Wikinativa/ Intervenções Culturais (vivencia Guarani 2016)

Fonte: Wikiversidade

Introdução[editar | editar código-fonte]

Este relatório apresenta a visita de campo à Aldeia Rio Silveiras Bertioga/SP, viagem didática realizada no curso da disciplina Seminários de Políticas Públicas Setoriais II - Multiculturalismo e Direitos ministrada pelo Professor Dr. Jorge Alberto Machado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo. Foi elaborado por: Fellype Rodrigues Braz, Heloisa Gabriela Gregório, ÍcaroTargino Silva, Magda Alves do Nascimento e Thamara.

A disciplina ultrapassa o modelo convencional usado em sala de aula ao ingressar os alunos alguns dias em convívio com uma comunidade indígena e a partir desse contato proporcionar um intercâmbio cultural através de uma didática pedagógica baseada na experiência pessoal. Em sala de aula são estimulados debates sobre a cultura indígena, a demarcação de suas terras e suas necessidades como comunidade excluída socialmente. Os temas debatidos ampliam o conhecimento pessoal sobre a  realidade atual das comunidades indígenas e preparam para a visita à aldeia.

Preparação da atividade de intervenções culturais com as crianças da Aldeia Guarani Rio Silveiras[editar | editar código-fonte]

A partir das leituras de textos e exibições de vídeos em sala de aula acerca de questões indígenas contemporâneas, envolvendo principalmente políticas públicas de acesso à terra e reconhecimento de direitos dos povos indígenas, passou-se a refletir de que maneira a imersão seria realizada. Por meio das atividades da viagem realizada no ano anterior e também das propostas de atividades levantadas pelo professor Jorge Machado e pelo monitor da disciplina, Carlos Henrique, a turma dividiu-se em pequenos grupos que, por sua vez, focalizaram em elaborar atividades específicas.

Ao todo, a imersão contou com nove propostas de atividades – todas, de alguma maneira, executadas e complementares: “Compreender a mulher indígena”; “Artes”; “Esportes e Gincana”; “Agroecologia e Bioconstrução”; “Cultura e História Guarani”; “Intervenções Culturais”; e “Esportes e Lazer”.; além de atividades técnicas, como “Arrecadação/Organização” e “Infraestrutura/Pós Evento”.

Desta forma, o grupo “Intervenções Culturais” subdividiu-se em grupos menores que desenvolveram atividades musicais, algumas brincadeiras e, no caso específico apresentado neste relatório, atividade de pintura com as crianças da aldeia.

No período das aulas dos dias 04 e 18 de outubro de 2016, aos grupos foi dada a oportunidade de se reunirem, para discutirem e planejarem suas atividades dentro da Aldeia Rio Silveiras. O grupo da atividade apresentada neste relatório reuniu-se, portanto, nestas duas datas para levantar opções de atividades, escolher a melhor delas dentro das capacidades de cada membro e elencar os materiais necessários para realizá-las.

O grupo decidiu desde o início que elaboraria projetos que lidassem diretamente com as crianças da reserva. Desta maneira elencou atividades envolvendo: cinema, com exibição de animação infantil de temática indígena; conversa informal ilustrada pela apresentação de objetos não indígenas para conversa sobre temas envolvendo ambas as culturas (exemplo: alianças para falar sobre casamento); fotografia, com confecção de câmera pinhole de lata; e mostra de desenhos livres feitos com tinta.

Diante das opções levantadas pelo grupo e após discussões acerca da viabilidade de cada uma das atividades, decidiu-se pela atividade de mostra de desenhos livres feitos com tinta. A mostra seria a etapa final da atividade, que inicialmente contaria com a adesão das crianças em trabalhar com tinta e papel. Os materiais necessários foram assim listados: papeis (sulfite A4, cartolina, canson), tinta guache, lápis de cor, giz de cera, barbantes e prendedores de roupa.

Contando com a lista de materiais necessários, o grupo organizou-se para adquiri-los ao longo da semana anterior à viagem.

Objetivos da atividade proposta[editar | editar código-fonte]

A atividade de intervenção artística de mostra de desenhos livres feitos com tinta, realizada com as crianças, teve como objetivo criar maior proximidade entre o grupo de estudantes da USP e o público infantil da Aldeia Rio Silveiras, e desta maneira observar os comportamentos específicos desta faixa etária dentro da cultura guarani. De maneira específica, a atividade buscou observar as temáticas dos desenhos pintados e o comportamento das crianças entre si e com os estudantes (não índios).

