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Wikinativa/Suiá

Fonte: Wikiversidade

Os Suiás (ou Kisêdjê) constituem o único grupo de língua Jê que habita o Parque Indígena do Xingu. Desde a sua chegada na região, que foi provavelmente na segunda metade do século XIX, seu contato com outros povos xinguanos e com aqueles da chamada área cultural do Alto Xingu, ocasionou a incorporação de diversas tecnologias e costumes alheios. Entretanto, jamais abandonaram sua singularidade cultural, cujo principal característica pode ser reconhecido num estilo particular de canto ritual, expressão máxima das individualidades e do modo de ser da sociedade Suia.

Suiá
População total

330

Regiões com população significativa
Terra Indígena Wawi e Norte do Parque Indígena do Xingu
Línguas
Religiões

História e Mitologia

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O primeiro fator para se começar a entender a história e a dinâmica cultural Suia é sua mitologia. A sociedade Suia foi formada por uma série de episódios envolvendo seres humanos, diferentemente de algumas sociedades indígenas, tais como as do Alto Xingu, fundadas por um criador ou por um herói cultural.

A sociedade Suiá ganhou forma através da apropriação de traços específicos de animais e inimigos indígenas. Assim, o milho (e a técnica de plantação) foi obtido do camundongo; o fogo (e a técnica de cozinhar) foi obtido do jaguar; e o sistema de nomeação de cada integrante da sociedade foi obtido de um povo inimigo que vivia abaixo do dolo . Os Suiá dizem que mais tarde encontraram um grupo indígena parecido com eles mesmo, que escarificavam seus corpos, usavam discos labiais, mas que eram canibais, assim incorporam este novo costume também. As canções foram aprendidas de inimigos míticos. Como consequência, a visão que os Suiás têm de si mesmos é de uma sociedade formada pela apropriação de características bons e bonitos de outros seres.

Os Suiás concordam que, em um passado distante, vieram do nordeste; mais precisamente na região do Maranhão ou norte do Tocantins. Em seguida moveram-se em direção a oeste, atravessando o Rio Xingu para o Tapajós, onde enfrentaram uma série de tribos grupos indígenas, incluindo os Munduruku e os Krenakarone. Sempre lutando, deslocaram-se ao sul. Em um determinado lugar, os Suiás dirigiram-se ao leste, em sentido ao Rio Batovi, e entraram em contato com a região do Alto Xingu. Um outro grupo dos Suiás, posteriormente conhecido como Tapayuna, moveu-se eventualmente em direção aos Rios Sangue e Arinos, aonde foi pacificado em 1969.

O primeiro contato com os Suiás com a sociedade não indígena provavelmente se deu por meio da expedição do alemão Karl Von Den Steinen, entre 3 a 6 de setembro de 1884, quando acamparam às margens do Rio Xingu, no lado oposto à aldeia. A descrição do cientista enfatiza a diferença dos Suiás em relação a outros grupos de mesma região. Ele os descreve como pintados de vermelho e preto, pobre em artes, dormiam no chão, com casas pequenas e uma cultura material simples, e a “casa dos homens” sem parede no centro da aldeia, característica também diferente do Alto do Xingu. Os Suiás contaram que seus avós chamavam os brancos de “povo de pele grande”, pelo motivo das roupas caírem folgadamente sobre seus corpos.

Não existe uma data precisa para a chegada dos Suiás na região do Xingu. A partir do comentário de alguns deles, estima-se que ocorreu na primeira metade do século XIX. Como consequência de suspeita de feitiçarias (causadora de doenças) e ataques, deslocaram-se para o norte rumo a foz do rio Suyá-Missu. Ali os Suiás lutaram contra os Manitsaua e capturaram as mulheres e crianças Iarumã (grupos hoje extintos), que foram incorporadas às aldeias, e os rios Manitsaua-missu e Suyá-missu ficaram livres para os Suiás.

Os Juruna e os Kayapó setentrionais entraram na região no final do século XIX pelo norte, pressionados pela expansão dos brancos. Ambos atacaram os Suiás. Transferiram-se, então, para uma região acima no rio Suyá-missu. Percebe-se que sua participação na vida xinguana diminuiu bastante nesse período. Desta primeira aldeia no Suyá-Missu, recorda-se como o lugar onde eles adotaram definitivamente as redes de dormir (antes o faziam em esteiras) e como o lugar onde certas mulheres xinguanas capturadas ensinaram às mulheres Suiás uma importante cerimônia feminina do Alto Xingu, Yamuricumã, que dá o nome ao local da aldeia.

