Wikinativa/Thalita Paula Gonçalves Portela (vivência Guarani 2019 - relato de experiência)
Chegamos na reserva indígena Guarani Rio Silveiras aproximadamente às 16h., e nos apressamos em organizar as barracas e retirar os alimentos que trouxemos de dentro do ônibus para a cozinha da aldeia; depois que isso foi feito o grupo responsável pela alimentação foi a cozinha para preparar o jantar do primeiro dia e os demais grupos e convidados se dirigiram a casa de reza. Quando entramos na casa de reza fomos divididos, meninas para um lado e meninos para o outro, já estávamos familiarizados com essa divisão pois na aldeia Tenondé Porã também é feito assim. O Cacique Mariano começou o culto e todos os moradores da aldeia, inclusive as crianças, interagiam com ele. Durante um momento ficou bem clara a divisão dos visitantes com os indígenas pois não sabíamos se poderíamos participar do culto ou apenas ser ouvintes. Mas o cacique nos convidou para participar e o monitor Carlos nos incentivou a pegar os instrumentos e entrar na dança. Foi inexplicavelmente incrível participarmos do culto juntos, lado a lado em sincronia, como se nosso som fizesse de nós, pessoas mais fortes, e mesmo para quem estava sem instrumentos (que foi o meu caso) o cacique sugeriu que déssemos as mãos para que sentíssemos a força uns dos outros. Na hora da dança os homens ficavam na frente e as mulheres atrás, mas todos juntos unidos e cantando, como se fosse dois lados que se completam.
Quando a cerimônia da casa de reza acabou o Cacique nos deu as boas vindas e abriu uma rodada de perguntas para que pudéssemos conhecer mais sobre a cultura dos povos originários que vivem ali. Onde falamos de política, dos costumes da aldeia, um pouco da origem indígena e sobre como as crianças e os jovens (aborrecentes como o cacique disse) são a principal preocupação do Mariano pois eles são o futuro da aldeia e ele tem medo que alguns costumes se percam por causa da relação que os jovens têm com a tecnologia, assunto que mais pra frente as crianças abordaram com a gente, falando sobre alguns jogos de terror e foi muito interessante ver como outra narrativa sobre o que o cacique tinha nos dito. Na nossa cultura o uso da tecnologia também é um problema na infância e adolescência, mas com certeza é um problema maior para os povos originários. O cacique relatou que alguns jovens não vão a casa de reza pois ficam nos celulares e que essa tecnologia pode quebrar tradições que a aldeia
No segundo dia acordamos por volta das 8h. para tomar o cafe da manha e nos preparar para conhecer as demais partes da aldeia. Para ir aos outros núcleos da aldeia tínhamos que fazer uma trilha, e no caminho paramos para conhecer a escola indígena de lá. Descobrimos que é uma escola que tem todas as séries do ensino básico e também vimos vários panfletos de militância e resistência indígena espalhados pelas paredes do prédio, deu para perceber como as crianças estão engajadas com as questões políticas que as envolve e compromissadas com a aldeia. Chegamos ao segundo núcleo da aldeia onde fomos recebidos pelo Cacique Adolfo que nos contou sobre a relação da aldeia com os visitantes, que é diferente do primeiro núcleo, os visitantes não podem participar da casa de reza pois isso acarretaria numa interferência no culto, pois quem vem de fora não está acostumado com os rituais indígenas; falou também sobre a arquitetura da casa de reza, que só pode ser feita com material natural. Ambos os Cacique contaram um pouco sobre o passado, o Cacique Adolfo contou sobre como era ser índio na Ditadura Militar, sobre as mortes e perseguições que sofreram e sua indignação sobre esse assunto nao ser abordado nas escolas e como eles precisam resistir para continuar existindo pois o governo tenta silenciá-los sempre que possível. Depois da conversa com o Adolfo, distribuíram para nós mudas de árvores em extinção, algumas estavam sem nomes (a que eu peguei não tinha) e não pudemos identificar qual árvore era. Seguimos até um ponto da trilha onde o professor Jorge nos informou que o lugar em que estávamos costumava ser a antiga casa de reza da aldeia por volta dos anos 40/50 e foi surpreendente saber disso pois olhando em volta só víamos vegetação, isso porque a arquitetura indígena e biodegradável e só resquícios naturais da antiga construção que daqui a alguns anos irá desaparecer. Me fascinou conhecer um pouco mais sobre a arquitetura, pois é algo muito diferente da que fazemos, que polui e é individualista, consegui perceber que eles compartilham todas as coisas, como por exemplo a mesma cozinha, ou seja, a mesma construção para todos da comunidade. Depois disso todos nós plantamos ali por perto nossa muda de árvore, foi um gesto lindo porque estamos tão acostumados a extrair coisas da natureza e nunca oferecer um retorno, então o ato de fazer algo com as próprias mãos depois de absorver toda a fala dos caciques, do professor Jorge sobre a importância daquele espaço, foi muito gratificante. Seguimos a trilha por um rio, onde a monitora Leticia nos contou que os moradores da aldeia fazem todas suas atividade diárias ali, como por exemplo lavar roupas. Durante o caminho nosso contato com as crianças já foi ficando mais forte, eles são super comunicativos e faziam varias brincadeiras e pegadinhas com a gente, quando chegamos na cachoeira brincamos muito com elas e confesso que me assustei um pouco, eu morrendo de medo de pular entre as pedras e elas iam como se fosse a