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Wikinativa/Marcelo Lopes(vivencia Guarani 2016 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Apresentação

Por Marcelo Alcebiades Lopes

Este relato faz parte da disciplina ACH3707 - Seminários de Políticas Públicas Setoriais - Multiculturalismo e Direitos (SMD), ministrada pelo Prof. Jorge Machado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP).


Aldeia Guarani Tekoa Pyau (Pico do Jaraguá)

O primeiro contato com uma aldeia indígena se deu na própria cidade de São Paulo, à beira do Pico do Jaraguá. Lá visitamos a Aldeia Guarani Tekoa Pyau e tomamos contato com um povo que existe e resiste em meio ao restante de Mata Atlântica da região. Caso eu não soubesse que ali residem esses indígenas, certamente acharia que ali se encontrava uma ocupação de trabalhadores sem-teto. A pobreza, falta de infraestrutura básica, sujeira e número de cachorros me surpreenderam e revelam o abandono do aparato estatal e da sociedade civil.

As moradias eram feitas de madeira e algumas até de alvenaria, porém a simplicidade das instalações era um fator comum à todas. Foi interessante notar a presença de um aparelho de televisão, sintonizado em um canal aberto, cuja transmissão era de um programa popular de entretenimento típico dos finais de semana. Outro fato que me chamou a atenção foi a quantidade inacreditável de cachorros, o que revela o lado solidário e inclusivo dos indígenas, que mesmo em meio à escassez de alimento para eles mesmos, conseguem ainda manter os animais.

Essa primeira expedição à Aldeia Tekoa Pyau fez parte da preparação para a imersão em outra Aldeia Guarani, dessa vez em Bertioga, Praia de Boracéia. Ainda tivemos quatro aulas preparatórias, onde abordamos temáticas básicas da causa indígena e refletimos sobre vídeos, temas e, claro, sobre a viagem.


Aldeia Guarani Rio Silveira (Bertioga, Praia de Boracéia)

Finalmente chegou o dia da tão esperava viagem à Aldeia Rio Silveira, em Bertioga. Me aproximando do local, lembrei das vezes que passei pela região e avistei indígenas na beira da estrada vendendo objetos artesanais. Porém nunca tinha me questionado ou observado a existência de uma Aldeia adentrando na rua à esquerda. O desconhecimento sobre a localização de Aldeias indígenas no estado de São Paulo jamais me faria imaginar que poderia me deparar com duas Aldeias tão próximas à cidade, e não infiltradas mata adentro.

O local, desde a chegada, já passa a sensação de inclusão. Fomos bem recebidos pelos indígenas que estavam pela estrada de terra, que nos saudaram e nos observaram. Chegando no local reservado para nossa estadia, fomos recebidos pelo pajé, que nos orientou sobre onde montar as barracas. Iniciamos, então, o processo de montagem da barraca, enquanto o almoço também começava a ser preparado. Iniciava, assim, o estudo de campo, onde éramos os observadores participantes.

No que toca o aspecto alimentação, creio que estávamos esperando uma maior participação dos alunos no preparo de alimentos. Notei que as mulheres indígenas se encarregavam do preparo sem muito espaço para nossa ajuda. Mesmo porque havia apenas uma grande panela, que ocupava todo o espaço da grelha ao fogo, o que impossibilitava o preparo de mais de um alimento ao mesmo tempo. Talvez as mulheres indígenas também não tenham se sentido à vontade para abrir mão de suas atribuições perante sua cultura. De qualquer forma, houve sim a ajuda de estudantes no preparo das refeições, mas essa ajuda foi limitada. Outro ponto que me chamou a atenção sobre a alimentação foi o preparo do alimento, que, na verdade, se resume à cocção, sem nenhuma outra técnica acrescentada. O peixe, por exemplo, da mesma maneira que era retirado da água, era colocado na grelha e servido, sem nenhum processo de limpeza ou tempero. Acredito que numa próxima oportunidade, podemos ter um grupo de “gastronomia” que, eventualmente, ensine algumas técnicas para as indígenas, a fim de enriquecer sua alimentação, e não desconstruir qualquer valor.

As atividades foram muito interessantes. Nos banhamos no rio, caminhamos pela mata, praticamos arco e flecha e futebol, fizemos rodas de música em volta da fogueira e pintura corporal. Entretanto, senti falta da articulação dos grupos para de fato desempenharmos as atividades previstas. O ponto alto das atividades (e, pra mim, da experiência de forma geral) se deu na Casa de Reza, onde participamos de um ritual de purificação. Nesse momento eu realmente me senti imerso na cultura indígena, e vivi um momento que jamais esquecerei na vida. Uma sensação muito boa de paz, amor e segurança, além de uma música muito bonita. Alguns alunos passaram pela purificação, onde observei a importância da fumaça para a espiritualidade indígena. Não se trata do simples fato de pitar, mas sim um elemento religioso que aproxima o indígena ao contato com a espiritualidade. Inclusive, uma das etapas da purificação é a defumação, passando realmente a sensação de limpeza da alma.

Também na Casa de Reza, tivemos uma conversa de temática mais política com o antigo cacique da Aldeia. Falamos sobre Propostas de Lei em tramitação, sobre a difusão das causas indígenas e sobre demarcação de terras. Me chamou a atenção a introdução das redes sociais na atuação dos indígenas frente às lutas políticas. Com aplicativos de conversas instantâneas e redes sociais, o cacique nos explicou como a articulação se dá de forma mais eficiente entre as lideranças indígenas que, muitas vezes, se encontram há milhares de quilômetros de distância. O cacique constantemente estava lá tirando fotografias de nossas atividades. Ao retornar para minha casa, pude ver como “sugestões de amizade” no Facebook alguns indígenas da Aldeia Rio Silveiras, o que revelou ser realmente uma nova era de comunicação.

A experiência, de forma geral, foi incrível e mais do que uma aventura, foi a oportunidade de conhecer de perto uma cultura que necessita de apoio, e o apoio começa pelo conhecimento da realidade. Mesmo com o término da disciplina, sem dúvida esse foi o primeiro passo dessa luta, que começou na vivência, e deverá continuar por meio de doações e esforços para que a cultura seja preservada e qualidade de vida elevada, com a presença do Estado oferecendo o bem-estar social de todos.