Apos sofrer novos ataques, os Suiás deslocaram-se mais para cima no Suyá-Missu, perto da foz do Rio Wawi. Sua nova aldeia era maior, com duas "casas de homens", construída no modelo jê. Ela foi atacada por um grupo Juruna e seringueiros armados, sendo completamente destruída. Os Suiás então abandonaram a área. Alguns sobreviventes foram viver com parentes e aliados na aldeia Kamaiurá; outros moveram-se mais acima ainda no Suyá-Missu para escapar de outros ataques dos Juruna. Este período é lembrado como de intenso contato com o Alto Xingu e como sendo bastante influente na absorção das características do Xingu para os Suiás.

Posteriormente, resolveram reunir-se de novo numa nova aldeia, mas um grupo de Suiás sofreu um outro ataque dos Kayapó setentrionais. Isto causou uma falta de mulheres e os Suiás atacaram os Waurá para capturar possíveis esposas. Retiraram-se então para um labirinto de pequenos rios, onde ficaram isolados de qualquer contato com outros grupos da região.

A vida no parque

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Em 1959, os irmãos Villas Bôas mandaram um grupo Juruna fazer contato pacífico com os Suiás. Eles referem-se a esse período como o tempo em que "os brancos vieram nos procurar". Pouco tempo depois, moveram-se para mais perto do Posto Indígena Diauarum, por sugestão dos irmãos Villas Bôas, com objetivo de receber melhores cuidados médicos. Foi nesse período que receberam visitas dos etnólogos Harold Schultz e Amadeu Lanna.

Na região de Diauarum eles encontraram seus antigos inimigos: os Trumai, os Jurunas, os Metuktire e os recém chegados Kaiabi. Construíram uma aldeia de estilo xinguano e muitos homens se casaram com mulheres Trumai. Tais casamentos foram diferentes das incorporações anteriores de cativos porque foram os homens Trumai que vieram viver com suas esposas Suiás na tribo. Mais tarde, também foram feitos casamentos com homens Juruna e Kaiabi. Os Suiás passaram a realizar uma série de cerimônias dos outros povos. Na década de 60, os jovens passaram a cortar os cabelos no estilo característico alto-xinguano, o uso dos discos auriculares e labiais foram abandonados e as orelhas passaram a ser perfuradas também em estilo alto-xinguano. A morte de muitos homens Suiás de mais idade nos primeiros anos que seguiram ao contato foi um fator importante nessa "xinguanização" subsequente, pois não haviam sobrado muitos adultos e velhos Suiaápara dar continuidade das realizações dos ritos de passagem jê.

A aliança entre os Suiás e os Trumai acabou quando um Kaiabi matou um Trumai que era casado com duas mulheres Suiás. Como resposta, os Trumai mudaram-se para próximo ao posto Leonardo, que era mais distante, e os Suiás mudaram-se para uma nova aldeia mais acima no Suyá-Missu. Foram solicitados novamente para que se mudassem para perto do Diauarum com objetivo de facilitar os cuidados médicos. Então construíram uma aldeia que abandonou todos os aspectos jê e xinguano: não era circular e não havia uma "casa dos homens". As casas foram construídas com pequenos troncos de árvores na vertical no estilo do posto indígena, tendo na aparência uma certa semelhança com as aldeias Kaiabi.

No ano de 1969, em razão de um desastroso contato com os pacificadores (brancos), 41 sobreviventes da tribo Tapayuna (ou Suias Ocidentais, conhecidos como Beiço-de-Pau) foram removidos de suas terras para juntarem-se aos Suias no Xingu. Mais dez membros deste grupo morreram logo depoisa mudança, em razão de várias doenças. Na perspectiva dos Suias Orientais, as semelhanças culturais de ambos os grupos, Suias e Tapayunas, mudaram consideravelmente o estilo de sua cultura. Os Tapayuna falava, olhavam e agiam como os ancestrais dos Suias. Consequentemente, os Suias sentiram-se mais fortes e com mais vida. Um ano após, uma nova aldeia foi construída no padrão jê, havia círculos de casas em torno de uma grande praça, na qual se encontrava uma "casa dos homens". Os Suias e os "novos Suias", contaram uns aos outros seus mitos e tradições e os comparavam; narravam as cerimônias e descobriram vários pontos em comum.

