Wikinativa/Leandro Castro Gonçalves (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Introdução[editar | editar código-fonte]

O processo de imersão na cultura Guarani se deu ao longo de toda a disciplina tanto na visita na Aldeia indígena do Jaraguá, localizada na Zona Norte de São Paulo, quanto na viagem à Reserva indígena Guarani Rio Silveiras, em Bertioga.

Aldeia do Jaraguá[editar | editar código-fonte]

Na visita a Aldeia indígena do Jaraguá, vivem cerca de 700 guaranis em constante luta por terra. Um dos líderes nos contou que no final de 2017, o Ministério da Justiça revogou o reconhecimento do território indígena guarani de 532 hectares, reduzindo o espaço reconhecido das aldeias para cerca de 3 hectares. Então, eles organizaram diversos protestos e também ocuparam o pico do Jaraguá, onde antenas de telecomunicações tiveram o seu funcionamento afetado. Após a mobilização o estado prometeu não entregar o parque para a iniciativa privada. Também conversamos que além desse sério problema pela terra, os indígenas do Jaraguá sofrem com a sujeira, devido muitas vezes ao abandono de animais na área, e também com doenças, pois o posto de saúde não tem uma boa estrutura e escola está superlotada.

Nossa visita foi muito acolhedora, eles gentilmente abriram as portas da aldeia para os alunos da disciplina. Pudemos trabalhar junto com eles em um projeto. Eles estavam fazendo de diversas vivências para a construção de uma nova casa de reza em um local estratégico. No dia fizemos todo o barramento da casa e depois participamos de uma reza muito emocionante. Foi ali iniciou-se a minha experiência na cultura, espiritualidade, nas tradições e visões de mundo do guaranis.

Aldeia do Rio Silveira[editar | editar código-fonte]

Fizemos a viagem de campo para a Aldeia do Rio Silveira. Essa aldeia ocupa uma área de quase mil hectares na praia de Boracéia, na divisa entre Bertioga e São Sebastião. O espaço é dividido em diversos núcleos e abriga cerca de 500 indígenas.

No primeiro dia, ficamos no primeiro núcleo, devido a forte chuva foi nos permitido dormir dentro da casa de reza. Ao acordar montamos nosso acampamento e pudemos apreciar uma das comidas que eles costumam comer de café da manhã que é o tipá, típico da culinária guarani, feito com farinha de trigo e óleo, servido com suco ou café. Meu grupo foi responsável por montar uma padaria na Aldeia, a pedido dos próprios indígenas.

A aldeia recebe diversas visitas, eles abrem suas portas para o turismo como forma de se sustento. Na sexta-feira dia 12, era feriado de nossa senhora e “dia das crianças”. Nós fizemos gincanas com as crianças e diversas brincadeiras. Em determinado momento eles receberam a visita de um grupo religioso que entregou brinquedos para as crianças e depois bíblias com o novo testamento.

A relação entre o pajé e o grupo pareceu muito amigável. Mas lembrei das aulas que tivemos e de um filme que assisti a pouco tempo que retrata a história de um “ex-pajé” e como está se dando o avanço de pastores evangélicos sobre índios na região amazônica. Me questionei sobre a forma com que a religião dos brancos se sobrepõem a fé dos indígenas e como eles ainda sofrem com a questão do etnocídio, ou seja, com o extermínio da cultura do seu povo que ao invés de matarem seus corpos eles tiram a identidade. Pensei muito em tudo que vivemos, na recepção deles, na tolerância, na humildade por eles terem deixado o nosso grupo participar da reza e por terem nos deixado dormir aquela noite em um local considerado sagrado.

Tive uma experiência renovadora com o rapé nesses dias. Rapé é um pó retirado de folhas de tabaco torradas, moídas e misturadas a outros componentes ele é inalado com o auxílio de grandes canudos. O rapé tem um uso ancestral e também de grande significado espiritual para os indígenas. Ao inalar o pó a princípio, senti que passei mal, que minha pressão tivesse baixado, senti náuseas, vômitei, cuspí diversas vezes, meu corpo inteiro formigou e tremi por muito tempo. Por vezes senti medo, mas me concentrei e busquei sentir a energia daquele lugar. Tínhamos feito uma trilha em direção ao Rio Silveiras por mais ou menos uma hora e estávamos em um lugar paradisíaco. Minhas mãos pareciam muito mais pesadas do que realmente eram e, por vezes minha mente parecia clara como nunca antes senti uma força interna e uma clareza existencial. Nesse momento comecei a meditar e busquei entrar em contato com minha espiritualidade, foi uma experiência muito diferente de tudo que já tive. O medo deu lugar a um verdadeiro amor pelas pessoas, queria abraçar minha amiga e diversas pessoas vieram até mim com semblante de carinho e preocupação.

Hoje, na aldeia os índios usam roupas comuns iguais aos homens brancos, têm energia elétrica, escolas e recebem a visita de diversos turistas. Mas mesmo com essas transformações pudemos ver o contato exclusivo que eles têm com a natureza, fizemos diversas trilhas entramos em contato com cachoeiras muito preservadas.

Em uma das noites tivemos a visita de um representante do CIMI que é um “organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que, em sua atuação missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas”. Eles falaram sobre o momento político brasileiro de uma forma muito peculiar, lembrando sempre que a nossa estrutura política são de homens brancos vindos da Europa, mas que de alguma forma isso influenciavam na vida da aldeia. Vimos com preocupação a eleição do Bolsonaro que em Cuiabá, ainda como deputado federal Jair Bolsonaro disse ser contra a vitimização de negros, gays e índios e cotas para afrodescendentes.

Conclusões finais[editar | editar código-fonte]

Em todo momento da minha vivência pude observar a relação com a natureza, com a preservação de uma cultura muito atacada, principalmente pela religião. Recebemos visitas políticas de organizações vinculadas a bispos. Recebemos visitas de evangélicos que trouxeram brinquedos, bíblias e doações. Participamos da construção de uma casa de reza no Jaraguá. Participei de diversas rezas deles no Rio Silveiras e observei que a crença deles em Nhanderu e suas cultura tem muito a ver com as forças da natureza, respeito aos espíritos dos antepassados e, também na forma democrática com que as pessoas puderam fazer suas falas durante a reza e transmitir os conhecimentos aos habitantes da aldeia.