Wikinativa/Laura Steinert de Freitas (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)
Laura Steinert de Freitas N° USP: 10725244
Marcada por quase quatro dias de chuva, a vivência na aldeia indígena do Rio Silveiras, em Bertioga, teve momentos marcantes de maravilhamento por toda a sabedoria indígena passada de geração em geração. Acredito que não vale detalhar todos os dias, mas sim falar sobre os momentos mais marcantes e que podemos relacionar com as aulas dadas.
Então, gostaria de ressaltar a gentileza com que fomos tratados. Todos os indígenas se preocupavam com o nosso bem-estar. Lembro de uma conversa que escutei, de uma das garotas do grupo de extensão pedindo ajuda para uma mulher da aldeia porque a amiga dela estava com muita dor de barriga, e ela pensou rapidamente num chá que poderia ajudar. No primeiro dia, quando não podíamos montar barracas pela chuva e a falta de luz, eles nos permitiram dormir na casa de reza, um lugar sagrado onde canções de antes do descobrimento são cantadas para Nhanderú Tupã.
Outra coisa que vale nota é a inexistência de hora marcada para as atividades. As ações parecem fluídas, levadas pelo sentimento de querer fazer tal coisa em tal momento. Eu sempre fui uma pessoa com muita pressa e com medo de atraso, então só consegui me sentir realmente confortável para realizar ações que eu queria no último dia, sentada perto da fogueira na casa de reza, provando do cachimbo e preparando chás de limão e laranja com amigos que fiz na viagem. Depois, até me senti confortável o suficiente para entrar na brincadeira com as crianças (extremamente cansativa, mas muito divertida). Sobre o último dia e as brincadeiras, algo maravilhoso de se ver é como começou sem ninguém falar “é hora de brincar”. Todos estávamos nos sentindo bem para isso, e aconteceu. É algo muito poderoso poder se sentir bem o que está fazendo, te dá uma sensação de completude, que não há nada que você deveria fazer obrigatoriamente. Porém, pudemos ver a visão de colonização que ainda perpassa nossa sociedade, com a visita do motorclube evangélico à aldeia no dia das crianças. Além de entregar bíblias e brinquedos, houve cantos para louvar a Deus. Alguns indígenas se vestiram com roupas tradicionais e pinturas, e foram fotografados com algo “exótico”. Podemos até relacionar com a visão Etnocêntrica, do indígena como elemento exterior à sociedade, que deve se converter à religião cristã para ser considerado civilizado. Após os cantos porém, os indígenas também cantaram músicas tradicionais, enquanto os motociclistas tiravam fotos e gravaram vídeos. Isso demonstra que nenhum indígena irá mudar, não importa quantos brinquedos e bíblias forem oferecidos. O cacique deu uma fala, na saída da trilha Rio Silveiras, exatamente sobre isso. Ele disse que muitas instituições oferecem auxílio com alimentação, roupas e infraestrutura se permitirem a construção de igrejas. Isso só reforça a carga histórica presente em nosso discurso e em nosso governo, onde o índio é subjugado e necessitado de ajuda exterior para a sobrevivência. No mais, a vivência foi uma experiência para chorar de emoção. Participar da reza, usar o cachimbo e aprender seu significado, conhecer suas matas. Tudo isso só me faz querer lutar cada vez mais pela causa indígena, principalmente em momentos tão difíceis como os que irão vir após tão graves afirmações feitas por nosso futuro presidente da República.