Desenvolvimento da atividade[editar | editar código-fonte]

Partindo de toda a preparação feita em sala de aula para a elaboração da atividade, em campo de convivência na Aldeia Rios Silveira os integrantes do grupo Intervenções Culturais escolheram um momento em que as crianças estavam em concentração próxima à casa de reza. Respeitando a dinâmica temporal dos moradores do local, foi decidido que o momento seria propício para a realização do trabalho. O grupo colocou os materiais próximo as crianças, que antes mesmo de serem avisadas perceberam que a atividade estava relacionada a elas e começaram a interação com os materiais. No desenvolver da atividade mais crianças apareceram, talvez chamadas pelas outras, e se mostraram bastante comunitárias entre elas no compartilhamento dos materiais.

Sendo o objetivo do grupo Intervenções Culturais criar maior proximidade com o público infantil e observar comportamentos específicos das mesmas dentro da cultura guarani, o trabalho com papeis (sulfite A4, cartolina, canson), tinta guache, lápis de cor, giz de cera, barbantes e prendedores de roupa, foi encolhido dentre outros como de maior praticidade e menos impacto ambiental dentro da aldeia. Foi elaborada uma oficina de desenho livre na qual as crianças fizeram desenhos que abordavam aspectos da percepção de vida delas, tanto dentro da aldeia Rios Silveira como fora dela: Natureza, árvores, animais, carros, casa.

Para expor os desenhos a segunda parte do trabalho do grupo se constituiu em criar um varal com barbante e pendurar os desenhos com pregadores. Finalizada a parte de criar o varal com sucesso e sem nenhuma complicação, as crianças começaram a trazerem uma a uma seus desenhos.

A atividade foi prazerosa e colegas de outros grupos ajudaram na sua elaboração ampliando também a interação entre os próprios estudantes. Ela foi realizada no final de tarde do segundo dia de visita à aldeia e não teve nenhum imprevisto maior, valendo ressaltar que os materiais trazidos pelo grupo seriam escassos se não fossem complementados com materiais trazidos pelo Professor Jorge Machado e pelo grupo de extensão (tintas e papel).

Considerações finais[editar | editar código-fonte]

Logo depois de iniciada a a atividade com papel e tintas, muitas crianças surgiram para interagir com o material. Todos sentaram no chão, escolheram as cores de seu interesse e começaram a desenhar. Foi observado durante a atividade que, ao manipularem as tintas, as crianças não misturavam as cores, dando preferência, na maior parte dos desenhos, pelo trabalho com as cores brutas.

Os desenhos refletiam geralmente elementos da natureza e formas humanas. Uma menina em especial chamou bastante atenção do grupo, ela devia ter cerca de 4 ou 5 anos, sua interação com o material era uma das mais intensas. Suas pinturas eram realizadas com as mãos cheias de tinta, no papel, no próprio corpo e no corpo dos alunos que estavam monitorando a atividade. Era notável seu entusiasmo e interesse em produzir marcas de suas mãos com as mais variadas cores disponíveis.

Outro participante da intervenção, um menino que aparentava cerca de 10 a 12 anos, chamou a atenção ao desenhar um palhaço. O desenho destoava dos demais e foi o primeiro desenho realizado pelo menino durante a atividade.

Os desenhos foram pendurados em um fio de barbante e expostos para todos os presentes na aldeia. As crianças demonstraram bastante interesse em expor seus desenhos com os dos demais, muito terminavam de desenhar e já levavam a tela para algum monitor incluir na exposição. Aparentemente, esta dinâmica de exposição estimulou muito a imersão das crianças na atividade proposta.

Em relação a literatura de referência da disciplina, destaca-se a observação das relações de trabalhos peculiares à povos indígenas, como já observado por Clastres (2003).

'Existe [...] um preconceito tenaz, curiosamente co-extensivo à idéia contraditória e não menos corrente de que o selvagem é preguiçoso. Se em nossa linguagem popular diz-se "trabalhar como um negro", na América do Sul, por outro lado, diz-se "vagabundo como um índio". Então, das duas uma: ou o homem das sociedades primitivas, americanas e outras, vive em economia de subsistência e passa quase todo o seu tempo à procura de alimento, ou não vive em economia de subsistência e pode portanto se proporcionar lazeres prolongados fumando em sua rede. Isso chocou claramente os primeiros observadores europeus dos índios do Brasil. Grande era a sua reprovação ao constatarem que latagões cheios de saúde preferiam se empetecar, como mulheres, de pinturas e plumas em vez de regarem com suor as suas áreas cultivadas. Tratava-se, portanto, de povos que ignoravam deliberadamente que é preciso ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Isso era demais, e não durou muito: rapidamente se puseram os índios para trabalhar, e eles começaram a morrer.'

Embora uma parcela dos membros da aldeia Rio Silveiras tenham intercâmbio econômico com os mercados fora da aldeia, ficou evidente para o grupo que a maioria dos seus membros se dedica a economia de subsistência. O que não significa dizer que vivam em situação de penúria mas sim que se dedicam a atividades suficientes para o seu modo de vida, como artesanato, agricultura familiar, pesca e atividades culturais.