Wikinativa/Vivência na aldeia Guarani Rio Silveiras 2019-2sem/Relatório do Grupo Brincadeiras e Esporte (2019-2)

Fonte: Wikiversidade

Antes de iniciarmos o relatório sobre o que foi desenvolvido pelo grupo de brincadeiras, gostaríamos de introduzir o que nos levou até essa tarefa única, desempenhada com esforço mútuo tanto de nós, que buscamos elaborar atividades interativas, quanto por aqueles que inicialmente seriam nosso público, e por fim acabaram tendo tanta participação criativa quanto a gente.

A disciplina Seminários de Políticas Públicas Setoriais III- Multiculturalismo e Direitos, ministrada pelo Prof. Dr. Jorge Machado possui um papel fundamental dentro da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Por meio de aulas expositivas e vivências únicas busca introduzir a cultura indígena, aproximando-a do ambiente universitário e desmistificando o que, para a maioria de nós, sempre foi algo distante.

Ao nosso grupo coube a responsabilidade de elaborar brincadeiras e atividades interativas para a vivência realizada na aldeia Guarani Rio Silveiras, nos dias 15, 16 e 17 de novembro de 2019. A proposta inicial era levar aos moradores da aldeia atividades educativas que proporcionassem maior integração entre nós, visitantes, e eles. Em sala de aula tiveram inúmeras ideias que foram condensadas em algumas brincadeiras, tanto criadas, quanto resultantes da adequação de outras já existentes.

Para a idealização do que tínhamos que fazer, sempre foi deixado em mente o pouco tempo que teríamos e os imprevistos que poderíamos ter, por isso, além de brincadeiras elaboradas, deixamos como um segundo plano levar objetos de uso contínuo e fácil acesso, dentre eles bolas e bambolês (que acabaram tendo um protagonismo não esperado, mas que pode ser explicado pelo modo orgânico e natural com o qual tudo ocorreu na vivência). Além destes, levamos como ideia a realização de cinco atividades principais, que serão descritas em um segundo momento, elas são::

  • Roda de apresentação
  • Fura-dente
  • Rouba bandeira
  • Oficina de bilboquês
  • Caça ao tesouro
Crianças brincando com bambolê

Ainda que todas não puderam se concretizar, por conta de fatores como tempo e grau de dificuldade de elaboração, nós ficamos orgulhosos com a realização da maioria delas, e pelo jeito com o qual lidamos com os imprevistos ocorridos. buscando cumprir com  que havíamos planejado.

Em visita a aldeia Guarani Rio Silveiras o grupo responsável pelas brincadeiras pôde vivenciar um momento único de integração entre os alunos e os moradores da aldeia. Inicialmente o plano era promover uma dinâmica de interação logo no primeiro dia, após nossa chegada na aldeia. Contudo, atrasos na viagem impediram que iniciassemos as atividades no horário previamente estipulado pelo cronograma coletivo. Entendemos que os demais grupos tinham suas próprias atividades a serem agilizadas e no meio tempo entre as arrumações gerais da nossa estadia e a entrada para a casa de reza, dividimos o tempo com o grupo de Artes e Música para ter um primeiro contato do ponto de vista lúdico com as crianças da aldeia. Dessa forma, parte do grupo se propôs a pular corda com algumas crianças, enquanto algumas crianças e integrantes do grupo começaram a jogar futebol no gramado. Tal brincadeira começou espontaneamente e aos poucos foi-se agregando mais crianças. Antes mesmo de ser feita uma apresentação formal entre eles, notou-se que por meio da linguagem esportiva todos interagiram entre si quebrando o gelo inicial do primeiro contato. Assim, mostravam suas habilidades com a bola em um espaço enorme onde o correr era livre e estimulado.

Com isso, a primeira atividade “Roda de Apresentação” foi realocada para o segundo dia. Essa atividade consiste em em formar uma grande roda com todos os participantes e um por um deve dizer o próprio nome complementando com algum movimento que, para essa pessoa, tem algum tipo de relação com quem ela é (pode ser ações mostrando o que ela gosta de fazer como dormir, comer, dançar, etc.). Após dizer o nome e mostrar o movimento, todos da roda devem repetir o nome e o movimento da pessoa a fim de buscar lembrar quem é cada um, com um pedacinho da personalidade que a pessoa compartilhou com o grupo.

Quando começamos a chamar as pessoas para iniciar essa atividade muita gente apareceu, incluindo pessoas que estavam visitando a aldeia naquele dia. A roda ficou realmente grande e o medo era que, em algum momento, todos se dispersassem e saíssem do jogo antes de todos terem se apresentado. Contudo, não foi o que aconteceu. Pelo contrário, todo mundo se apresentou e até as crianças mais pequenas da aldeia mostraram seus movimentos com animação. Outras crianças, mais tímidas, ou que não tinham entendido muito bem a proposta, foram ouvidas pacientemente por algum integrante do grupo de brincadeiras que lhes explicou o que estava acontecendo e, então, participaram da atividade.

Brincando de aviãozinho

Por ser realizada em roda, essa atividade ajuda no reconhecimento do coletivo, ao promover a possibilidade de nos olharmos nos olhos e compartilhar um “pedaço de nós” com o outro. Assim, não tem problema que as pessoas não tenham decorado o nome de todo mundo. E, ao terminarmos a apresentação de todos um grande clima de animação se mostrava entre os participantes, principalmente entre as crianças. Foi dada a opção de que elas fossem participar da oficina de mandala, com o grupo de Arte e Música, ou que continuassem conosco para outras dinâmicas.

