada (SABESP), uso de mais roupas (especialmente para as mulheres), máquina de lavar roupas, entre outras. Assim, com esse breve levantamento, já se percebe a necessidade de três importantes gastos que precisam ser feitos mensalmente: o de água, luz e compras no mercado. Ou seja, as adaptações necessárias que a praticidade da vida urbana trouxeram, trazem implicações no campo financeiro, pois agora se tem a necessidade de uma renda constante para arcar com esses custos. Essa situação condiciona à busca por emprego ou dependência financeira de externos (através de doações, por exemplo), o que é problemático, pois a cultura indígena não inclui essa necessidade, que pode acabar sendo prejudicial para sua manutenção.

Há alguns pontos de alívio para a dificuldade financeira que se encontram, pois algumas atividades, como os artesanatos, podem trazer uma forma de lucro. Também, as escolas oferecem merendas, o que pode ser prejudicial no ponto de vista de hábitos alimentares, mas reduzir gastos em relação a alimentação dos estudantes. Além disso, estão cada vez mais recebendo turistas em alguns de seus núcleos, o que pode ajudar do ponto de vista do recebimento de doações (especialmente alimentos, roupas e brinquedos) e da venda de artesanatos. Assim, nota-se que os moradores da Aldeia Rio Silveiras estão passando por um processo de adaptação cultural que vem trazendo diversas implicações que antes não lhes eram mostradas, relevando-se, então, a importância da manutenção dessas doações e da movimentação de suas vendas artesanais, que fazem com que realmente consigam, pelo menos, continuarem vivendo e se adaptando da maneira que lhes for cabível.

III - Histórias de Resistência Guarani[editar | editar código-fonte]

As chuvas de Nhanderú frente ao obscurantismo da PEC 215[editar | editar código-fonte]

O congresso nacional há muitos anos tornou-se moradia dos mais diversos interesses da elite: os ruralistas, cuja defesa incessante do agronegócio é a bandeira que busca enterrar quaisquer que sejam as urgências ambientalistas, indígenas, quilombolas ou de qualquer outro grupo que de alguma forma resistem a eles. No final de 2015, por exemplo, iniciou-se uma movimentação pela aprovação da chamada PEC 215, que transferiria para os deputados(as) e senadores(as) a atribuição de dar a última palavra sobre a demarcação de terras indígenas. Essa medida, tiraria o poder do executivo e da FUNAI e entregaria a vida de milhares de mulheres, homens e crianças indígenas aos interesses dos ruralistas e de sua sede por dinheiro e poder.

Em resposta a essa proposta que avançava no congresso, diversas lideranças indígenas de todo o Brasil se reuniram e juntos ocuparam os gramados em frente ao congresso. Um episódio de resistência, buscaram todos e todas conversar com os respectivos deputados e senadores, ocuparam ruas, rodovias e a resposta para tudo isso foi mais repressão e desinteresse por parte de agentes públicos, dentre eles, os mesmos deputados que representam a bancada ruralista, da bala e do boi. Foi a onipotência de alguns fazendo frente a luta por direitos de outros.

Uma das lideranças, ao nos contar sobre esse episódio decisivo, relatou justamente essa repressão dos prepotentes agentes públicos ao recepcionar as lideranças indígenas na chamada “casa do povo”; atacaram mulheres indígenas idosas e encurralaram-nas, atacando-as, apenas pelo fato de estarem protestando e lutando por seu direito de existir, resistir e ter sua cultura e vida assegurados pelo Estado. Além dos ataques sucessivos, foi relatado também que haviam parlamentares próximos aos policiais que atacavam as lideranças; estes ficaram parados, sem qualquer atitude se não a da risada e do deboche enquanto seus irmãos e irmãs indígenas eram recepcionados pela violência. É um retrato do Brasil que alguns destes parlamentares ainda sonham, onde “índio não terá 1cm de terra”.