Mas a atitude dos Suias em relação aos recém-chegados era ambígua. Ao mesmo tempo em que eles eram autênticos Suias, eram considerados também como “não civilizados” por desconhecerem as tecnologias e os costumes de outros povos da região do Xingu. Por exemplo, eles não sabiam processar a tubérculos como a mandioca no estilo xinguano, nem como construir ou remar canoas, e falavam de maneira estranha e arcaica, apesar de usarem a mesma língua. Por essa razão, eram tratados com humor e eram ensinadas as novas tecnologias aos Suias.

No ano de 1980, finalmente, os Tapayuna se sentiram suficientemente fortes para construir a sua própria aldeia, acima da confluência do rio Suyá-Missu, na margem direita deste; ficando, entre os Suias Orientais, apenas alguns orfãos e os adultos que se casaram com membros do grupo. Porém, um Tapayuna foi morto pelos Suias e, temerosos de mais assassinatos, os Tapayuna que restaram foram morar com os Metuktire, com quem permanecem até os dias de hoje (Cf. Lea, 1997).

A adoção seletiva de características culturais de outros povos que pontua a história dos Suias está fundamentada na mitologia desse povo (e também na mitologia da maioria das sociedades Jê). Assim como nos traços, mitos e tecnologias indígenas são também adotadas numa continua apropriação seletivas do que lhes parece bom e útil.

No caso do Alto Xingo, os Suias aprenderam boa parte de sua tecnologia, sem abandonar a própria. Logo no começo, como dito, eles adotaram as técnicas alto-xinguanas da preparação da mandioca. Com o convívio das mulheres Suias com as mulheres Waurá capturadas, aprenderam a fazer panelas de cerâmica, assim como esteiras para o preparo de alimentos com a mandioca. Também começaram logo a usar outras técnicas e artefatos como, ornamentação corporal, canoas para o transporte, estilo de moradia, traços linguísticos, cerimônias e rituais e uma grande parte da cultura alto-xinguana. Entretanto, os Suias nunca deixaram de caçar e alimentar-se de animais que os alto-xinguanos nunca comeram, cultivar milho e batata doce para uso cerimonial e a produzir artefatos do tipo Jê. Assim, a adoção seletiva de características do Alto Xingu foi bastante extensiva e proveitosa.

Localização

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Atualmente, os Suias estão distribuídos em postos e aldeias. A maior parte da população vive, desde 2001, em Ngôjwêrê, aldeia localizada no limite da Terra Indígena Wawi. Até o ano de 2000, eles viviam na aldeia de Ricoh, mas hoje está desativada.

O Posto de Vigilância Wawi, localizado na beira do Rio Wawi, é administrado pelos Suias onde vivem duas famílias extensas da tribo. O Posto indígena Diauarum também é habitado por algumas famílias Suias, nele há pessoas que atuam como funcionários da Funai (Fundação Nacional do Índio). Há ainda um Suia que possui uma habitação em Canarana, a cidade mais próxima das aldeias, utilizada quando ele e sua família vão para a cidade.

Os Suias têm se destacado na luta pela preservação de seu território, tanto no que diz respeito a questões ambientais, quanto pela recuperação de suas terras tradicionais que ficaram fora dos limites do Parque do Xingu. Para proteger o Rio Suiá-Missu, durante a década de 90 participaram de várias ações de apreensões dos pescadores e outros invasores de prejudicavam o seu território.

Uma importante atuação dos Suias foi a paralisação do desmatamento feitas por fazendeiros localizadas na margem direita do Rio Wawi (conhecido também como Santo Antônio), afluente da margem esquerda do Rio Suiá-Missu. No ano de 1994, os Suias tomaram o controle do rio, sob protesto aos fazendeiros, e reivindicaram o reconhecimento daquela região como terra indígena. Sabendo que seria impossível recuperar o domínio sobre todo o Rio Suiá-Missu, já que ele se estende além do Parque, os Suias procuraram ao menos reivindicar o controle de uma sub-bacia: o igarapé Wawi, cujas suas cabeceiras estão dentro dos limites do PIX (Parque Indígena do Xingu) e que corre próximo aos seus limites originais. Vitoriosos, a Terra Indígena Wawi foi homologada em 1998.

Mas o avanço do desmatamento por fazendeiros não cessou e tem assustado as comunidades Suias. Membros da tribo estavam enviando um aviso aos vizinhos e autoridades, denunciando a invasão da plantação de sojas na vizinhança de suas terras. E também ameaçam: "Se vier máquina plantar soja aqui, nós vamos lá quebrar tudo". Uma empresa multinacional, que cultiva a soja, está implantando novas unidades de armazenagem no estado de Mato Grosso, sendo uma no município de Canarana e outra em Querência. E anunciou ainda a construção de outra unidade a cerca de 40 Km ao sul do Parque Indígena do Xingu. É visível a expansão das plantações de soja e o aumento dos desmatamentos associados.