Crianças brincando durante a vivência

Muitas das crianças continuaram com nosso grupo e houve um entendimento de que era hora de brincar com os bambolês. Desde o dia anterior já tinha uma movimentação no sentido de interagir com aqueles objetos e muitas crianças se direcionaram ativamente para eles e nos mostraram suas habilidades em manuseá-los na cintura, nos braços, nas pernas. Com um, dois, três e até todos os bambolês de uma vez só. A simples presença dos bambolês na aldeia  já rendeu muitas formas de brincar que nós não havíamos planejado. Muitas dessas formas envolviam o ato de correr. De fato, coube a nós esquecer do nosso despreparo físico nessa viagem pois o ato de brincar para essas crianças também significava liberdade, e correr em um espaço seguro, sem carros, ruas, e em um espaço aberto e enorme, parecia ser uma das melhores formas de ser livre.

Com isso, resolvemos propor outra de nossas brincadeiras previamente planejadas, o Rouba Bandeira. Essa é uma brincadeira bem tradicional, onde dois times são divididos em dois campos. Um pedaço de pano é colocado no fundo de cada campo. O objetivo é atravessar o campo do adversário sem ser tocado por ninguém, pegar o pano e retornar para o seu campo sem ser pego. Uma vez pego por alguém do time oposto é preciso ficar parado no mesmo lugar até que alguém do seu próprio time venha te salvar, tocando em você, para que você possa correr novamente.

Para a nossa sorte, as crianças já conheciam essa brincadeira, porém, suas regras eram um pouco diferentes. Primeiro, não tinha nenhuma demarcação de campos, tudo era um campo só. Segundo, não parecia haver nenhuma separação muito clara de times.  A ideia passada por eles era então que deveríamos apenas pegar a bandeira (qualquer uma das duas) sem ser pego pelo colega (do seu time ou não). Dito isto, começaram a correr.

A ideia do jogo "Fura Dente" surgiu a partir de uma demanda apresentada pelo professor na qual, ele relatou que na aldeia as crianças apresentam muitos casos de cárie. Desta forma, utilizando-se das regras do jogo “Canibal” e fazendo as devidas adaptações, pensamos no jogo “Fura Dente”.

Desta forma, a ideia do jogo é conscientizar as crianças da importância de se fazer uma boa escovação de dentes e consumir alimentos adequados como frutas, legumes e verduras. Para isto, as crianças deveriam procurar as cores que fazem alusão aos alimentos saudáveis e, durante esta procura a Cárie (representada pela cor preta) estaria atrás das crianças com muitas cores e, para que a criança não fosse pega pela cárie, ela deveria fazer movimentos relacionados à higiene bucal.

Este jogo não foi executado porque no momento, vimos que as crianças estavam interessadas em outras brincadeiras - principalmente o bambolê - e achamos por bem, não interromper esta prática. Além disso, a organização desta atividade iria demandar um tempo do qual não tivemos em virtude do cronograma “apertado”.

Crianças realizando oficina de bilboquê

No domingo, logo quando voltamos da praia resolvemos realizar a oficina de bilboquê com as crianças, e ela demandou a utilização de garrafas pet, barbante e tesoura, nela foi toda orientada para as crianças pelos participantes do grupo de brincadeiras, dando as instruções de corte e de passos a darem. No início quando chamamos elas para participar, todas mostraram-se bastante empolgadas e quando notamos a oficina estava cheia delas, todas muito atentas e focadas nas instruções, que consistia no corte da parte de cima e na tampa amarrada, logo depois foi proposto que cada criança pintasse com guache seus respectivos brinquedo. Outra dinâmica pensada na hora, para reaproveitar como um todo a garrafa, foi fazer uma flor com o fundo da garrafa e pendurar como enfeite, assim as crianças pintaram os fundos com a proposta de dar de presente para alguém especial para eles.

Flores pintadas com guachê

Longe de buscar desenvolver interpretações, mas apenas buscando reflexões sobre esses momentos relativamente curtos que ficamos com essas crianças. É importante refletir, por exemplo, sobre a autonomia da infância. Ou seja, por mais que tivéssemos buscado explicar e adaptar as regras das brincadeiras para as crianças da aldeia, nos deparamos com a ideia de que essa ou aquela brincadeira eles simplesmente não estavam a fim de fazer. Não significa que eles não queriam brincar com a gente ou que não tivessem gostado da atividade, mas era simplesmente “essa não”, e tudo bem! Ainda, se não tivéssemos tido exercícios de reflexão sobre o lidar com sociedades, culturas, pessoas diferentes, poderia ter sido possível que nossa frustração com o desvio do planejamento nos impedisse de entender novas formas de aprender brincando e criar novas possibilidades naquele território do brincar.

Como relatado, a nossa experiência com as crianças se revelou profundamente orgânica e, apesar de todo o planejamento e organização, acabamos sendo surpreendidos pela naturalidade e simplicidade com que as crianças se articulam e se divertem. Os bambolês que levamos foram muito bem aproveitados e foi muito triste quando precisamos removê-los para trazer de volta para São Paulo. Nisto, registramos como aprendizado a importância de estar preparado para estas situações orgânicas e, como sugestão para as próximas turmas que realizarem a vivência, se possível, comprem bambolês para deixar disponível na aldeia, visto que foi um objeto tão simples, mas que agradaram tanto às crianças quanto os jovens e adultos que interagiam com elas.