Saltar para o conteúdo

Wikinativa/Maria Rita Schmitt (vivencia Guarani 2016 - relato de experiência)

Fonte: Wikiversidade

Poucas vezes temos certeza ao afirmar que algum tipo de experiência que vivenciamos transformou nosso ser, nossa essência. Geralmente carregamos pensamentos sobre o acontecido durante alguns dias ou semanas, refletindo sobre a importância de tudo aquilo e como os aprendizados se encaixam no espaço vazio, como respostas para nossas perguntas silenciosas, mas logo depois concluímos que o resultado dessa elaboração mental é inútil e pouco nos acrescenta no dia a dia, na vida real. Esse tipo de constatação não poderia estar mais distante do que a experiência na Aldeia Rio Silveiras deixou marcado em minha mente. Diversos pontos de discussão surgiram durante as aulas preparatórias para a viagem, com temas importantes relacionados à gestão de políticas públicas, à gestão ambiental e também a própria ética e humanidade. Assuntos como etnocentrismo, aculturação e assimilação, lutas indígenas, demarcação das terras indígenas, vocabulário e apropriação cultural foram frequentes nas falas dos colegas e nas minhas, evidenciando um tipo de saber um tanto quanto restrito à esfera acadêmica e poucas vezes voltado para experiências reais e contato direto com essas questões. Penso que daí vem a importância da imersão na aldeia: quebrar com falácias repetitivas que são cultuadas na universidade disfarçadas de verdades absolutas e demonstrar, "na prática", qual a importância de conhecermos a cultura indígena e propagarmos esses saberes de forma sincera e honesta.

Logo que entramos na Aldeia, passei a reconhece a importância de informações repassadas previamente que, até então, não pensava que seriam úteis, como a existência de diversos núcleos ao redor e a relação dos indígenas com "os brancos" da cidade. De forma semelhante à comunidades rurais em alguns municípios, as casas eram construídas com pau a pique ou então com madeira, afastadas umas das outras. Pudemos avistar uma escola indígena e alguns pontos de venda de itens fabricados pelas famílias para a venda, como colares e adornos exibidos na beira da estradinha de terra.

A seguir, relato pontualmente algumas características que talvez não sejam tão importantes do ponto de vista epistemológico mas que com certeza influenciaram (e continuam influenciando) no meu modo de pensar e de visualizar a causa indígena. Realço também que estas são impressões completamente pessoais que talvez se mostrem equivocadas em algum sentido, portanto peço desculpas adiantadas e estou a disposição para corrigir qualquer uma das informações se apontado erro de expressão, etc.

- A utilização de pinturas corporais e seus significados: o fato de que praticamente todos os moradores da Aldeia Rio Silveiras exibiam pinturas (que mais tarde ficamos sabendo que eram feitas a partir do jenipapo misturado com carvão) corporais me deixou muito surpresa e feliz, pois penso que esse tipo de atitude reafirma a cultura para aqueles que pertencem a mesma, mostrando um certo tipo de orgulho ao compartilhar as pinturas com o restante do grupo. Fomos informados que todas as pinturas possuem significados, como "guerreiro", "cura", "bons sonhos", "cobra", "sabedoria e sorte", "coragem", entre outros e que são uma forma de preparação pessoal para os rituais. Achei interessante também o fato de que diferentes tribos "trocam" entre si as pinturas, ou seja, apesar de cada grupo indígena possuir pinturas mais "regulares", nada impede de que incorporem pinturas utilizadas por outros grupos em seu cotidiano.

- O canto das mulheres xondarias: essa impressão se mostrou digna de nota simplesmente pela força e emoção passada através do canto das mulheres indígenas na casa de reza, para qual fomos convidados. O canto delas se mostra essencial para a manifestação cultural que nos foi transmitida.

- Os ensinamentos sobre espiritualidade: dois pontos me chamaram atenção aqui. O primeiro foi a nítida relação que os indígenas estabelecem entre espiritualidade e natureza: Nhanderú é a natureza e a natureza é Nhanderú. Essa conexão é, muitas vezes, ignorada nos ensinamentos bíblicos e afins, e a presença dessa visão de mundo/religião/espiritualidade foi muito impactante para mim, pois mostrou que existem outras maneiras de se conectar com ensinamentos espirituais através do canto, da queima do cachimbo, de chás de ervas naturais e do silêncio. Esses elementos, portanto, fazem parte do outro ponto: o ritual de purificação, realizado pelo Pajé da tribo, no qual eu participei. A energia envolvida no ritual e a honra de podermos participar de algo tão íntimo e importante me fez perceber a dimensão que a vivência tomaria em minha vida. Através dessa limpeza espiritual passei a valorizar mais o contato com a natureza, comigo mesma e com a espiritualidade, aspecto que sempre deixei em segundo plano por se tratar de algo "irracional". É isso: com a vivência percebi que nada mais irracional do que ignorar as energias que regem a natureza e o universo e imaginar que acima de nós, nada.

Gostaria de agradecer ao Dênis e Diogo por me proporcionar boas risadas e muitos sustos na trilha e por me mostrarem pinturas lindas, flores cheirosas e uma amizade preciosa.

Recomendo a leitura de um conhecido e interessante blog sobre significado dos sonhos: [1]