Wikinativa/Rafael Amorim (vivencia Guarani 2018 - relato de experiência)
Introdução
[editar | editar código-fonte]A experiência de passar quatro dias em uma aldeia indígena no litoral de São Paulo, proporcionada pela disciplina ACH3787 - Seminários de Políticas Públicas Setoriais VI foi impactante e marcante em diversos aspectos.
Primeiramente, considero a imersão impactante por poder conhecer uma cultura tão diferente da cultura imposta e estruturada no Brasil, mesmo após séculos de dominação europeia. Apesar de, obviamente, bastante influenciada pela presença do homem branco, a Aldeia Rio Silveiras mantém, na medida do possível, diversos aspectos tradicionais.
Para mim, que somente há pouco mais de um ano fui pesquisar a fundo a história de minha tataravó de origem indígena, o sentimento foi um misto de reconexão, entendimento e até mesmo arrependimento de não ter me aproximado desse tema anteriormente.
Em segundo lugar, foi uma experiência marcante ao considerar que aquela comunidade existe e resiste há tantos séculos, mesmo com tanta interferência da cultura eurocêntrica que continua tentando impor seus costumes aos povos originários.
A Vivência na Aldeia Guarani Rio Silveiras
[editar | editar código-fonte]Os quatro dias de permanência na aldeia foram bastante chuvosos, e uma das maiores lições que o grupo absorveu é que não se pode planejar rigorosamente uma estadia em um local que possui suas próprias regras esperando que esse planejamento se cumpra.
Observamos uma constante troca de prioridades e readequação da agenda de atividades, o que a primeira vista pode parecer frustrante, mas que ao fim se mostra verdadeiramente simbólico. Fica a reflexão de que não podemos definir cronogramas e atividades a uma comunidade que não necessita do controle de tempo e dias como nós, que somos dependentes do calendário e do relógio para todas as nossas atividades cotidianas. O cotidiano da aldeia não é o cotidiano da cidade. E isso foi, até certo ponto, reconfortante para refletirmos que podemos sim enxergar o mundo de uma maneira mais serena.
Quando chegamos na aldeia, próximo das 19h, a cerimônia na casa de reza estava prestes a começar, e por isso fomos diretamente para lá com as malas e barracas. Já aí foi uma experiência bastante marcante, com uma demonstração de fé e união que há tempos não presenciava. Além disso, chama a atenção a liberdade que os integrantes da aldeia tem dentro da casa de reza, com todos podendo participar dos rituais e músicas de maneira horizontal, enquanto as crianças brincavam e corriam pelo espaço. Ali, diante do deus Nhanderu, todos são realmente iguais e estão na mesma condição.
Essa mudança de cronograma refletiu na organização do nosso grupo, que ficou responsável pela instalação da padaria e produção de pães. Após encontros, desencontros e dúvidas a respeito do local em que seria instalado o forno comprado, conseguimos no segundo dia à tarde a produção dos primeiros pães franceses. Como o forno foi instalado em um núcleo mais afastado do “núcleo da porteira”, onde ficamos acampados, fizemos o trajeto de carro, com oito (!) pessoas distribuídas inclusive no porta-malas, o que foi um alívio para os pés cansados e cheios de lama e garantia de algumas risadas durante o percurso.
Ao chegarmos no local, a massa já estava pronta, tendo sido feita por um dos indígenas do local, que nos ensinou a melhor forma de abrir e preparar a massa antes de ser colocada no forno. Apesar das dificuldades, com a fiação não comportando a potência do forno e as dúvidas a respeito do preparo, os pães ficaram ótimos.
No dia seguinte, sábado (13/10/2018), a chuva deu uma trégua e fizemos a trilha até o rio Silveiras, em uma incrível paisagem. Foi com certeza um dos pontos altos da vivência, onde foi possível relaxar nas águas cristalinas do rio. Além disso, tive a primeira experiência com o rapé, considerado terapêutico. Algumas pessoas tiveram reações mais fortes, mas eu tive uma boa experiência, com uma sensação difícil de explicar, mas que certamente remete à limpeza espiritual. Saí de lá mais leve e tranquilo.
Como a visita se deu durante o período de campanha eleitoral, o assunto permeou boa parte das conversas, com os indígenas demonstrando preocupação a respeito da eleição de Jair Bolsonaro, que veio a se confirmar dias depois. Porém, foi possível observar que a Aldeia Rio Silveiras é bastante organizada inclusive politicamente, através da figura do Cacique Adolfo, que tem posições claras e disposto a inclusive ajudar outras aldeias em processos de demarcação, que aparentemente ficarão mais difíceis de acontecer.
Conclusão
[editar | editar código-fonte]Apesar dos problemas enfrentados pela chuva, que prejudicou boa parte das atividades programadas e até mesmo o convívio com os indígenas, já que tivemos poucos momentos de interação, considero a experiência positiva, que me fez retornar às minhas raízes e compreender melhor a cultura, o orgulho e principalmente a luta desse povo.
Por isso, mais do que impactante e marcante, a vivência na Aldeia Rio Silveiras serve como referência do que queremos e podemos fazer para constantemente evoluirmos tanto individualmente quanto coletivamente.