O que parecia ser uma causa sem chances, vencida, obscura, mostrou uma reviravolta, em nome de Nhanderú. O cacique nos contou, que as lideranças se reuniram e cantaram a Nhanderú, o Deus de todos e todas, pediram a ele coragem e força para passarem por esse momento e vencer a adversidade. Ele os ouviu, enviou a bênção das chuvas a cada centímetro da praça dos três poderes, retirou daqueles que votavam contra a vida deles a energia elétrica por algumas horas e impediu por fim, que a votação de fato ocorresse, portanto, impossibilitando que fosse votada naquele mandato. Uma pequena vitória sobre o obscurantismo, mas que deixam a todos, indígenas e não indígenas, o sinal amarelo do que pode vir em seguida.

O Jaraguá é Guarani: Registro da ocupação Indígena nas torres no Pico do Jaraguá[editar | editar código-fonte]

A resistência dos Guarani em luta pela garantia de seus direitos se mostrou em mais um capítulo. Desta vez, em agosto e setembro de 2017, com o povo Guarani do Jaraguá, situados na região noroeste da cidade de São Paulo. O fato que desencadeou este episódio foi a anulação, pelo Ministério da Justiça, da portaria declaratória n° 581 de 2015, que demarcou uma área de 532 hectares. A demarcação, que foi conquistada com muita luta, foi anulada sob a justificativa de que o processo possuía um “vício administrativo” e por não ter envolvido o Governo Estadual no processo. A decisão do Governo Federal representou uma ameaça à garantia dos direitos fundamentais dos indígenas e que inclusive contraria a Constituição. Para os Guarani, a decisão envolveu interesses econômicos do governo do estado, aliados ao do Governo Federal. Com isso, iniciaram um movimento de manifestação e resistência, que envolveu a ocupação do escritório da Presidência da República em São Paulo, manifestação na Avenida Paulista, acampamento em frente ao Ministério da Justiça em Brasília e a ocupação das torres de sinal de telefonia e televisão no pico do Jaraguá.

A Terra Indígena (TI) Jaraguá foi demarcada em 2015, após anos de reivindicação da comunidade Guarani. A demarcação é conquista importante porque a partir dela é possível iniciar a regularização fundiária e garantir aos índios possibilidade de viver permanentemente naquela terra e dela usufruir, também preservando-a. A demarcação ampliou de 1.7 hectares a 532 hectares de terra. Os guaranis lá mantêm diversas variedades tradicionais de plantações, criam abelhas nativas, espécie em extinção e que é de suma importância para a preservação da Mata Atlântica, além de atuarem na manutenção e recuperação de nascentes. Contudo, a sobrevivência na aldeia e a segurança da comunidade Guarani foi ameaçada com a revogação da portaria declaratória que garantiu a demarcação do referido território.  Foi a primeira vez que isso aconteceu no Brasil e, para muitos, representou inclusive uma afronta à Constituição Federal. O parágrafo 4º do Artigo 231 da Constituição diz que “As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. A justificativa apontada pelo governo foi de que o processo não foi dialogado com o governo estadual, além de ter usado outros processos interpostos no Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal que reivindicavam a posse da terra.

Os Guaranis, no entanto, não concordam com a argumentação e alegam outros interesses envolvidos na decisão. Para as lideranças locais, a demarcação da TI Jaraguá apresentou conflito de interesses com o governo estadual, isso porque o território demarcado abrange boa parte do Parque Estadual do Jaraguá (cerca de 56,02% dos 532 hectares da terra demarcados é área sobreposta ao parque) o qual o estado objetivava conceder para administração de iniciativa privada. Segundo depoimento de um morador da aldeia, o governo estadual aproveitou a troca de governo no âmbito federal, com a entrada de Michel Temer (PMDB), para encampar sua agenda e defender seu interesse. Para os Guarani, isso parece contraditório, pois o Parque Estadual do Jaraguá está sendo protegido quando eles estão naquele território.

Em uma entrevista dada ao Instituto Socioambiental (ISA), um morador da aldeia disse que “hoje, muitos juruás (não-indígenas) questionam por que os índios querem ‘tanta terra (…) Eles acham que ocupação do território é só você construir algo de concreto e morar. Nós não queremos isso, nós queremos não só morar, mas preservar. Essa é nossa ocupação tradicional. É dessa forma que a gente vive”. Foi na defesa destes ideais e pela sua permanência no território que os guaranis iniciaram uma movimentação política contra as ações do governo. Foram quatro grandes atos: a ocupação do escritório da Presidência da República em São Paulo, na Avenida Paulista; uma manifestação no Vão Livre do MASP, na mesma avenida, que mobilizou cerca de três mil pessoas, com apoio ao lema “O Jaraguá é Guarani” e, além disso, houve também uma comitiva de cerca de 40 guaranis que marchou até Brasília, montou barracas e estendeu faixas em frente ao Ministério da Justiça, pela mesma pauta e, por fim, guaranis ocuparam as torres de sinal de telefonia e televisão no pico do Jaraguá.

