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Muras são um grupo indígena brasileiro que habita o centro e o leste do estado do Amazonas, ocupam vastas áreas no complexo hídrico dos rios Madeira, Amazonas e Purus. Vivem tanto em Terras Indígenas, quanto nos centros urbanos regionais, como Manaus, Autazes e Borba. Desde as primeiras notícias do século XVII são descritos como um povo navegante, de ampla mobilidade territorial e exímio conhecimento dos caminhos por entre igarapés, furos, ilhas e lagos. Em seu longo histórico de contato, sofreram diversos estigmas, massacres e perdas demográficas, linguísticas e culturais.

Localização[editar | editar código-fonte]

As fontes históricas dos séculos XVIII e XIX apontam a presença dos Mura em vastas e diversas regiões da Amazônia oriental. A abrangência de sua ocupação territorial e a densidade populacional do grupo foram abordados pioneiramente por Nimuendajú (1948). A partir do século XVII, os Mura teriam migrado da fronteira com o Peru (região de Loreto) para diversas regiões dos complexos hídricos dos rios Japurá, Solimões, Madeira, Negro e mesmo Trombetas (região de Oriximiná). A esta área de ocupação corresponderia uma população estimada entre em 60.000 e 30.000 pessoas. Neste período, a ação das tropas de resgate e das missões ocasionou a fragilização e depopulação de diversas etnias que ocupavam tais regiões, o que para muitos, acabou por beneficiar o crescimento populacional e a expansão mura para o leste. Nos séculos XVIII e XIX, a despeito de terem sofrido diversos ataques empreendidos pela colônia, os Mura mantiveram extensas posições no complexo hídrico dos rios Madeira, Solimões e Purus.

Atualmente, os Mura continuam a ocupar largas porções territoriais nestas mesmas regiões hídricas. Encontram-se dispersos em mais de 40 Terras Indígenas, em diferentes estágios de regularização fundiária, distribuídas pelos municípios de Alvarães, Anori/Beruri, Autazes, Borba, Carceiro da Várzea, Novo Aripuanã, Itacoatiara, Manaquiri, Manicoré e Uarini; todos situados no Estado do Amazonas, sobretudo nas regiões de interflúvio dos rios Madeira e Purus. Nos centros urbanos, tais como a capital estadual Manaus e as sedes dos municípios habitados, registra-se a existência de bairros quase exclusivamente ocupados por segmentos populacionais mura, que mantém estreitos vínculos com os moradores das aldeias situadas nas TIs.

História[editar | editar código-fonte]

A tribo indígena mura possui ampla participação na história brasileira, remontando ao período da colônia, quando já eram citados em documentos nos quais ficavam visíveis a sua personalidade arredia e seu espírito de resistência frente ao domínio da civilização portuguesa. Segundo Engrácia de Oliveira (1986), em relato histórico dos muras:

Sabe-se que eles, os quais faziam das canoas suas casas, que como‘índios de corso’ abrangeram uma grande área da ação que se estendia da fronteira do Peru até o Trombetas, que se destacaram nas tentativas de rechaçar a invasão dos civilizados em seus territórios, sendo aguerridos, destemidos e usando táticas especiais de ataque, que, enfim, com suas incursões e ‘correrias’ atemorizaram a Amazônia do século XVIII...

Os muras, considerados "incivilizáveis", foram atacados por três sucessivas e sangrentas "expedições punitivas", sofrendo muitas perdas por epidemias como sarampo e varíola, tendo sido contra eles pedida uma devassa e a solicitação de "guerra justa" entre 1737 e 1738, mas que não foi concedida. Sem condições de enfrentarem a forte pressão, procuraram a paz em 1786, mas não suspenderam totalmente as investidas contra os portugueses. Em 1835, voltam à luta ao se aliarem aos cabanos. Muras e tapuios fazem da Cabanagem um espaço de reconstrução da liberdade perdida e de apropriação de poder. No caso dos muras, o desejo por liberdade custou muitas vidas e sofrimentos. Segundo Moreira Neto (1988), o ponto culminante dos conflitos entre os muras e a sociedade regional foi a sua participação na Cabanagem, ao lado dos rebeldes (Cf.110). Diz ainda que "provavelmente, nenhum dos grandes grupos indígenas da Amazônia pagou preço maior do que os muras ao esforço contínuo de dizimá-los e de expulsá-los de suas praias e lagos tradicionais" (p. 110). A partir de 1863, os muras deixam de ser citados nos relatórios oficiais, o que significa o não envolvimento em conflitos. É o que atesta o autor: "a subtribo mura, os mura-pirarrã, que eram considerados, no século XIX, como os mais arredios e agressivos membros do grupo e que permanecem, ainda hoje, monolíngues e em estado de isolamento"(p. 113). O modo como descreve os muras, no entanto, parece indicar uma resistência que não se extinguiu, mas que apenas se expressa em linguagem diferente que cultiva obstáculos à comunicação com os brancos. Atualmente, a única língua mura conhecida é a pirarrã, tendo sido todas as outras variantes extintas.

