Wikinativa/Lucas Fernandes de Souza Santos (vivencia Guarani 2022 - SMD - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Lucas Fernandes de Souza Santos

N° USP - 12684416

Introdução

A matéria “Seminários de Políticas Públicas Setoriais II” visa proporcionar aos alunos um estudo sobre questões relacionadas às práticas tradicionais indígenas e seus direitos. Para concretizar-se o aprendizado, os estudantes assistem a uma série de aulas, que aumentam profundamente o conhecimento acerca dos povos originários, e posteriormente ingressam em uma pesquisa de campo com imersão na cultura do povo Guarani.

Pré Vivência

No começo do semestre, minha opção quando me inscrevi na disciplina era apenas obtenção de créditos, que seriam muito úteis para a finalização das matérias “livres” da minha graduação. O motivo da disciplina escolhida ser a de Seminários de Política Públicas Setoriais foi apenas localização, uma vez que resido próximo à Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, onde pensava que seria realizado 100% do curso (não me atentei sobre a realização da vivência).

Logo após a primeira aula (quando fiquei sabendo da vivência), a maior dúvida era se valia a pena prosseguir com a disciplina, pois nunca havia me interessado profundamente sobre o tema. Além disso, meu interesse acadêmico parecia ser muito divergente dos outros inscritos, uma vez que sou aluno de Ciências Econômicas, e os demais de Gestão de Políticas Públicas.

Mesmo com essas dúvidas em minha mente, decidi continuar na matéria, considerando somente o custo-benefício de ganhar créditos livres em um local muito mais perto do que na Cidade Universitária. Ao decorrer das aulas, fui começando a me interessar verdadeiramente sobre o assunto, e afirmo com toda certeza, o modo com que o Professor as ministrava teve grande parcela nisso, muitas das vezes levando convidados e promovendo discussões e debates, algo bem diferente das aulas mais tradicionais, as quais estou muito acostumado.

O meu interesse em relação aos temas abordados em sala de aula foi aumentando gradualmente com o transcorrer do tempo, ampliando cada vez mais a vontade de participar da vivência. Os relatos dos alunos que já tinham participado de uma vivência foi um fator que ampliou a minha vontade de comparecer, porquanto era unanimidade para todos que tinha sido uma experiência magnífica e transformadora. Portanto, mesmo antes da viagem, algo que começou como um esforço visando eliminar todos os créditos livres pendentes, terminou como uma grande fonte de aprendizado, incluindo a vivência, a qual será relatada nos próximos parágrafos.

Vivência

A Reserva Indígena Rio Silveira, situada na divisa dos municípios de Bertioga e São Sebastião, no estado de São Paulo, pertence à etnia Tupi-Guarani. A chegada do ônibus na aldeia ocorreu de noite em um clima extremamente frio, a pouca iluminação me incomodou em um primeiro momento, mas nada que pudesse afetar a experiência. Após a montagem das barracas, fomos convidados pela primeira vez a ir à casa de Reza, onde obtivemos diversas informações sobre a aldeia e região. Segundo a filha do Pajé, a reserva é dividida em núcleos, e ficaríamos no “Núcleo da Porteira”, que apesar de ter muita mata envolta, também é o núcleo “mais externo” quando comparado aos demais. Após um período de perguntas e respostas, o grupo saiu da casa de Reza para jantar e após um momento de socialização, todos foram descansar.

No dia seguinte, a maioria acordou cedo para aproveitar o dia. Após um belíssimo café da manha preparado pelo grupo da cozinha, houve um primeiro momento de recreação com as crianças. Todas as crianças indígenas eram extremamente amigáveis e abertas às propostas de brincadeiras. Enquanto algumas pessoas do grupo utilizavam os bambolês para realizar algumas atividades (as quais não me atentei muito), outro grupo realizou uma rápida partida de futebol com “golzinhos”, que foi muito divertida devido à quantidade de lances bizarros que aconteciam em razão da grama, que estava um pouco escorregadia. Após esse período de recreação, que não durou mais que uma hora, o grupo começou uma caminhada em direção à cachoeira, jornada esta que começou em uma estrada de terra, que se estendia por alguns minutos. Durante o percurso nessa estrada de terra, passamos de frente para a escola da Reserva, onde as crianças indígenas estudam.

Chegada à entrada da trilha, alertaram-nos que para nossa segurança era bom que o grupo não se separasse em momento algum. Enquanto a paisagem era muito bonita, a caminhada era bem difícil, com terrenos escorregadios e íngremes, além de um trecho onde a água alcançava a cintura e as pequenas pedras machucavam os pés. No entanto, essa difícil caminhada foi compensada quando o grupo chegou à cachoeira, sem dúvidas o lugar mais bonito de toda a viagem. As pedras dos arredores eram muito escorregadias e a água da cachoeira estava extremamente gelada, mas isso não impediu a diversão do grupo. O caminho de volta para o Núcleo da Porteira parecia até maior que o da ida, entretanto, algo chamou a minha atenção, a quantidade de casas de tijolos construídas no decorrer da estrada de barro, todas não utilizadas.

Após a chegada ao núcleo, descansamos alguns minutos, almoçamos, e retornamos à recreação. Algumas pessoas do grupo faziam algumas atividades diferentes, contudo, a partida de futebol foi algo fenomenal, uma vez que nas equipes se misturavam as crianças, os alunos e até mesmo os professores. Jogamos algumas partidas de futebol com “golzinhos”, muito divertidas, e após isso, o grupo responsável pela recreação tratou de organizar um “Rouba Bandeira” improvisado, que incluiu a maioria das pessoas presentes no local. Após o término da última rodada, e um placar de 3 a 2 (de virada), todos estavam exaustos, menos as crianças, que ainda tinham energia suficiente para pular corda. Quando escureceu, fomos convidados novamente a ir à casa de Reza, onde fomos contemplados pela presença da Pajé Lourdes, que conduziu o ritual naquele dia. Foi muito interessante ouvir um pouco da experiência de uma liderança feminina da aldeia, e após um canto religioso (que foi realizado com auxílio de instrumentos), todos foram jantar e descansar.

No último dia, antes de ir embora, todos foram à praia em uma espécie de confraternização. O momento de ir embora foi um misto de sentimentos, tristeza pelo fim de uma incrível experiência e um pouco de alívio pela possibilidade de voltar as comodidades que a vida na cidade proporciona. Antes de partir tivemos a oportunidade de acompanhar um pouco do trabalho da turma de odontologia da USP Bauru, que ingressou na vivência com o intuito de providenciar atendimento aos moradores locais.

Observações

O “Tempo Guarani”, em que não há preocupações com planejamentos e horários, foi muito benéfico na medida em que possibilitou o afastamento da ideia de controle do tempo a todo instante, muito presente nas cidades. Outro ponto positivo que conseguimos verificar, foi a infraestrutura de educação presente na reserva, todos os moradores possuem a oportunidade de completar o ensino básico sem sair do território.

O “senso de comunidade” também é muito presente na aldeia, sem as preocupações com posses individuais que vemos no nosso cotidiano.

Agradecimento

Gostaria de agradecer ao professor Jorge Machado e aos alunos da turma, que contribuíram para que a vivência fosse uma experiência extremamente agradável. No fim, a disciplina escolhida ao acaso proporcionou uma das melhores experiências que já tive, algo completamente indescritível.