Wikinativa/Natália Fiorante Breda (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)

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Introdução[editar | editar código-fonte]

Este ano, 2018, tive a oportunidade incrível de fazer parte de um projeto muito enriquecedor, a Vivência Guarani. Tudo começou com as aulas teóricas no início do segundo semestre, para que pudéssemos conhecer os povos originários do Brasil e entender melhor como acontece a luta desses povos no dia a dia. Então, as aulas teóricas serviram como uma fonte de aprendizado para os dias da imersão, de forma que seríamos capazes de sentir o que é estar no lugar do outro e, assim, despertando um interesse maior para lutar ao lado deles. Neste caso, em específico, conhecemos os indígenas da Etnia Guarani e passamos por duas vivências, aldeias Tenondé Porã e Yvy Porã (ambas no Pico do Jaraguá) e a aldeia Rio Silveiras (localizada no município de Bertioga), que serão explicitadas a seguir.

Vivência - Aldeias Tenondé Porã e Yvy Porã (Pico do Jaraguá)[editar | editar código-fonte]

Ao chegarmos ao Pico do Jaraguá, passamos para conhecer os núcleos e a primeira impressão, perante os núcleos que estavam mais próximos do contato urbano, foi de um lugar precário, seja pela quantidade de animais que são abandonados por lá ou pelo tamanho diminuto do território que ocupam (menor área de demarcação do país),e também com falta de saneamento básico. Tal fato me causou um espanto, pois os indígenas estão tão perto de nós e, no dia a dia, quase não lembramos deles. Sem contar que ainda são poucos os grupos que realizam projetos em prol desses povos, cuja importância é imensa, afinal, eram eles que estavam aqui à época do "descobrimento do Brasil" e são eles que detém da maior fonte de conhecimento natural (indo desde as plantas medicinais até a espiritualidade e simplicidade no modo de viver). Foi neste momento que pude entender a grandiosidade do projeto realizado pela EACH-USP, para com os povos guaranis.

Nos estabelecemos no quinto núcleo no Alto do Jaraguá, criado há pouco tempo e que tem maior contato com a Mata Atlântica -se comparado aos outros núcleos dessa região-. O objetivo dessa vivência era ajudar na última etapa do projeto da construção da casa de reza (Opy), cuja importância é muito grande para os povos indígenas, afinal, é o local em que eles mergulham no modo de ser guarani, portanto, é um local de aprendizado e resistência.

Alunas da EACH-USP ajudando no Barreamento da Casa de Reza, Aldeia no Alto Jaraguá.

Dessa forma, nosso grupo ajudou a fazer o barreamento da casa de reza. Foi uma experiência muito divertida e conseguimos cobrir a Casa de Reza em uma dia de trabalho, além do fato de termos ajudado também na limpeza e construção do caminho que nos leva até a Opy. Essa experiência, por mais que tenha sido simples, me fez refletir sobre várias coisas. Como por exemplo, o sentimento de coletividade que, devido à correria de se viver em uma cidade grande, como é o caso de São Paulo, muitas vezes, infelizmente, deixamos de lado e o que passa a nos ocupar é o sentimento individualista. Além disso, pude notar a receptividade da comunidade que contribuiu muito para que o grupo se sentisse mais confortável e, assim, pairasse o sentimento de felicidade. E foi justamente isso que aconteceu, enquanto eu estava ajudando a formar o barro, lembro de parar por um instante e sorrir, simplesmente pois eu estava em contato com pessoas incríveis que estavam realmente felizes por estarem alí e que estavam dispostas a ajudar no que fosse preciso. Isso foi uma confirmação do que eu pensava sobre energias, isto é, quando emanamos sentimentos bons para o universo, ele nos retribui da mesma forma (ou até mais intenso). Então, naquela tarefa do barreamento me senti altamente completa e feliz, por inteiro, por estar participando da minha primeira Vivência Guarani.

Vivência - Aldeia Rio Silveiras (Bertioga)[editar | editar código-fonte]

Guarani, Fabiano Kapaxy Tupy, com sua flauta - Foto tirada por Marina Marquês, aluna da EACH-USP.