Cosmologia e Religiosidade[editar | editar código-fonte]

As suas características com relação a religiosidade e os aspectos espirituais são escaços, a princípio foram considerados como povo sem "lei" e sem religiosidade, mas com o progressivo contato com o "homem branco" ocorre a prática do cristianismo entre a população desta etnia.

Aspectos Culturais[editar | editar código-fonte]

Em decorrência dos dois séculos de intenso e violento contato com a sociedade regional; do forte processo de miscigenação da difusão de bebidas alcoólicas, etc., Os Mura foram sendo progressivamente absorvidos pela civilização com as vantagens e desvantagens que tal processo comporta, perdendo muito dos seus costumes originais.

Com base nos dados lingüísticos e localização geográfica, a tribo dos Pirahã assim como os Torá são conhecidos como subgrupo Mura. Neste informativo enfocaremos aspectos culturais do grupo Pirahã por terem maiores informações sobre eles e por estes não cedido ao contato permanente com os brancos, mantendo-se afastados dos núcleos regionais. Os Mura não tiveram o mesmo destino, dispersos em povoações regionais.

Rodrigues & Oliveira (1 977:10) chama a atenção para o fato da ergologia Mura Pirahã apresentar poucos elementos culturais quando comparada, por exemplo, com a dos índios do Alto Rio Negro (AM), os do alto Xingu (MI) e os próprios Munduruku (AM e PA) com quem tanto os Mura brigaram no passado e dos quais os Pirahã ainda tem lembranças, o que pode ser causado por duas possibilidades: a) perda de traços culturais face ao contato experimentado com os regionais, vítimas que foram da dominação de elementos da sociedade nacional e, também, com outros grupos tribais, como é o caso, por sinal, do uso do tabaco do paricá; o qual era lançado em pó dentro da caçoleta do cachimbo, sendo que o que se destina a tomá-lo, com as suas próprias mãos aplica a caçoleta a uma das ventas, enquanto outro assopra o tabaco com força pelo local, vindo por este modo a ser tão violento o efeito do tabaco assoprado que, a primeira assopradela, basta para os alienar dos sentidos e promover uma extraordinária descarga da pituíba (Ferreira, 1974:63), e que atualmente não mais é encontrado, b) conseqüência de um tipo específico de estrutura social e econômica pois os Mura-Pirahã, tal qual faziam os Mura há dois séculos, continuam a passar grande parte de seu tempo viajando em canoas, deslocando-se da terra firme para as praias que surgem na época das secas, sendo antes pescadores, caçadores e coletores do que agricultores, o que parece ter impedido o seu estabelecimento em aldeias mais ou menos fixas e, consequentemente, o surgimento de um material tecnológico mais elaborado (Rodrigues & Oliveira, 1977:12).

A organização social dos Mura é baseada em famílias extensas matrilocais. Antigamente o casamento geralmente era realizado com a prima cruzada e nesta ocasião, o homem simulava o roubo da mulher. Atualmente há um alto grau de miscigenação com a população regional.

Outra informação é que evitavam pronunciar o próprio nome e o de seus irmãos; não usavam termo de parentesco e utilizavam o nome próprio.

Atualmente, somente alguns elementos apresentam caracteres indígenas marcantes, e de um modo geral possuem estatura mediana. Apesar do alto grau de miscigenação, resultante do contato contínuo, não eliminaram-se totalmente as diferenças de ordem cultural. Os Pirahã mantêm a língua própria e o “modus vivendi” que os difere da população que os cerca. Observamos que entre os Mura os laços matrimoniais sucedem-se entre índios de etnias diversas, incluindo não índios.

