Wikinativa/Lucas César Garcia (vivencia Guarani 2022 - SMD - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Lucas César Garcia nº USP 11369520

A experiência da Vivência Indígena mesmo antes de acontecer já reverberou em diversas sensações. O sentimento de conhecer um espaço novo e querer absorver o máximo possível estava comigo, por outro lado, havia um sentimento de cautela por entender que aquele espaço é um espaço de respeito. Aos poucos, chegar à Aldeia Guarani Rio Silveiras se tornou um constante processo de não criar expectativas sobre como poderia ser a imersão.

Tentar imergir na ideia de não criar expectativas - talvez - tenha sido o movimento mais constante. Com frequência nós perguntamos aos indígenas quanto tempo demorava uma determinada atividade. “Quanto tempo até a cachoeira?” “Quanto tempo para o palmito escurecer na fogueira?” E as respostas eram das mais simples porém mais impactantes “Não sabemos, a gente só saí andando e quando nos damos conta chegamos”. A primeira vista gera um estranhamento, ainda mais para eu que estou constantemente correndo com prazos e entregas. Entretanto, peguei essa oportunidade como um convite a reflexão sobre a minha forma de enxergar a rotina para além do final de semana da vivência.

Para mim, estar lá foi um processo de entender que estou inserido em uma única lógica de vida, a lógica da “maior metrópole do país”, cuja principal característica é nos emergir na ideia de que tempo é dinheiro e corrido. Durante e no pós da imersão tenho me permitido contrariar essa ideia. Essa tentativa contra hegemônica é constante.


Estar no grupo da recreação contribui com esse movimento. Ficamos durante algumas semanas conversando e planejando inúmeras brincadeiras e formas de cativar as pessoas presentes durante as atividades, e da forma mais orgânica possível as brincadeiras começaram, sem que houvesse uma necessidade de planejar e adaptar o tempo. Lembro-me que no sábado de manhã após o café, as crianças pouco a pouco pegaram as bolas, bambolês e cordas para brincar e nós pouco a pouco fomos nos aproximando e estabelecendo relações de confiança e afeto. Quando me dei conta diversas atividades como “bobinho”, pega-pega, pulos acrobáticos com bambolê estavam acontecendo de forma simultânea. Ali eu entendi que “não planejar” também faz parte do processo de aprendizagem.

Assumo que estar no grupo das recreação foi uma opção para estar mais próximo das crianças e observar a sua naturalidade com o mundo. Cada uma delas e elas em conjunto nos suscitaram diversos momentos gostosos e que faziam valer a máxima de estar focado no aqui e no agora.

Além disso, a turma em geral e os subgrupos - logística, cozinha, recreação e registro - também estavam dispostos a aprender e contribuir uns com os outros. Aliás, estar disposto é uma boa palavra para exprimir o sentimento. Estarmos dispostos a conhecer uns aos outros e nos permitir entender cada um.

Outro momento importante para a construção da vivência é a casa de reza, onde as trocas espirituais e de vivência me ajudaram a expandir minha noção do que é espiritualidade. Me manter focado durante um período de tempo com as mulheres e homens indígenas ali em suas manifestações espirituais me proporcionou um estado de conexão com uma sensação difícil de ser expressada. Reiterando o que foi dito anteriormente, estar disposto a conhecer algo nos leva a caminhos bons e a Casa de Reza foi este espaço. Sinto que para cada aquele momento pode ter significado algo, mas uma coisa é importante de ser ressaltada: A oportunidade de se conectar com Nhanderú estava ali colocada para nós. Por fim, passar por aquele território é um divisor, seja como futuro gestor público, seja como pessoa cidadã. Observar os diversos aspectos sociais e espirituais da aldeia geraram - e ainda geram - pensamentos sobre aquilo que entendo como visão de futuro e de mundo. Ali pude perceber que ainda há tempo para escolhas que me façam feliz e que agreguem sentido a minha vida, mas que também lutas e vivências coletivas precisam caminhar juntas por algo que perpassa os diversos corpos ali presentes, sem esquecer de cultivar o espírito e agradecer por aquilo que tenho


Referências

Machado, J. (2012, dezembro). Reflexões sobre o Tempo Social. Revista Temática Kairós Gerontologia,15(6),