Nós chegamos na Aldeia Rio Silveiras, dia 11/10/2018 e por volta das 18h 30min da noite, então não tivemos muitas atividades neste dia. Apenas montamos as barracas na antiga casa de reza, local oferecido pelo Cacique Mariano, e fomos à reza que já estava acontecendo. Em um primeiro momento, acabou sendo uma sensação diferente, pois não sabíamos o que estava acontecendo (por exemplo, se podíamos ou não participar dos cantos ou das danças), mas que tal sensação se transformou em algo muito acalentador para o coração. Como assim? É uma sensação difícil de ser expressa em palavras, pois é algo verdadeiramente vivenciado. Isto é, as músicas tocadas dentro da casa de reza, as danças acompanhando o som da música e a voz potente de quem estava cantando, nos proporciona uma mistura de sentimentos. Alguns conseguiam meditar, outros ficavam muito felizes e outros até sentiam uma sensação de alívio. É como se fosse uma experiência de conexão consigo mesma, um momento de autoconhecimento proporcionado pela batida do coração ao som da musicalidade do ambiente. Além disso, depois desse momento de cantos e danças, tivemos uma conversa com o Cacique Mariano, com o Pajé Liveis e a responsável pela medicina da aldeia, Lourdes. Todos se mostraram muito receptivos, assim como foi o caso da visita à Aldeia do Jaraguá, e nos ofereceram a atual casa de reza para que pudesse ser feita de dormitório, uma vez vez estava escuro e também estava chovendo (ambos os fatos dificultariam na montagem das barracas). Neste momento, consegui ver a empatia dos guaranis da aldeia, uma vez que nos ofereceram espaço para dormir em um dos lugares mais sagrados e importantes para eles, a casa de reza.

No dia seguinte, dia 12/10/2018, a chuva tinha dado uma trégua e conseguimos fazer algumas atividades pela tarde. Primeiro foi o passeio à cachoeira e depois as atividades com as crianças. Como eu fazia parte do grupo de Lazer, já havíamos planejado algumas atividades previamente. Contudo, algumas das brincadeiras pensadas não ocorreram da forma planejada, mas, no final das contas, aconteceram exatamente como deveriam ser. Eu senti um momento de conexão muito forte com as crianças enquanto estávamos lá brincando de pular corda, de jogar bola, correr um atrás do outro e as atrapalhadas durante a corrida de saco. Podíamos ver uma energia vindo dessas crianças e que tal energia se transmitia para nós, e nos deixava ainda mais animados. Esse momento de integração foi extremamente importante e um dos que mais tocou meu coração, simplesmente por estarmos brincando na lama e voltando a ser criança. É como se tivéssemos encontrado a felicidade naquele lugar.

Além disso, nesse mesmo dia, só que por volta das 18h, fomos novamente para casa de reza (evento que ocorre todos os dias) e a sensação foi ainda mais intensa, pois depois dos cantos e danças, tivemos contato com Thiago (liderança indígena do Jaraguá) e um representante do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), que nos proporcionaram várias reflexões, embora tenha sido um momento destinado aos indígenas daquela aldeia, para que pudessem pensar, em conjunto, formas de resistência, perante possíveis vitórias eleitorais. Durante a conversa com esses representantes, pude notar a força e a garra, dos guaranis, na luta em busca de seus direitos fundamentais. Afinal, pelo fato de grande parte do congresso ser composta por membros da bancada ruralista, pautas que são de extrema importância para os povos originários são deixadas de lado. Ou pior, sugerem projetos de leis, como o caso da PEC 215, que daria ao legislativo o poder de demarcação das terras indígenas, portanto, não seria mais uma decisão do executivo, algo que é extremamente problemático, uma vez que grande parte da bancada, como foi dito anteriormente, é composta por ruralistas que almejam o desenvolvimento acima de tudo. O ISA (Instituto Socioambiental) também produziu um relatório mostrando os impactos para as comunidades indígenas se caso uma lei dessa fosse aprovada. O mais interessante, é que Thiago estava em Brasília, junto com várias outras etnias do Brasil todo, no momento em que esta PEC estaria para ser aprovada. E ele nos contou, por meio de um relato pessoal muito intenso, que quando estavam para assinar a PEC, os grupos indígenas de diversas etnias que estavam por lá começaram a cantar em uma mesma sintonia e que, depois de algum tempo, levou a uma chuva super forte, fazendo com que a luz se acabasse, e, então, impedindo que a PEC fosse assinada naquele dia. No momento em que escutamos isto que aconteceu, ficou mais nítido ainda que Nhanderu, estava alí para protegê-los e regá-los com muita força advinda do universo.