Conhecimento e Atividades Produtivas[editar | editar código-fonte]

A economia dos Mura, embora orientada para subsistência, é marcada, em diferentes graus, por atividades de trabalho e comércio mais amplas: venda de farinha, participação nos empreendimentos realizados por barcos pesqueiros ou de ecoturismo, bem como extração de madeira e palha para a comercialização nas cidades. Tais atividades ocupam de forma variada a população das aldeias. Diferentes comunidades formam diferentes perfis econômicos, num gradiente que vai daquelas mais voltadas à atividade de extração e comercialização da madeira, àquelas mais voltadas às atividades agrícolas e comercialização das frutas regionais. De modo geral, as aldeias mura forneceram tripulantes para as embarcações ou pescadores para os barcos de pesca comercial e turismo ecológico.

Em sua história recente de contato com a sociedade nacional, os Mura protagonizaram o papel do trabalhador semi-escravo, que vende sua força de trabalho e a terra em troca de assistência à saúde e mercadorias manufaturadas, em uma série de ciclos econômicos que marcaram toda a Amazônia. O tipo de relação de trabalho que se impôs historicamente aos Mura, distante do assistencialismo e da tutela do governo federal e totalmente à mercê da exploração inescrupulosa dos patrões e regatões, passa, no final do século XX, a se reproduzir internamente nos relacionamentos que se dão entre as lideranças e as comunidades mura.

Na divisão do trabalho, os homens caçam pescam e abrem o terreno para as roças novas e para a ampliação das plantações. Crianças e mulheres abastecem de peixe as refeições diárias, que podem ser intercaladas por carne de caça eventualmente obtida pelos homens. Os meninos se iniciam muito cedo nas caçadas na TI Cunha-Sapucaia, acompanhando os pais nas trilhas de caça que são do domínio de cada família.

Nas comunidades mais voltadas para as atividades madeireiras, são os homens que penetram na mata em busca da madeira sendo, no entanto, auxiliados pelos jovens e crianças, que auxiliam de maneira geral as demais tarefas. As mulheres são responsáveis por cuidar das roças. Toda a comunidade participa da colheita de castanha-do-pará. Para a comercialização do excedente, seguem a divisão por unidades familiares.

Os Mura combinam atividades de naturezas diversas para garantir seu sustento. A base alimentar é o pescado, encontrado com facilidade nos igarapés e rios da região, que é consumido assado ou cozido com a farinha de mandioca, produzida por cada unidade familiar, em casas de farinha comunitárias (geralmente de propriedade de uma família extensa). Consomem ainda café, açúcar, arroz, macarrão, sal e bolachas, itens adquiridos na cidade. Também são adquiridos medicamentos, roupas, o combustível e ferramentas.

As roças mura, em geral, são replantadas em local diferente do anterior a cada dois ciclos de colheita. Os derivados de mandioca são amplamente consumidos durante o ano todo. As aldeias possuem ao menos um equipamento para a produção da farinha, embora o desejado seja que cada família extensa possua sua própria casa de farinha. Em suas roças, plantam diversos tipos de mandioca, bem como outras raízes e tubérculos que equilibram e completam com nutrientes necessários a sua dieta alimentar.

Os Mura são hábeis pescadores e caçadores. Apreciam os peixes - jaraqui, a traíra, o tucunaré, o matrinxã - e carnes de caça, tais como: anta, veado, porco caititu, macaco prego, guariba, jaboti, queixada, cotia, mutum e aracuã. Tais atividades são praticadas em moldes tradicionais, mas não deixam de fazer uso de tecnologias incorporadas dos regionais. A pesca é feita com flecha, zagaia e anzol. Na caça utilizam cachorros. Apenas alguns moradores possuem espingarda.

A coleta de variados tipos de castanha destaca-se como uma das principais atividades de todas as comunidades. São muito apreciadas e completam sua dieta alimentar, juntamente com as diversas frutas encontradas na região, tais como, açaí, amapá, babaçu, bacaba, buriti, piquiá, tucumã, uixi; bem como as frutas de casa plantadas nas proximidades das habitações, como abacate, abacaxi, acerola, banana, cacau, café, caju, cana, carambola, coco, cupuaçú, goiaba, jaca, jambo, jenipapo, jutaí, laranja, lima, limão, mamão, manga, maracujá, pupunha e melancia.