coisa mais fácil do mundo, isso porque elas não tem medo de brincar e cair, tá tudo bem errar, se acontecer alguma coisa elas levantam e vida que segue. As crianças são super curiosas e sempre pegavam vários bichinhos da água para analisar e mostrar pra gente e até fazer pegadinhas com algumas pessoas. Alguém levou um violão pra aldeia e uma das crianças tocou e cantou várias músicas com a gente. Um momento que eu apreciei muito foi quando a minha amiga do grupo de brincadeiras Gabriella Kojol cortou várias frutas para ela e para as crianças e ficaram eles comendo e contando histórias juntos, acho que as crianças também gostaram desse momento com a gabriella porque isso de comer junto com as crianças se repetiu nas outras refeições que tivemos. Quando retornamos para a aldeia brincamos com as crianças a tarde toda, fizemos uma roda de apresentação dos nomes para que pudéssemos conhecer todos. Em seguida apresentamos os bambolês para elas, que amaram e aprenderam super rápido a fazer várias manobras. Tínhamos programado várias brincadeiras mas quando vimos a paixão das crianças pelos bambolês decidimos inventar junto com elas jogos para brincar com o bambolê, também brincamos de pega pega, carrinho bate bate, morto vivo e as crianças contaram sobre os jogos de terror da internet. A noite fomos todos para casa de reza junto com as crianças. O professor Jorge nos disse que o Cacique Mariano iria fazer uma limpeza espiritual em quem fosse até ele, então o segundo dia na casa de reza foi marcante para todos, pois vimos nossos amigos se conectando com a aldeia e com a cultura indígena no campo espiritual, e foi muito emocionante ver as pessoas procurarem ajuda e o Mariano acolhê-las. Acabou que muitas pessoas pediram ajuda do Cacique e ele começou a não se sentir muito bem depois de tanto esforço e teve que acabar com o ritual antes que todas as pessoas que foram até ele fossem atendidas. Optamos então por acabar o ritual da casa de reza como uma conversa de agradecimento, por ter vivido aquela experiência incrível, por ter aprendido tanto em tão pouco tempo, pelas amizades e laços que se formaram, no meu caso principalmente com as crianças. As monitoras e os professores falaram sobre a construção dessa matéria na EACH-USP e sua importância e nos alunos falamos também brevemente de como tinha sido até então nossa experiência na aldeia. O professor Jorge sempre diz que o envolvimento em algo é o que nos faz aprender verdadeiramente sobre aquilo, isso é a mais absoluta verdade, essa foi a matéria que eu mais me envolvi e aprendi até agora, com essa disciplina eu senti a força do coletivo. O terceiro e último dia foi bem difícil, já acordamos com um frio na barriga por ter que dizer tchau. Tomamos cafe da manha e fomos um pouco a praia, quando retornamos para a aldeia, eles tinham preparado uma apresentação para a gente. Primeiro foi a apresentação só dos menino onde eles precisavam cumprir uma série de desafios mas tudo isso num ritmo de dança e com música tocada pelos demais indígenas, a dança dos menino mostravam bastante o espírito de aventureiro dentro das crianças e como elas estavam confortável para cair, errar e fazer tudo novamente com muito entusiasmo e alegria. Depois disso todos nós participamos dessa dança de desafios e foi como se fossemos crianças novamente, estávamos muito cansados mas não queríamos parar de dançar com eles. Depois teve uma dança só das meninas, mas era bem diferente da dos meninos, no das meninas não tinha desafios mas por outro lado tinha um contato maior entre os participantes da dança. Isso me fez pensar nas diferenças das mulheres para os homens dentro da aldeia, as mulheres parece ser bem unidas, igual mostra as danças e cantos que elas fazem e os menino parecem ser aventureiros, igual mostra a dança cheia de desafios que eles fazem. Eu queria ter mais contato com as mulheres da aldeia para ver qual a perspectiva delas sobre o seu próprio mundo porque nessa viagem eu tive mais contato com as crianças. Fizemos o erro de trazer os bambolês e outros materiais da USP e as crianças tinham achado que aquelas coisas era um presente para elas, pra mim foi a única coisa ruim da viagem, ter que dizer que íamos levar os bambolês embora, elas não entenderam muitos bem o motivo daquilo e o porque íamos embora junto tambem. Além de decepcionar as crianças ainda perdemos alguns materiais que terão que ser repostos com o dinheiro reserva que a USP proporcionou para a matéria.
Nosso grupo de brincadeiras ficou extremamente tocado por ter que trazer os bambolês de volta, então eu e mais algumas pessoas do grupo fizemos uma vaquinha e compramos 30 bambolês e estamos planejando comprar outras coisas para levar para as crianças. O que me deixa muito contente porque eu estou com muitas saudade de brincar com as crianças e essa visita que estamos planejando é o que está fazendo a semana de todos do grupo felizes. Essa aula de campo foi uma experiência enriquecedora que nos mostrou um jeito mais saudável de se viver, no coletivo.
P.S: Gostaria de parabenizar a galera da alimentação, estava tudo perfeito do começo ao fim (to pensando em aderir o veganismo rs) e conversando com a monitora Leticia, falamos sobre ano que vem esse grupo ser responsável pelo cardápio mas todos os demais grupos tenha a obrigação de fazer a comida, podemos até sortear antes da viagem quem vai fazer o quê e em qual dia, pois a galera da cozinha infelizmente perdeu algumas atividades dessa vez.