Introdução ao Jornalismo Científico/Mídias, Linguagens e Prática do Jornalismo Científico/O uso da imagem no jornalismo científico
O uso da imagem no jornalismo científico
Imagem complexa e difusão científica
[editar | editar código-fonte]A maneira como nós interagimos com as imagens está em constante transformação. As novas tecnologias abriram espaço para outras formas de utilizar as imagens. Elas passam, por exemplo, a adquirir movimento e a serem pensadas em conexão com outras imagens.
Considerando que as imagens desempenham um papel importante na nossa forma de experimentar a vida em sociedade, uma das questões que se coloca é se o uso da imagem pela ciência acompanha essas novas faces comunicativas que presenciamos hoje em dia.
Utilizando como principal fonte teórica os estudos do professor Josep Català, responsável por cunhar o termo Imagem Complexa, esse módulo busca promover uma reflexão sobre como o descompasso entre o uso da imagem pela difusão científica e a forma como o visual opera na contemporaneidade compromete a divulgação do conhecimento científico
Para que a imagem serve na difusão da ciência?
[editar | editar código-fonte]Existem várias respostas possíveis, uma delas é que a imagem é potencialmente didática, facilitando a compreensão de um conteúdo específico. Ainda assim, é comum na prática da ciência o texto servir como principal fonte e forma de transmissão de conhecimento.
O texto, muitas vezes, é tido como uma linguagem legítima nesse processo de apreensão do saber, enquanto a imagem assume um papel secundário que tende a corroborar com os elementos presentes no texto. Nesse formato, a imagem não tem autonomia para criar ou fomentar a busca pelo conhecimento, mas apenas reproduzir ou ilustrar um conhecimento previamente expresso por elementos textuais.
Considerando um contexto em que as novas tecnologias ampliam as possibilidades visuais, percebe-se no universo científico, normalmente, uma utilização limitada da potencialidade da imagem. Para justificar isso, Català vai mais a fundo e afirma que a ciência hoje enfrenta dificuldades em abarcar dentro de seu método reducionista as contradições que formatam a realidade. Essa dificuldade também existe na forma como os processos e estudos científicos são representados visualmente.
Cultura da imagem e Imagem Irracional
[editar | editar código-fonte]A relação estabelecida entre o homem - individual e socialmente - e as imagens pode ser pensada em três momentos distintos, chamados por Català de Cultura do Texto, Cultura da Imagem e Cultura Visual. Para o autor, vivenciamos um momento de transição entre a Cultura da Imagem e Cultura Visual, de modo que uma nova disposição social acerca das imagens vem se fazendo presente.
Ao contrário do que ocorre na Cultura da Imagem, onde as representações possuem um caráter pictórico que recorre ao texto para compreender a realidade, na Cultura Visual não se trata mais de pensar a imagem com uma natureza distinta a do texto, que por isso teria potencial para superá-lo, mas pensar a imagem junto ao texto, capaz de gerenciar junto a ele o conhecimento.
Em seu livro La Imagen Compleja: La fenomenología de las imágenes en la era de la cultura visual, Català define as representações imagéticas da Cultura da Imagem dentro de quatro características: transparência, mimese, ilustração e caráter espetacular. Cada uma dessas características é detalhada pelo autor e brevemente apresentadas aqui.
Tida como o mito fundador do conhecimento ilustrado, a transparência é a busca por fazer da imagem uma representação do real, encobrindo a noção de que a realidade pode ser instrumentalizada por qualquer ideologia. Já o caráter mimético garante que as imagens se apresentem como um recipiente vazio, incapaz de estabelecerem conexões com o mundo, não sendo outra coisa senão uma imitação do que se vê.
A imagem ilustrativa cumpre a função de ponte entre a linguagem textual e a realidade, se limitando a ilustrar o que é previamente exposto em palavras. Uma das incongruências dessa relação, conforme Català, é que, quando uma imagem do campo das artes divide espaço com o texto, como em um livro, a imagem imediatamente deixa de ser um objeto de arte e se converte em ilustração do texto, com o único intuito de “apoiá-lo”.
A imagem espetacular é analisada como característica da Cultura da Imagem a partir da ideia de Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord. Nessa perspectiva, a imagem espetacular cria uma distância confortável entre observador e objeto observado, dificultando a interação entre ambos e contribuindo para um receptor passivo que consome um conteúdo sem necessariamente interagir com ele.
O caráter transparente, mimético, ilustrativo e espetacular são elementos que compõem o que Català chama de Imagem Irracional. Essa imagem não é apenas uma marca da Cultura da Imagem, mas também é tida pelo autor como o formato tradicionalmente utilizado para difundir o conhecimento adquirido por meio do método científico. Mas ocorre que, nesse novo momento traçado por novas faces comunicativas, as imagens assumem outras características que tendem a expressar em seus elementos a busca por compreender a realidade e não somente retratá-la.
Cultura Visual e Imagem Complexa
[editar | editar código-fonte]Para o pesquisador, nós vivemos no período da cultura visual, em que buscamos expor em imagens o que já existe. Na cultura visual a imagem ambiciona ser opaca, expositiva, reflexiva e interativa. Todos esses aspectos constituem o que ele chama de imagem complexa. Em contraposição à imagem tradicional, ligada à ciência e à objetividade, a imagem complexa surge como uma resposta às limitações visuais presentes na cultura da imagem.
Ao invés de “ser uma janela para o mundo” - o que configura a ideia de transparência - a imagem complexa é um espaço de término, no qual o espectador se detém a fim de iniciar um processo de reflexão que o leva a uma profunda compreensão do real. Ao contrário da imagem mimética, é uma imagem expositiva que, ao propor outras formas de construção visual, foge do tradicional realismo.
Trata-se ainda de imagens reflexivas ao invés de ilustrativas, pois não buscam por meio da mimese e da representação visível revelar ideologias, mas trazem essa revelação por meio de um processo didático que ocorre via linguagem visual. A interatividade é outro aspecto da imagem complexa, em detrimento ao caráter espetacular da imagem irracional; a imagem interativa possui uma estrutura que serve de conexão com outros meios, sendo capaz de abarcar inúmeras mensagens na sua representação.
Crise na produção imagética
[editar | editar código-fonte]As imagens, ao serem confinadas em um formato irracional, pouco dialogam com o olhar complexo do observador e com as mudanças movidas pelas novas tecnologias. Essa divergência no modo como a imagem é produzida dentro do universo científico e como ela é recebida pelo observador demarca um momento de crise na produção da imagem dentro da difusão do conhecimento.
Se a imagem na difusão é produzida conforme os elementos da imagem irracional, mas o receptor enxerga essa imagem inevitavelmente com complexidade, existe uma quebra na compreensão final. A imagem irracional busca transmitir uma mensagem que ela não consegue passar porque o olhar do observador é complexo.
Català chama atenção para utilização consciente da imagem complexa como uma possibilidade mais profunda e reflexiva para a representação do conhecimento científico, uma vez que essa imagem acompanha as mudanças movidas pelas novas tecnologias, sendo potencialmente capaz – considerando todas as suas características – de criar uma nova linguagem visual em que a imagem não seja a finalidade, mas outro caminho tanto para desenvolver o método científico, como para transmitir à sociedade o conhecimento adquirido por meio desse método.
Não se trata, portanto, de aprimorar as imagens para melhorar a compreensão sobre os processos e estudos desenvolvidos através do método científico; o que a imagem complexa propõe é uma reflexão sobre como se pensar com a imagem, assumindo um olhar complexo sobre ela.
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