A atividade extrativa constitui uma prática tradicional dos Mura, que antecede e supera em importância a agricultura. Foi com a coleta e venda da castanha-do-pará que os Mura desenvolveram os mecanismos para lidar com o mercado de consumo. A experiência adquirida é empregada na venda da madeira, produto mais requerido pelo mercado local. Com decadência da era da castanha-do-pará, registrou-se o crescimento das atividades madeireiras e pastoris ao longo de toda a região.

Alegando uma baixa produtividade dos castanhais da região, os Mura vem gradativamente complementando sua oferta de castanha-do-pará ao mercado regional com outros produtos, dentre os quais a madeira é o que obtém aceitação certa e melhor preço. O extrativismo envolve uma série de agentes que participam da vida do grupo social e são elementos importantes para compreendermos a dinâmica destas sociedades. Tais mecanismos consistiam, antes da homologação das Terras Indígenas Mura, na aliança com um ou mais barcos de regatões, com os quais selavam pactos de exclusividade de comércio.

Situação territorial e Organização Social/Política[editar | editar código-fonte]

Devido à ampla mobilidade e dispersão dos Mura em um vasto território, as contagens populacionais globais são altamente imprecisas e difíceis de serem realizadas. A reunião dos levantamentos publicados pela Funai, produzidos no âmbito dos processos de regularização fundiária, conduzidos entre 1991 e 2008, apontam para uma população aproximada de 9.300 pessoas habitantes de Terras Indígenas.

Este cômputo, entretanto, não incorpora a população de aldeias e Terras Indígenas cujos processos demarcatórios ainda não foram concluídos, nem sequer os habitantes de centros urbanos, o que vem a dificultar, ou mesmo impedir, o planejamento de políticas públicas adequadas de atendimento à população mura, tanto nas aldeias quanto nas cidades.

A extensiva presença dos Mura no sistema hidrográfico do rio Madeira confirma um padrão de moradia que dá preferência ao habitar ribeirinho, garantia de subsistência e da mobilidade dos segmentos de grupos. Os depoimentos dos moradores sobre o padrão de moradia no início do século desenham uma ocupação dispersa dos núcleos familiares pela vasta área dos lagos e igarapés. A concentração da população mura em aldeias, tal como se apresenta hoje, foi fato historicamente constituído por intervenção do SPI e data provavelmente das duas primeiras décadas do século XX.

A opção de moradia dos Mura junto aos lagos é um traço cultural tradicional, que também esteve condicionado a injunções históricas. Originalmente, estes exímios pescadores e navegadores do Madeira encontravam farta provisão nos lagos e furos, de onde provinha o abastecimento de peixes e tartarugas. Razões históricas elencadas nos itens anteriores, que envolvem a escravidão e o extermínio, levaram os Mura a buscar refúgio e proteção nos lagos e igarapés distantes das grandes vias de comunicação fluvial, onde a colônia marcava presença cada vez mais ostensiva e opressiva frente aos nativos da região.

As aldeias mura contemporâneas caracterizam-se por um conjunto de habitações que não ultrapassa trinta unidades residenciais, dispostas nas terras altas ao longo dos lagos ou dos igarapés principais. A vida útil de uma aldeia mura é relativamente pequena: novos núcleos de povoação do território substituem as aldeias antigas, que são abandonadas até nova ocupação. Ao longo da vida, um indivíduo mura chega a construir mais de dez casas em um mesmo território de ocupação.O grau de proximidade e troca entre os moradores e as aldeias mura é determinado por afinidades baseadas no parentesco e na vida política. Os arranjos políticos envolvem na maioria das vezes acordos no aproveitamento dos recursos naturais de área mantida sob a influência das lideranças das aldeias principais. A mobilidade mura, deste modo, não deve ser confundida com o uso desregrado de uma territorialidade genérica e indeterminada.

Ao contrário do isolamento, os Mura estão envolvidos em amplas redes de relações multilocais que extrapolam os limites da aldeia e da Terra Indígena. Participam desta rede não apenas os moradores das comunidades mura, como também os parentes que vivem nos municípios da região, tais como Itacoatiara, Borba, Autazes e inclusive Manaus.

Referencias[editar | editar código-fonte]