Grupo estava indo para a cachoeira e ao rio Silveiras - Foto tirada por Elisa Lima Villamea Cotta

No terceiro dia, 13/10/2018, havia parado de chover e estava muito calor. Tal fato, acredito que fora um presente de Nhanderu, possibilitou uma experiência incrível à cachoeira e ao rio Silveiras. Percorremos um caminho pela estrada de terra e ao chegarmos no núcleo mais afastado, cuja liderança mór é o Cacique Adolfo (liderança de todos os núcleos da Aldeia Rio Silveiras), adentramos em um pedaço de Mata Atlântica preservada, inclusive, as terras indígenas são as áreas mais preservadas do país, por conta dessa conexão e respeito que eles têm para com a natureza.

Momento de diversão no rio Silveiras - Foto tirada por Leticia Men dos Passos

O caminho foi um pouco difícil, mas a retribuição foi maravilhosa e a imagem ao lado consegue mostrar, pelo menos um pouco, a beleza deslumbrante do local. Durante o momento que estávamos tomando banho de rio, fomos convidados a experimentar a aplicação de rapé, muito tradicional e sagrada dos povos indígenas. Nos explicaram que é uma forma de eliminar sentimentos e coisas ruins que podem haver dentro de você e que, por isso, cada um teria uma reação pós aplicação. No meu caso, em específico, senti o corpo extremamente relaxado e foi quando consegui me reconectar, mais uma vez, comigo mesma. Senti uma sensação de equilíbrio e calma, que se intensificaram ainda mais por estar em um ambiente repleto de natureza. Com certeza essa experiência me marcou de um modo muito positivo. Depois de voltarmos do passeio, também fomos à casa de reza durante o entardecer e foi, novamente, muito enriquecedor e muito intenso, pois naquela noite teve os cantos e danças dos Xondaros e Xondaras (guerreiros e guerreiras, respectivamente).

Já no último dia, 14/10/18, a chuva voltou com força total e não conseguimos fazer muitas atividades. Mas de todo o modo, tivemos o contato com os moradores de lá e que, nos proporcionou, uma paz ao voltarmos para casa. Fiquei alguns dias refletindo sobre tudo que vivenciei durante o período da imersão e descobri uma força que eu não sabia que existia em mim, ligada a uma vontade ainda maior de lutar ao lado deles pela causa indígena.

Conclusão[editar | editar código-fonte]

Os aprendizados proporcionados durante as aulas teóricas e as duas vivências, foram inúmeros. Indo desde o modo simples de viver, o senso de coletividade, o modo que o tempo é tratado (marcado pelas condições do dia e não por um relógio ou cronograma), o jeito alegre e leve de levar a vida, além da força para lutar em prol de seus direitos fundamentais. Portanto, por mais que eu escreva um relatório como este, contendo a minha experiência durante a vivência, ainda sim não seria capaz de expressar o que foi por inteiro, isto é, só vivendo o momento para compreender melhor. Por último, se eu tivesse que expressar em uma única palavra tudo que vivi neste semestre, proporcionado pela matéria "ACH3787 - Seminários de Políticas Públicas Setoriais 2 - Multiculturalismo e Direitos ("SMD 2")", seria, AGUYJEVETE (Gratidão).