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Inteligência coletiva e dados abertos

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A inteligência coletiva "é uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências"(Lévy, 1998[1]). Trata-se de um conceito estudado e aplicado há muito tempo, mas que ganha notoriedade após sua descrição pelo filósofo francês Pierre Lévy, em 1990, no livro "A inteligência coletiva: uma antropologia do ciberespaço"[1].

Para o autor, a função e o objetivo da Inteligência Coletiva é o "reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas” (Lévy, 1998[1]). Refere-se, assim, às capacidades cognitivas de uma comunidade que se dão a partir das múltiplas interações entre seus membros.

Para Lévy[1][2], o espaço do conhecimento se ativa enquanto experimentamos relações humanas fundadas em princípios éticos de valorização dos indivíduos por suas competências, quando transformamos as diferenças em riqueza coletiva. É preciso realizar um processo de integração e troca de conhecimentos no qual as pessoas não estão limitadas por projetos de aprendizados, pré-conceitos ou pré-requisitos, mas são reconhecidas como pessoas plenas a contribuir com seus conhecimentos específicos e individuais.

Ninguém sabe tudo, mas todo mundo sabe alguma coisa. Inteligência coletiva é assumir que o conhecimento é um feito e não algo que exista em um reservatório de conhecimento transcendente. Todo o conhecimento está entre os humanos e nada mais é do que a soma do que as pessoas sabem. Seu ideal implica na valorização técnica, econômica, jurídica e humana  dividida em todos os lugares e objetiva desencadear uma dinâmica positiva de reconhecimento e mobilização das competências individuais[1].

A implementação e desenvolvimento deste modo de produção do conhecimento distribuído socialmente é bastante facilitado pelas tecnologias de informação e comunicação, especialmente a Internet. Para o autor, o ciberespaço como suporte da inteligência coletiva é uma das principais condições de seu próprio desenvolvimento.

"O estabelecimento de uma sinergia entre competências, recursos e projetos, a constituição e manutenção dinâmicas de memórias em comum, a ativação de modos de cooperação flexíveis e transversais, a distribuição coordenada dos centros de decisão, opõem-se à separação estanque entre as atividades, às compartimentalizações, à opacidade da organização social. Quanto mais os processos de inteligência coletiva se desenvolvem – o que pressupõe, obviamente, o questionamento de diversos poderes –, melhor é a apropriação, por indivíduos e por grupos, das alterações técnicas e menores são os efeitos de exclusão ou de destruição humana resultantes da aceleração do movimento tecno social" (Lévy, 2010[3]).

Nesta perspectiva, o conceito de inteligência coletiva opõe-se à ideia de que o conhecimento legítimo está relacionado apenas à universidade, à escola, a especialistas. O conhecimento é emergência, é o resultado do que se constrói a partir do coletivo, e não do individual[4]. Contudo, o autor ressalta que o ciberespaço não determina automaticamente o desenvolvimento da inteligência coletiva, apenas fornece um ambiente propício para o seu desenvolvimento pelas suas características que facilitam as trocas e conexões[3].

"A constituição de uma inteligência coletiva, que possibilita a criação do Espaço do Saber, demanda que cada um assuma atitudes de colaboração e, de modo semelhante a um participante de coral polifônico, module sua voz de modo a não dominar sobre a dos outros, porém não repetindo sons já emitidos" (Baier, Bicudo, 2013)[5].

O conceito de "inteligência coletiva" é contemporâneo a outros tantos que buscavam compreender "um conjunto de práticas e inovações que prometiam 'democratizar', 'horizontalizar' ou 'descentralizar' as relações interpessoais, a política, a economia" (D'Andréa, 2020[6]) decorrentes da emergência da ideia de Web 2.0.. Aqueles espaços de trocas digitais, experienciados nas décadas de 1980 e 1990, eram vistos como infraestruturas neutras, simples condutoras de informação, como cabos que conduzem eletricidade ou canos que conduzem a água (Van Djick, 2013[7]). Ao contrário do que imaginaram os defensores da Web, a internet que se desenvolveu a partir de então não se mostrou nada horizontal e corporações tomaram conta do que antes se acreditava ser um espaço de livre expressão, colaboração e compartilhamento (Helmond, 2015[8]; D'Andréa, 2020[6]).

Os projetos Wikimedia podem ser considerados um oásis que mantém viva a ideia de "inteligência coletiva", tão defendida pelos idealistas da internet. Como descrito na Teoria da Mudança, desenvolvida pelo Wiki Movimento Brasil:

A vocação da Wikimedia é de certo modo realizar uma utopia. Aproxima-nos de um mundo em que queremos estar, com engajamento à associação voluntária, prática do consenso informado e relações acolhedoras; está portanto direcionada a uma transformação social, enraizada em fundamentos normativos emancipadores.

(...)

O futuro não existe independentemente de nossa imaginação. Pensar na perspectiva de uma lógica de transformação, compartilhada em linhas gerais neste documento, é portanto ativamente constituir uma base para a consolidação de uma utopia real.[9]

Fazer parte do Movimento Wikimedia é, de certa maneira, realizar uma utopia real. Neste ambiente, não há pré-requisitos para contribuir, não importa quem são as pessoas que contribuem, nem qual a sua formação acadêmica. Todo e qualquer indivíduo que queira participar e doar um pouco da sua sabedoria e contribuir para a soma de todo o conhecimento do mundo é muito bem-vindo(a).

Referências

  1. 1,0 1,1 1,2 1,3 1,4 LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. São Paulo: Loyola, 1998.
  2. BEMBEM, Angela Halen Claro; SANTOS, Plácida Leopoldina V. Inteligência coletiva: um olhar sobre a produção de Pierre Lévy. Perspectivas em ciência da informação, v. 18, p. 139-151, 2013.
  3. 3,0 3,1 PIERRE LÉVY. Cibercultura. Editora 34, 2010.
  4. BRAGA, Eduardo Cardoso. As redes sociais e suas propriedades emergentes como a inteligência coletiva: a criação do comum e da subjetividade. TECCOGS: Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, n. 02, 2009.
  5. BAIER, Tânia; BICUDO, Maria Aparecida Viggiani. A criação da Inteligência Coletiva, de acordo com Pierre Lévy, em cursos de Educação a Distância/The creation of the collective intelligence, according to Pierre Lévy, in distance education. Acta Scientiae, v. 15, n. 3, p. 420-431, 2013.
  6. 6,0 6,1 D’ANDRÉA, Carlos Frederico de Brito. Pesquisando plataformas online: conceitos e métodos. 2020.
  7. VAN DIJCK, José. The culture of connectivity: A critical history of social media. Oxford University Press, 2013.
  8. HELMOND, Anne. The platformization of the web: Making web data platform ready. Social media+ society, v. 1, n. 2, 2015.
  9. https://br.wikimedia.org/wiki/Processo_estrat%C3%A9gico_Wiki_Movimento_Brasil_2022/Teoria_da_mudan%C3%A7a

Conteúdos audiovisuais

Depoimento de Grégoire Van Havre, Professor na Universidade Federal do Piauí.

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