Wikinativa/Luiza Goes Magalhães (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Relatório individual de visita à aldeia guarani Rio Silveira (núcleo porteira) Seminários de Políticas Setoriais II Luiza Goes Magalhães n° USP 10688091 Primeiro dia: Preparei-me para participar das atividades do meu grupo de audiovisual desde o primeiro dia. Levei minha filmadora, com uma fita (porque ela é antiga) e testei. Fui sem barraca. Ao chegar em meio a tanta chuva no núcleo Porteira, aldeia Rio Silveiras, seguimos para a casa de reza, que ficava no máximo uns cinquenta metros da estrada. Com os pés dentro da areia, que virou lama entramos assim mesmo calçados na casa de reza, onde também dispusemos as bagagens. Na primeira noite, observei na parede da parte da frente algumas fotos, colares, chocalhos e bastões, recostados... às 18h, iniciariam a reza, mas, nesse dia, começou um pouco atrasada por nosso atraso. Após sermos recebidos, com as palavras do Adriano, fomos acolhidos pela viola do primeiro Xera’moi que embalou a introspecção de cada um após essa longa viagem. Sob a fumaça dos cachimbos, observei as crianças que brincavam e entre os olhares falavam entre si em guarani. Pareceu-me neste momento que elas eram somente delas. Aquele momento da comunicação, da cultura, era algo somente delas. Daí lembrei do quanto os guaranis são peculiares. Enquanto, no nordeste do país, tivemos a forte rejeição histórica, a ponto de apresentarem em documentos públicos a não existência de indígenas, acarretando praticamente o dano do idioma local; os guaranis, tiveram o idioma forçosamente indicado pelo encontro com os colonizadores europeus que precisavam se comunicar com pessoas que não falavam o mesmo idioma, fazendo assim que o idioma guarani fosse mais considerado, embora não tanto. Cada xera’moi cantava até o momento que Nhanderu lhe indicasse que deveria parar. As mulheres ficavam de um lado, o direito, e os homens ficavam à esquerda. Em alguns momentos da dança, sob o cântico guarani do xeramoi, era formado um círculo que, quem entrasse, só poderia parar ao final. No primeiro dia, dormimos todos na casa de reza, com o consentimento do pajé e de Adriano. O cacique da Rio Silveira estava na outra aldeia, mais próxima das trilhas da cachoeira. Segundo dia: Pela manhã, tivemos um café da manhã e nos preparamos para ir a uma trilha que passava pela escola. Passamos por um outro núcleo. A estrada que seguimos foi a que fica de frente para a escola. Grande, a escola encontrava-se ali com pinturas que faziam referência aos guaranis. Seguindo o caminho, acredito que viramos duas vezes à direita e seguimos uma trilha já aberta, que nos levava a uma queda d’água pequena, mas especial. Alguns pequenos foram conosco. Tivemos dificuldade em levar nosso material de trabalho porque ainda estava chovendo e tínhamos medo de prejudicar o material. Ainda assim, levamos uma câmera. Uma coisa que me impressionou fortemente foi a visita de um grupo de motoqueiros, guiados por um rapaz evangélico que, ao final do encontro, cantava músicas de sua congregação religiosa. Pareceu forçoso incentivar que os índios escutassem as músicas evangélicas, após o mesmo grupo oferecer brinquedos às crianças. Foi um tanto desrespeitoso e constrangedor até para quem não morava na aldeia. Alguns metros dali, algumas igrejas evangélicas gritavam seus hinos. Ainda assim, fiquei calada sobre o assunto. Consegui conversar um pouco mais com a índia que ficaria responsável pela horta medicinal, que seria iniciada naqueles dias. Fiz uma entrevista com a mesma, buscando saber sobre a sua história de vida. Seus pais viviam em outra aldeia no Estado do Rio de Janeiro e, ao vir para São Paulo, conheceu o marido, com quem teve dois filhos. Filha de parteira, ela sempre teve contato com plantas medicinais e sonha em conhecer ainda mais e dedicar-se à horta, ajudando outras pessoas a se curarem. Ela vende a uma quantia irrisória os remédios que faz. Segundo a mesma, as políticas para os índios piorou. A FUNAI, com o quadro reduzido de funcionários tem dado pouco amparo às aldeias e o Governo não oferece condições de vida adequadas à comunidade. Pareceu-me chocante e revoltante todas as cenas... a presença quase respeitosa do grupo de evangélicos entrando na casa de reza com um pensamento limitado... a resposta da índia sobre o descaso do Governo e mais tarde a fala enérgica do representante do CIMI e do índio da comunidade guarani do Jaraguá sobre índios que queriam eleger um candidato que defendia torturador... a véspera das eleições e tudo aquilo ali causava angústia. A reza pacificou o coração depois... em meio à fumaça dos cachimbos, recebíamos bênçãos do xera’mois. À noite, ficamos um pouco na fogueira enquanto a índia da horta fazia tipas para a gente, conversamos todos, na luz da fogueira. Ao fim, dormi na casa de reza. Lá dormi todos os dias. Terceiro dia: No terceiro dia, pela manhã saímos para visitar a outra cachoeira e conversar enfim com o cacique que foi muito receptivo e falou de vários assuntos, além de nos oferecer um pouco de sua história de vida. Ao voltar, passei pela escola e percebi que estava toda alagada. Esse dia foi o dia que teve sol e os grupos puderam oferecer as atividades que propuseram. Foi o dia também que pude colaborar com a parte que fiquei mais responsável, a do cinema. Fui para a cozinha fazer pipoca para todos e tivemos uma sessão muito interessante. Exibimos o filme Pajerama, uma parte de “Direitos Indígenas na Constituinte” e um filme em que uma índia aparecia como personagem. Foi um sucesso. Todos gostaram bastante. O jantar neste dia demorou um pouco mais porque o carro que foi pegar a outra turma dos pães atolou e a pipoca acabou salvando os famintos, inclusive eu. Sou extremamente grata por essa vivência que me proporcionou imagens lindas, experiências únicas e pessoas fantásticas.