Código Civil brasileiro/Interpretação do Condomínio Voluntário

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Ver o texto original atualizado em Código Civil brasileiro/P2.3.3/CAPÍTULO VI.

Condomínio Voluntario: se presta a todo o tipo de patrimônio que não for imóvel com áreas comuns.

Entendemos que o conceito de condomínio no Brasil sempre teve uma demanda principal, privilegiada pelos legisladores, que é o que vulgarmente chamamos de "condomínio de moradia" e o Código Civil designa Condomínio Edilício, onde o patrimônio é um bem imóvel.

A partir desta noção, pode-se imaginar que os legisladores apresentaram uma generalização do conceito, que é o conceito de Condomínio Geral, e em seguida regulamentaram uma modalidade complementar ao Edilício, cujo patrimônio pode ser qualquer coisa que não um imóvel, batizando-o de "Condomínio Voluntário", e fazendo dele um arranjo de direitos e obrigações mais simples.

Analogias e ilustrações[editar | editar código-fonte]

Tipos mais gerais de partilha do patrimônio: simples (uniforme) e complexa.
Na partilha complexa a área azul é comum e as áreas-creme (quadrados) são privadas.

Um condomínio pode ter partes comuns e partes autônomas... Na ilustração os condôminos, donos do condomínio, foram apelidados de Má, Fê e Zé.

Imaginemos um patrimônio composto por um grande parte retangular, e dentro dela 4 partes diferenciadas que não chegam a ocupar o o todo. São portanto 5 partes, pois as sobras externas são utilizáveis.

Na aquisição (ex. compra do patrimônio) a partilha pode ter se realizado de duas maneiras:

  • Simples: todos são donos das 5 partes.
  • Complexa: Zé é dono de duas partes, Fê de uma e Má de outra; e todos são donos da parte azul.

Pensando na "quantidade de patrimônio" que cabe a cada condômino no caso complexo: supor que as partes cor-creme (quadradinhos) de cada um represente 1/6 do patrimônio total, e a parte azul 2/6. Então a partilha foi:

  • José (Zé) tem dois quadradinhos-creme mais a sua fração da parte comum azul.
    São 2/6 + (1/3) de 2/6 = 2/6 + 2/18 = 6/18 + 2/18 = 8/18 ou "44% do todo"
  • Márcia (Má) tem um quadradinho mais a sua fração da parte comum azul.
    São 1/6 + (1/3) de 2/6 = 3/18 + 2/18 = 5/18
  • Fernanda (Fê) tem 1/6 + (1/3) de 2/6 = 5/18

O valor 1/18 é o mínimo múltiplo comum, portanto pode ser utilizado como referência para todas as contas, ou seja, pode ser ser utilizada como fração ideal: o patrimônio é um todo com 18 fatias, cada fatia contém uma certa quantia de fatias 1/18 do todo. Colocando numa tabela fica fácil de visualizar a participação de cada condômino:

Proprietário № de unidades № de frações autônomas № de frações comuns Total de frações Percentual
2 6 2 8 44%
1 3 2 5 28%
1 3 2 5 28%

Dizemos então que "Zé tem 8 frações ideais" e "Má tem 5 frações ideais". Somando com as 5 frações de Fê, totalizarão 18 (100%).

NOTA: a divisão da parte comum pode variar de condomínio para condomínio. Depende do entendimento do uso da área comum: uma portaria será mais utilizada houverem mais moradores, assim é justo dividir em 3 (resultou no exemplo em frações iguais de 2/18 para cada um), que é o número de moradores. Todavia Zé poderia estar alugando uma de suas unidades, seria mais justo dividir em 4, o que consiste em um outro entendimento.

Imaginando um caso[editar | editar código-fonte]

Conceitos trazidos do Condomínio Edilício possuem seus análogos no Condomínio Voluntário. A ilustração acima é apenas uma abstração. Podemos imaginar um caso real:

  • Imagine o Condomínio Edilício como um prédio de 3 andares. São 4 apartamentos (2 por andar), o hall de entrada no térreo e um terreno em volta. O hall e o terreno são de uso comum.
  • Imagine o Condomínio Voluntário como um site na internet com 4 páginas independentes. A home do site é como um hall de entrada, com link para cada uma das 4 páginas, e portanto de uso comum. Há também uma página de ajuda que é de uso comum.
Conceito geral no Condomínio Edilício no Condomínio Voluntário
Patrimônio O terreno e o prédio sobre ele O site (nome de domínio) e suas páginas (conteúdo)
Donos (co-proprietários) Condôminos Zé, Má e Fê Condôminos Zé, Má e Fê
Partes autônomas (cada quadrado com seu dono) Apartamentos ("unidade autônoma") Páginas
Partes comuns (áreas em azul) Hall e restante não-construído do terreno Páginas Home e Ajuda
Parte comum de uso limitado (precisa pagar) Salão de festas Banner na parte superior da página Home
Parte autônoma estendida Vaga na garagem (parte do terreno foi ocupado por vagas) Links de apoio para download de arquivos

Interpretação através das analogias[editar | editar código-fonte]

Interpretando os artigos e passagens do Código Civil (CC) relativos a patrimônio do condomínio voluntário.

