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Introdução ao Jornalismo Científico/Modos de Organização e Financiamento dos Sistemas de Pesquisa, no Brasil e no Exterior/A estrutura de financiamento para a ciência no Brasil

De Wikiversidade
Módulo 1: Metodologia e Filosofia da Ciência Módulo 2: História da Ciência e da Tecnologia Módulo 3: Ética da Ciência Módulo 4: Temas Centrais da Ciência Contemporânea Módulo 5: Modos de Organização e Financiamento dos Sistemas de Pesquisa, no Brasil e no Exterior Módulo 6: Mídias, Linguagens e Prática do Jornalismo Científico


A estrutura de financiamento para a ciência no Brasil

Conteúdo

Você já se perguntou por que alguns estados brasileiros têm centros de pesquisa robustos e outros mal conseguem manter bolsas de iniciação científica? Ou por que tantos pesquisadores brasileiros se mudam para o exterior? Para entender essas perguntas, é preciso olhar com atenção para a estrutura de financiamento da ciência no país e, mais do que isso, compreender como ela é disputada, narrada e silenciada.

É preciso ainda deixar claro que essa é uma conversa que precisa envolver quem comunica ciência. Afinal, o financiamento não é apenas um assunto técnico ou restrito aos gabinetes governamentais. É uma questão profundamente política, que define quais pesquisas são possíveis, quais vozes serão ouvidas e quais regiões terão vez. Por isso, nesta unidade, vamos explorar como se estrutura o financiamento à ciência no Brasil e como o jornalismo científico pode (ou não) revelar as engrenagens desse sistema. Para começar essa conversa, é preciso encarar o financiamento como uma arena de disputa.

O financiamento como disputa

O financiamento da ciência é tudo, menos neutro. Como destaca Pierre Bourdieu (2003), o campo científico está inserido em relações de poder: ou seja, quem controla os recursos, controla parte importante do que será produzido, por quem e com quais interesses.

No Brasil, essa disputa é intensa. E isso não é de hoje. Desde 2015, a ciência tem perdido espaço no orçamento federal. Mas o problema nem sempre é o corte direto. Muitas vezes, o dinheiro até é aprovado, mas fica travado e não chega onde deveria. Esse bloqueio tem nome: contingenciamento.

Um dos principais alvos desse mecanismo tem sido o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é, basicamente, o maior cofre que o governo tem para financiar pesquisa e inovação.

Em 2021, por exemplo, quase 90% dos R$ 5,3 bilhões previstos para o fundo foram bloqueados. Isso aconteceu mesmo depois de uma lei aprovada naquele ano ter proibido esse tipo de travamento. O motivo? A presidência vetou os trechos da lei que garantiriam a execução do orçamento na prática.

Em 2022, o governo em exercício publicou uma nova regra – a MP 1.136 – que permitia limitar o uso do dinheiro do FNDCT por vários anos. Segundo essa regra, mesmo que o fundo tenha dinheiro disponível, só uma parte poderia ser usada. No caso, 42% em 2023, 32% em 2024, e apenas 22% em 2025. As previsões, à época, apontavem que até 2027 o bloqueio poderia chegar a 100%.

Mesmo com essas restrições, houve um avanço em 2023 e 2024. Pela primeira vez em muito tempo, o governo conseguiu liberar e usar 100% do dinheiro previsto para o fundo: foram R$ 10 bilhões em 2023 e R$ 12,7 bilhões em 2024, o maior valor da história do FNDCT. Mesmo assim, a ameaça do contingenciamento segue ativa. Em 2025, o Congresso precisou intervir de novo, aprovando um projeto que tenta garantir a liberação gradual de R$ 22 bilhões até 2028.

Mas por que isso acontece? A verdade é que, por muitos anos, o governo usou o dinheiro da ciência para cobrir outras despesas e “fechar as contas”. O FNDCT, que deveria financiar pesquisa, acabou sendo tratado como reserva de emergência fiscal. E isso mostra uma lógica preocupante: a ciência segue sendo vista como algo dispensável, e não como um investimento estratégico para o país.

O papel do jornalismo científico nesse cenário é fundamental. Não basta dizer que “falta dinheiro”. É preciso mostrar por que falta, quem decide isso e quem paga a conta. Explicar como funcionam os bloqueios, que leis permitem isso, e quais são as consequências práticas: projetos cancelados, bolsas cortadas, jovens pesquisadores desistindo da carreira acadêmica. Ou seja, comunicar essas decisões de forma clara e acessível é o que transforma a ciência em pauta pública e não apenas em mais uma vítima do orçamento. Mas para entender melhor quem está no centro dessas decisões, precisamos olhar para os principais agentes que compõem o sistema de fomento à ciência no Brasil.

Quem financia a ciência no Brasil?

O sistema de fomento à ciência no Brasil envolve múltiplas instâncias, cada uma com funções e níveis de autonomia diferentes:

  • O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) coordena o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), além de gerenciar o FNDCT.
  • O Ministério da Educação (MEC) responde pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), voltada à pós-graduação.
  • As Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs), como a FAPESP (São Paulo), FAPEMIG (Minas Gerais) e FAPERJ (Rio de Janeiro), atuam de forma descentralizada nos estados.

Cada uma dessas instâncias tem sua lógica: o CNPq distribui bolsas e apoia projetos individuais; a FINEP financia inovação em parceria com empresas; a CAPES regula e avalia os cursos de mestrado e doutorado; as FAPs aplicam recursos estaduais conforme diretrizes próprias. Na pratica é um sistema diversificado, mas também profundamente desigual.