Uma liderança local conta que a ideia de ocupar as torres nasceu de um sonho. Um importante líder da aldeia contou ter tido um sonho em que viu o pico do Jaraguá com uma bandeira escrita “Jaraguá é Guarani” e, então, entendido como um sinal e caminho a ser seguido, o grupo decidiu fazer este ato de ocupação. Articuladas, outras lideranças e “parentes” de outras áreas do estado compareceram. Foram mais de 100 manifestantes que ocuparam as torres e ameaçaram desligar o sinal de transmissão de rádios, TV e celulares das antenas caso não fosse estabelecido diálogo com os governos estadual e federal sobre a situação da demarcação do território. Foram 3 dias de ocupação, que se encerraram quando foi firmado um acordo para reunião e abertura de processo de diálogo entre os índios e três secretarias estaduais, do Meio Ambiente, da Segurança Pública e da Justiça. Da reunião, criou-se uma comissão entre estas secretarias e a comunidade guarani com o objetivo de discutir a gestão compartilhada de Parques Estaduais que tenham áreas sobrepostas a aldeias indígenas, de modo que se possa garantir às comunidades tradicionais a participação nestas instâncias.

IV - Contexto político atual[editar | editar código-fonte]

Frente a todos os registros anteriores de luta e resistência dos povos indígenas, pode-se imaginar o clima de medo ao ver o cenário dessa eleições de 2018, onde um dos candidatos repudia qualquer forma de ativismo e liberdade de expressão. Jair Bolsonaro claramente é contra a demarcação de terras indígenas e a preservação do meio ambiente. Durante a vivência, ouvimos histórias, que, infelizmente, não é novidade para quem acompanha a luta desses e outros guerreiros: histórias de chacina e muita repressão. Porém, na casa de reza, em um momento de fala e retrato sobre o contexto político atual, estávamos todos sentados e sendo avisados sobre o perigo que nos cerca e tenta a qualquer custo arvorar sobre nossos sonhos, nossas lutas e nossos direitos. O clima era tenso, angustiante e parecia não haver horizonte que não aquele mais tempestuoso, cegado pelo medo e pelo ódio. O Pajé tomou a fala.

Primeiro, nos pedia paciência para com nossos familiares, amigos próximos ou colegas que de alguma forma estejam se entregando ao medo e ao discurso de ódio. Calma, não são todos fascistas, dizia o pajé. Nos lembrou da importância de dialogar, conversar, lembrar o que está em risco e, acima de tudo, não julgar. Nesse momento, pudemos perceber que, por mais que o medo esteja espreitando o coração de cada um ali, a força ali presente se faz maior.

Em um depoimento um dos Guaranis diz que: Apesar do tempo de sofrimento que eles têm passado, eles seguem fortalecendo sua cultura e religião. Resistem mesmo com um candidato à presidência que está querendo acabar com o direito de todos de viver em tranquilidade e levar sua cultura tradicional e sua sabedoria adiante. O indígena diz também que os jovens e crianças da aldeia dependem do futuro, e o futuro que eles querem é uma vida tranquila e florestas em pé, além disso, ele afirma que cada vez mais estão acabando com a vida natural e com a natureza, lugar de onde eles tiram os alimentos e sua inspiração. Ele ainda acrescenta “Essa natureza é, como sempre falo, a raiz da vida que nos alimenta com a saúde e isso é importante”.

A vivência na aldeia nos mostrou, que apesar do dilema político em que vivemos, os indígenas seguem apoiados em sua fé e crenças. E demonstram que independente do resultado da eleição de 2018, eles vão resistir e lutar por seus direitos, afinal já resistem a 500 anos em meio a tanta repressão e sangue de seus parentes derramados, o que são mais 4 anos?