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
  • Podemos supor que as regras que determinam como o coletivo vai "usar da coisa conforme sua destinação" sejam fixadas por escrito na Convenção do condomínio. Aí se tem uma destinação bem determinada.
    De fato, faltou o CC citar a necessidade de um documento com a Convenção.
  • Quanto a "alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la", significa é permitida a transferência de posse. Cada um tem o seu "quinhão" (soma de partes autônomas e fração da parte comum), e este quinhão pode ser vendido ou doado. Esse quinhão pode ainda ser desmembrado: por exemplo Zé pode vender uma de suas partes autônomas para Má.
Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.
  • Zé tem, "na proporção de sua parte", um quinhão maior do que Má ou Fê.
Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos.
  • Aqui talvez um bug na redação do CC.
    Se interpretamos "partes ideais dos condôminos" como a fração ideal (o valor fixo de 1/18 no nosso exemplo), faz todo o sentido, mas infelizmente está confuso pois o texto confunde "parte", "quinhão" e não cita explicitamente o termo "fração ideal".
    Se supormos que o bug foi a troca do termo "parte" por "quinhão", ficaria "presume-se quinhões iguais", e a frase sozinha faria mais sentido, porém careceria (no contexto global) de uma complementação do tipo "não havendo em contrário estipulação", visto que a Convenção pode aceitar a distribuição desigual de quinhões (no exemplo Zé tem um quinhão maior).
Art. 1.316. Pode o condômino eximir-se do pagamento das despesas e dívidas, renunciando à parte ideal.
  • A regra de que "tudo bem se não pagar pela manutenção do patrimônio"... Ai, antes que a dívida cresça demais, paga-se entregando o patrimônio. Se o patrimônio não tem mais valor, idem: pode-se entregar para não precisar pagar mais a sua manutenção. "renunciando à parte ideal" é análogo a doar.
§ 1º Se os demais condôminos assumem as despesas e as dívidas, a renúncia lhes aproveita, adquirindo a parte ideal de quem renunciou, na proporção dos pagamentos que fizerem.
  • Se Zé renuncia de ser condômino, Fê (ou Má) pode "comprar", ou seja, assumir o direito de propriedade sobre mais 8 frações ideias, ao assumir as dívidas de Zé.
    Se ao invés disso digamos Má pagar metade da dívida e Fê outra metade, essa será a proporção de aquisição de cada uma (cada adquirindo 8/2=4 frações ideais).
§ 2º Se não há condômino que faça os pagamentos, a coisa comum será dividida.
  • o condomínio inteiro vai ser divido, cada um fica com sua parte individual mais 1/3 da parte azul.
Art. 1.317. Quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos, sem se discriminar a parte de cada um na obrigação, nem se estipular solidariedade, entende-se que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum.
  • o conceito de "quinhão" é ambíguo, mas aqui recorremos ao quanto cada um é dono não apenas das partes comuns (1/3 cada) mas o total de frações ideais que o condômino tem. Por exemplo Zé tem 8/18 e Má tem 5/18,
Art. 1.319. Cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou.
  • Frutos de um pomar de laranjeiras são as laranjas... Se as laranjeiras estão na parte comum (azul) é preciso avisar que está colhendo... Não só porque há que se dividir os frutos, mas porque o momento da colheita também precisa ser uma decisão coletiva.
Art. 1.320. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão.
  • Ao desfazer o condomínio, e dividir a parte comum (em azul), Zé recebe mais porque havia adquirido 8/18, enquanto os demais condôminos ficam com 6/18.
:§ 1º Podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.

Se a parte azul é percorrida por um riacho, a única forma de não destruí-lo (ao se desfazer do condomínio) é preservando toda a parte azul como parte comum... Mas o § 1º diz que não pode durar mais que 5 anos essa situação, depois que foi declarado o fim do condomínio.

Art. 1.325. A maioria será calculada pelo valor dos quinhões.
  • Ou seja, Zé tem 8 votos, Má e Fê têm 6 votos cada.
§ 1º As deliberações serão obrigatórias, sendo tomadas por maioria absoluta.
  • Ou seja, tudo é decidido por assembleia, e nela o resultado vencedor não é "maioria dos condôminos", mas "maioria dos votos". Como Zé tem 8 partes ideais e os demais condôminos tem 6 partes ideais, o voto do Zé tem um peso maior.
    Do ponto de vista democrático a restrição é um bug: tira autonomia da Convenção. Decisões relativas a patrimônio e sua manutenção são resolvidas de forma justa com essa proporção, mas questões sociais (ex. decidir sobre permissão de fazer barulho) requerem uma participação mais próxima do "um dono um voto". Uma solução seria a Convenção separar a gestão das partes comuns, estabelecendo que neste contexto o direito a voto é referente à "fração na parte comum" (neste caso Zé tem 1/3 como os demais condôminos).
Art. 1.326. Os frutos da coisa comum, não havendo em contrário estipulação ou disposição de última vontade, serão partilhados na proporção dos quinhões.
  • Ou seja, Zé fica com 8/18 das laranjas do pomar da área comum, Má 5/18 e Fê 5/18.

Conciliando quinhões com partes[editar | editar código-fonte]

A palavra "parte" aparece 8 vezes (2 no singular e 6 no plural) no CC, a palavra "quinhão" aparece 6.

Uma opção para conciliar a terminologia (reduzir bugs da redação do CC) é supor que "as partes ideais dos condôminos" é equivalente a "os quinhões dos condôminos" (cada quinhão quantificado como tendo um certo número inteiro de frações ideais), e que "uma parte ideal" pode designar tanto "quinhão de valor 1" como ser sinônimo de fração ideal, conforme o contexto.