Um dos maiores desafios da estrutura de financiamento é a centralização dos recursos em poucos estados. A FAPESP, por exemplo, é referência internacional de modelo de fomento, mas isso só foi possível porque o estado de São Paulo cumpre, desde 1962, a lei que destina 1% da receita líquida estadual à fundação. Em muitos estados, esse percentual é descumprido ou simplesmente ignorado.

O artigo “Centralização da produção de CT&I” (2022) mostra que, entre 2000 e 2020, mais de 70% dos recursos de pesquisa e desenvolvimento se concentraram na Região Sudeste. Estados como Roraima, Amapá e Acre seguem com estruturas frágeis ou inexistentes de fomento.

Essas desigualdades têm repercussões profundas. Por exemplo, enquanto a FAPESP apoia projetos de ponta em inteligência artificial e neurociência, FAPs de outros estados lutam para manter editais mínimos ou garantir o pagamento de bolsas atrasadas. Quando trazemos esse problema para o jornalismo científico, é preciso ter em mente que é necessário olhar para esses contrastes e não apenas celebrar os grandes centros de excelência. Mapear a ausência também é uma forma de fazer jornalismo comprometido com o direito à ciência.

Como se financia um projeto de ciência?

Os modelos de financiamento variam conforme a agência e o objetivo da chamada:

  • Bolsas (iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doc): são voltadas à formação de pesquisadores.
  • Auxílios e editais temáticos: financiam projetos específicos, individuais ou em grupo.
  • Programas especiais, como os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP, que integram pesquisa, inovação e comunicação.

O CEPID NeuroMat, por exemplo, que deu origem a este curso, é um projeto multidisciplinar que reúne matemáticos, neurocientistas, biólogos, estatísticos e comunicadores. Ele é financiado para realizar pesquisa de base e desenvolver ações de comunicação pública da ciência.

Mas nem todos os centros têm acesso a esse tipo de recurso. A maior parte dos pesquisadores do Norte e Nordeste, por exemplo, atua em instituições com baixa captação de recursos externos, o que perpetua assimetrias históricas.

O desfinanciamento da ciência não é um processo silencioso — mas, às vezes, é silenciado. Como foi dito, em 2021, o governo federal sancionou uma lei que impedia o bloqueio de recursos do FNDCT. Mesmo assim, o orçamento foi contingenciado por manobras orçamentárias. Em 2022, o CNPq chegou a atrasar o pagamento de bolsas, gerando mobilização de estudantes, docentes e entidades científicas.

A imprensa especializada, como a Revista Pesquisa FAPESP, a Agência Bori e o Jornal da Ciência (da SBPC), teve papel fundamental na denúncia desses episódios. Já parte da grande imprensa ignorou o tema ou tratou o corte de verbas como algo técnico, desvinculado da vida real. É aqui que o jornalismo científico pode, e deve, agir. Isso significa disputar a pauta, dar rosto aos dados, ouvir quem sofre os impactos e explicar ao público por que investir em ciência é uma escolha civilizatória.

Quem comunica o financiamento comunica o futuro

A estrutura de financiamento da ciência no Brasil está em disputa. É instável, desigual e profundamente conectada ao jogo político. Entendê-la não é apenas tarefa de pesquisadores ou gestores. É também missão de quem comunica ciência com responsabilidade.

Jornalismo científico não é só contar descobertas, mas também revelar estruturas, denunciar retrocessos, tensionar desigualdades e imaginar futuros. Quando olhamos para um edital suspenso, um projeto abandonado ou um laboratório vazio, o que está em jogo não é apenas uma pesquisa, mas a possibilidade de um país produzir conhecimento com soberania.

Referências

Conteúdos audiovisuais

Quiz

Caro(a) aluno(a), lembre-se que o quiz é uma autoavaliação.

1

O que é o FNDCT e por que ele é central no financiamento à ciência no Brasil?

Um fundo privado usado para financiar startups.
Um fundo estatal que financia apenas universidades federais.
O principal instrumento federal de apoio à pesquisa e inovação, frequentemente sujeito a contingenciamentos.
Um programa da CAPES voltado ao ensino médio.

2

O que significa contingenciar recursos públicos?

Aumentar os repasses para áreas prioritárias.
Aprovar recursos no orçamento, mas não permitir que sejam usados de fato.
Reduzir os impostos sobre ciência e tecnologia.
Direcionar mais dinheiro para pesquisa internacional.

3

Qual foi uma das consequências da MP 1.136/2022 para o FNDCT?

Definição de um teto anual para uso dos recursos do fundo, mesmo que haja verba disponível.
Fim da autonomia das universidades públicas.
Aumento automático dos investimentos em P&D.
Liberação imediata de 100% dos recursos represados.

4

Segundo o artigo citado sobre centralização da CT&I no Brasil, qual região concentra a maior parte dos investimentos?

Norte
Sul
Centro-Oeste
Sudeste

5

Por que o jornalismo científico é importante na discussão sobre financiamento da ciência?

Porque apenas ele tem acesso aos dados do governo.
Porque ajuda a produzir pesquisas acadêmicas.
Porque torna públicas as decisões políticas e suas consequências, estimulando o debate e a pressão social.
Porque substitui a atuação das agências de fomento.

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