Wikinativa/Isabela Yurie T. Shinzato (vivencia Guarani 2022 - SMD - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

A vivência na Aldeia Rio Silveiras foi uma experiência única e muito especial. Como futura gestora pública, levarei o que aprendi nesta vivência para toda minha vida profissional e também pessoal. É essencial lutarmos pela preservação da cultura dos povos indígenas, pela demarcação de terras, pela garantia de que todos direitos sejam assegurados igualmente aos povos originários, pelo fim dos estigmas, preconceitos e violência contra vidas indígenas. Temos muito a aprender com os povos originários a fim de resgatar um modo de vida mais sustentável e harmonioso com a natureza, além da convivência em sociedade pautada no coletivo e bem-estar social. Foi uma surpresa (muito boa) ver que a aldeia Rio Silveiras possui fácil acesso à serviços públicos (como a escola e UBS) e uma boa relação com os órgãos públicos municipais e a comunidade do entorno. Gostaria que o caso da aldeia Rio Silveiras fosse a regra e não exceção no restante do país: com as terras demarcadas, boa relação com órgãos governamentais e sem conflitos com o agronegócio, empresas mineradoras, grileiros, etc.

Ao retornar para casa, me senti renovada ao me (re)conectar com a natureza e desconectar do mundo virtual durante o final de semana. Assim como a colega mencionou em sala de aula, até o sono melhorou e ficou em dia. Morando em São Paulo, capital, acabamos nos habituando com hábitos insalubres e insustentáveis, como: não conseguir ver as estrelas no céu devido à poluição, danificar nossa saúde respirando ar poluído, ter os principais grandes rios da cidade poluídos (Rio Pinheiros e Tietê - que em tupi significa “água verdadeira”), passar a maior parte do nosso tempo trancafiados dentro de cubículos de concreto e em frente à telas de celular e/ou computador, entre outras práticas da sociedade ocidental capitalista.

Em “Ideias para adiar o fim do mundo”, AIlton Krenak critica justamente esse nosso afastamento da natureza, tal como consta no seguinte trecho “fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza(...).”.

Nesse sentido, outro ponto interessante também foi a questão da percepção do tempo, tal como o professor Jorge havia mencionado em aula e no trecho do artigo “Reflexões sobre o Tempo Social” de Machado (2012) destacado a seguir:

Para os Guaranis, o tempo se apresenta na forma de ciclos – nascer/morrer; dia/noite; plantar/colher etc. Mas há um tempo-espaço originário (o tempo do não-ser). O plano de existência em que vivemos estaria entre este tempo-espaço originário e o novo tempo do renascimento (arapyau onhemokandire). A vida humana é considerada como sombra, imagem ou imitação da vida verdadeira (a divina) e está num movimento de renovação que ocorre continuamente, através do ciclo dos anos, do calendário e da vivência, refletindo no mbyá reko (o modo de vida guarani e sua ética). Pela cosmovisão guarani, vive-se uma errância na Terra, num devir como “eterno presente” ou “futuro adiado” na busca da “Terra sem males” (Borges, 2002; Clastres, 1978 apud Machado, 2012).[1]

Foi muito bom não ficar olhando para o relógio o tempo todo e ficar preocupada se estamos atrasados ou não, sendo “produtivos” à todo vapor, tal como a lógica da produtividade capitalista nos impõe. Tentarei incorporar o lema de que as coisas acontecerão em seu devido tempo, “quando for para acontencer”, para o dia a dia, gerando menos ansiedade e stress na correria do cotidiano.

Como discutido em sala de aula, acredito que, internamente, no grupo da disciplina, houve mais interação entre nós do que em relação aos pessoal da aldeia, mais especificamente os adultos. Porém, acredito que um dos pontos de destaque foi a sincronia e o senso de coletividade do grupo da disciplina. Tudo ocorreu e fluiu muito bem. Já em relação ao pessoal da aldeia, acabamos entrando mais em contato com as crianças por conta da recreação e talvez por uma timidez ou desconforto causados pela nossa presença nos indígenas adultos ou até mesmo pela barreira linguística.

Em relação às crianças, elas foram muito receptivas e carinhosas conosco. Foi muito bom poder “voltar a ser criança” ao brincar com elas. Senti uma diferença em relação às crianças não indígenas que tenho contato, que em sua maioria moram em cidade grande, que foi a energia e disposição para brincar com jogos não virtuais e coletivos. A maioria das crianças não indígenas que tenho contato passa a maior parte do tempo no celular, assistindo vídeos ou jogando jogos virtuais. Algo que me tocou muito foi a experiência de experimentar o rapé pela primeira vez. O rapé é uma medicina da floresta, o qual é composto a partir de pó de tabaco juntamente com um composto de cascas de árvores, ervas e outras plantas. Senti uma paz e conexão muito grande com a natureza.

Para finalizar, trago outro trecho do livro de Krenak (2019), no qual discorre sobre nossa relação com a natureza e como esse afastamento afeta nosso cotidiano.

‘O que é feito de nossos rios, nossas florestas, nossas paisagens? Nós ficamos tão perturbados com o desarranjo regional que vivemos, ficamos tão fora do sério com a falta de perspectiva política, que não conseguimos nos erguer e respirar, ver o que importa mesmo para as pessoas, os coletivos e as comunidades nas suas ecologias. Para citar o Boaventura de Souza dos Santos, a ecologia dos saberes deveria também integrar nossa experiência cotidiana, inspirar nossas escolhas sobre o lugar em que queremos viver, nossa experiência como comunidade”. (KRENAK, 2019)[2]

Que a gente possa se reconectar com a Mãe Terra e melhorar nossas relações a partir dos saberes ancestrais.

  1. MACHADO, Jorge A. S. . Reflexões sobre o Tempo Social. Revista Kairós (Online) , v. 15, p. 11-22, 2012.
  2. KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Editora: Companhia das Letras, 2019.