Características Sociais

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Vários aspectos da organização social e ritual dos Suiás foram alterados após do ataque à aldeia pelos Juruna, seringueiros e fazendeiros. A baixa demográfica, a morte dos velhos e o intenso contato com os índios do Alto Xingu proporcionaram modificações profundas. Porém, é relevante relatar a sociedade e sua cosmologia Suiá antes desses eventos, já que o modo de pensar e muitos desses aspectos socio-culturais continuam presentes.

Os Suiás vivem em aldeias circulares, com casas em torno uma praça onde ficam uma ou mais "casas dos homens", explicado anteriormente. No passado eram predominantemente uxorilocais, isto é: o homem, após casar, vai viver com a família da mulher. Depois da iniciação, o homem não devia voltar a morar na casa dos pais nem comer junto à irmã, pois, segundo a tradição, só casais, amantes ou grupos do mesmo sexo comem juntos. O homem também não deve abraçar a irmã, já que este ato, segundo a tradição, equivale a um início de uma relação sexual.

O ser humano, na concepção Suiá, é dividido em três componentes: o corpo físico, que é resultado do sêmen do pai desenvolvido dentro da mãe; a identidade social, transmitida através de uma série de nomes do irmão da mãe para o filho ou da irmã do pai para a filha; e a alma, única e essencial ao ser humano, já que sem ela, a pessoa enferma e morre.

Os Suiás são tolerantes em relação as crianças, não esperando que elas ouçam, compreendam, falem ou se comportem bem. Contudo, na época da puberdade espera-se que elas saibam ouvir as instruções e conselhos de seus pais e chefes. Nessa idade, os Suiás são considerados "sem vergonha" (añi mbai kidi) caso não observam as normas relativas à atividade sexual, à distribuição de comida e às restrições de atividade.

Para um homem Suiá, as classes de idade são marcadas por cerimônias de iniciação que enfatizam o rompimento de laços como a moradia natal e a passagem do menino. Primeiro para a “casa dos homens” (como sikendúyi) e posteriormente para a residência da família de sua esposa (como henkra), onde vive depois de ter gerado um filho.

Para as mulheres Suiás, existem menos classes de idade e menos cerimonias. Na puberdade, muitas mulheres ficam em um período de resguardo dentro da casa, costume incorporado da tradição do Alto Xingu. Após a puberdade, a mulher continua morando em sua casa materna. Quando gera o primeiro filho, delimita sua própria área de dormir dentro da casa e seu marido vem morar junto a ela. Tornando a residência dividida em áreas, composta pelos pais da mulher, por suas irmãs solteiras e casadas com seus maridos e filhos, bem como por seus irmãos não iniciados. Caso algo incomum não aconteça, o casal continua dormindo junto na mesma área doméstica até a velhice. Quando falecem, são enterrados em covas separadas na casa em que viveram.

Assim sendo, os ritos de passagem entre os Suiás podem ser vistos como uma transferência de um homem de sua residência natal para a residência de seus afins. Os wikényi (classificação dada quando seus filhos se casam e tem muitos netos) masculinos completam essa passagem: pertencem totalmente à casa de sua esposa. A totalidade de sua integração é revelada pelas diferenças na participação entre a cerimônia de iniciação dos wikényi e as outras cerimônias de iniciação: o wikényi muda seus ornamentos, o estilo de cantar, deixa de caçar em determinadas festas e passa a receber comida dos mais jovens, gerando um ciclo de ritos na sociedade.

Enquanto os jovens estão relacionados como expressão máxima da ideia de masculinidade e autocontrole, o comportamento dos idosos é o oposto, caracterizado pelo divertido humor, a descontração e a obscenidade. Sem exigir muito moralmente aos velhos da sociedade Suiá cabe a eles um papel social de atuar como palhaços nos rituais. Também são responsáveis por eventuais cenas de humor e descontração ao final da tarde, quando provocam risadas aos mais jovens.

Quando um Suiá pinta o seu corpo para uma festa da própria tribo (e não do Alto Xingu), o estilo da pintura corporal é determinado pelo seu nome. Em últimos estudos, todos os membros de um grupo com o mesmo nome pintaram-se da mesma maneira. Mas não é só a pintura, a sua posição numa fila de dançarinos e o canto também são determinados pelo seu nome. Quando se pintam para realizar festas de origem alto-xinguana, a pintura é mais individualizada, independente do nome.

Os ornamentos corporais são introduzidos em ritos de passagem e representam marcas de status. Tradicionalmente, homens e mulheres traziam pendurados na orelha grandes discos de madeira redondos ou espirais feitas de folha de palmeira enroladas e pintadas com barro branco. Esses discos podiam ter mais que 7 cm de diâmetro. No início do século passado, as mulheres deixaram de perfurar as orelhas, devido a influência do contato com os não indígenas e casamentos com grupos da Região do Alto Xingu, que não tais ornamentos.

O lábio inferior dos homens Suias era esticado para frente, formando uma estreita camada de músculo labial por intermédio de um disco elíptico de madeira (que podia chegar a 7 ou 8 cm de diâmetro) inserido em um orifício feito no lábio. Era pintado com matizes de vermelho na parte superior e nos lados com a planta urucum, não sendo pintada sua parte inferior, com exceção de um desenho circular (representando a constelação de Plêiades) próximo ao centro que é pintado na cor preta com tinta extraída do fruto jenipapo.

As orelhas de homens e mulheres eram perfuradas após a primeira atividade sexual; o lábio dos homens era perfurado entre os 15 e 20 anos de idade, quando atingem um período em que podem ser considerados completamente adultos, ingressando na “casa dos homens”. Enquanto vivem nesta casa, tradicionalmente esperava-se que os jovens fabricassem discos labiais cada vez maiores para si.

Em decorrência das décadas de contato com os outros povos do PIX (Parque Indígena do Xingu) e com os não-índios, esses ornamentos foram deixados de serem usados pelos Suias. Mas o significado cosmológico ainda vigora entre a tribo, qual seja: os discos labiais e auriculares estão muito associados com a importância cultural atribuída à fala e à audição. Eles afirmavam que a orelha furada era para ouvir, compreender e saber bem. Diziam também que o disco labial estava associado à agressividade e belicosidade, relacionadas com a auto-afirmação masculina, as oratórias e as canções.

A cor vermelha dos artefatos é associada ao calor e à belicosidade. O desenho circular na parte inferior representa a constelação a que chamamos Plêiades. Os Suias diziam que a constelação é o desenho do disco labial de um homem no céu. Já o disco auricular é pintado com barro branco, cor associada à passividade.

Os Suiás enfatizam a audição e a fala como faculdades superior social, e a visão e o olfato como faculdades fundamentalmente naturais, ou antisociais. As duas faculdades consideradas sociais pelos Suiás, foram tradicionalmente enfatizadas com ornamentos corporais, por meio de discos auriculares e labiais. Já os olhos e o nariz não eram enfatizados.

A palavra Suia associada com a audição, kumba, tem um significado mais amplo do que a palavra "ouvir". Ela significa também, compreender e saber. Tais atributos são os mais valorizados nessa sociedade atual. Eles acreditam que o ouvido seja o receptor e o depositário de códigos sociais, ao invés da mente ou do cérebro. Quando os Suias aprendem alguma coisa, mesmo algo visual, como um padrão de tecelagem, eles dizem: "está no meu ouvido".

Há muitos estilos distintos de cantar, entre os quais dois gêneros de canções contrastantes: o akia, cantadas somente pelos homens, e ngere, estilo cantado por homens e mulheres. As akia são um meio dos homens Suias dizerem publicamente algo sobre sua personalidade. São canções escritas, compostas e cantadas por cada indivíduo, com linhas melódicas e estilo característico. Os Suias acreditam que só eles cantam akia, diferenciando-se de outros indígenas através desse canto.

As mulheres têm suas próprias cerimônias, onde ocupam os papéis principais e são ouvidas pelos homens. Assim como os homens, algumas mulheres são reconhecidas como mestras de certas cerimônias. Ao longo da história, os homens foram incorporando cantos de outros grupos indígenas, como os Munduruku (povo de tradição guerreira), e do Alto Xingu. Do mesmo modo, as mulheres introduziram novos cantos para a festa de Yamuricumã (ritual característico do alto-xinguano).

Com exceção de flautas (raramente tocadas) que eles adotaram dos índios do Alto Xingu, a música Suia sempre foi predominantemente oral. Os únicos instrumentos tradicionais são os chocalhos, que podem ser segurados pelas mãos, ou amarrados em diferentes partes do corpo, como joelhos, cintura. Mas sua euforia é produzida pelo canto e pela comida servida, diferente dos álcoois, alucinógenos e narcóticos encontrados em outros grupos indígenas.

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kisedje/