Introdução ao Jornalismo Científico/Temas Centrais da Ciência Contemporânea/Redes sociais
Redes sociais
Até abril de 2020, o número de usuários no Facebook era configurado da seguinte forma: Índia: 280 milhões; EUA: 190 milhões; Indonésia: 130 milhões e Brasil: 120 milhões. No Whatsapp, o quadro de usuários até 2019 era: Índia: 340 milhões; Brasil: 99 milhões e EUA: 68,1 milhões. Por fim, no Twitter, até abril de 2020, o número de usuários era distribuído em: EUA: 64,2 milhões; Japão: 48,45 milhões; Rússia: 23,55 milhões; Reino Unido: 17,75 milhões; Arábia Saudita: 15 milhões e Brasil: 14,35 milhões.
Esses dados representam um fenômeno social da atualidade, mas a grande questão é entender qual é a importância dele. Parece que esse fenômeno tem um efeito dramático na vida política dos países e na maneira como a opinião pública evolui.
Estudos de caso
[editar | editar código-fonte]As eleições para governador do Rio de Janeiro em 2018 ilustram essa mudança rápida de opinião majoritária na sociedade. As sondagens feitas na última quinta-feira antes do domingo de eleições apontavam uma disputa acirrada entre Romário e Eduardo Paes. Porém, feita a contagem do primeiro turno, Romário, antes favorito na disputa, nem ao mesmo apareceu no segundo turno. No lugar dele estava um candidato, até então, pouco conhecido, Wilson Witzel, quem obteve mais votos e venceu as eleições. Isso foi uma surpresa para todos.
Esse erro de predição não se limitou somente ao Rio de Janeiro, aconteceu também nas eleições para senador do mesmo ano. Na disputa para o Senado no Paraná, Minas Gerais e São Paulo, os candidatos Roberto Requião, Dilma Roussef e Eduardo Suplicy, respectivamente, apareciam largamente na frente em todas as sondagens. Surpreendentemente, os três foram derrotados. Mais uma vez, houve um fracasso flagrante das predições dos institutos de pesquisa.
Há também o caso das Eleições Presidenciais de 2018. Nas avaliações das intenções de voto, nenhuma sondagem previu que o Cabo Daciolo ficaria na frente de Henrique Meirelles e Marina Silva, nem que Alckmin só teria a metade dos votos estimados pelas pesquisas prévias. Finalmente e mais importante, as sondagens não previram a quase vitória no primeiro turno do candidato Jair Bolsonaro.
Podia-se pensar que tais erros se tratavam de erros técnicos dos institutos de pesquisa mas há várias razões que contradizem essa hipótese. No dia 18 de outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turno, a jornalista Patrícia Campos Mello publicou um artigo no jornal Folha de S. Paulo cujo título era: "Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp". Conjecturou-se, então, que talvez essa fosse a explicação para mudanças de intenção de voto entre o que foi registrado nas sondagens prévias e o que aconteceu no primeiro turno. Mas poderia uma campanha no WhatsApp explicar os erros nas predições dos institutos de pesquisa?
Investigando o WhatsApp
[editar | editar código-fonte]Nessa situação, o problema não estaria na amostra. Os institutos de pesquisa são sérios e experientes e é muito raro haver um erro crasso dessa forma. Tudo indica que houve de fato um movimento de opinião pública que aconteceu nos últimos dias antes da eleição. Esse é um fenômeno, aliás, que faz parte do folclore dos estatísticos que analisam eleições em cidades pequenas. Fatos que acontecem no dia da eleição ou na véspera podem alterar a opinião de uma parcela da população e, consequentemente, alterar o resultado. O que não se tinha visto ainda era algo desse tipo acontecer a nível nacional."PESQUISAS ELEITORAIS evidenciaram a impulsão da onda nos movimentos finais. RJ, MG, DF são claros exemplos. Ao se comparar as fotos das vésperas, registradas por Ibope e Datafolha, em comparação com a foto das urnas, o fenômeno é claramente explicitado."
Esse é um problema que interessa a todos, não só como desafio científico, mas também porque esse é um problema que afeta a democracia. Não entender mais como a opinião pública evolui indica que a sociedade enfrenta dificuldades.
Tanto o efeito do trabalho da Cambridge Analytica na campanha eleitoral que culminou na vitória de Donald Trump em 2016, quanto o que aconteceu no Brexit e nas eleições presidenciais do Brasil em 2018 indicam fenômenos que merecem ser estudados. Verificar a plausibilidade da conjectura de que esses acontecimentos foram provocados por atividades feitas nas redes sociais é um desafio científico. Para isso, é preciso modelar estatisticamente como uma onda que muda a opinião de uma grande massa de eleitores em um tempo curtíssimo pode ocorrer numa rede social e na sociedade. O modelo é uma espécie de maquete reduzida em que se coloca o mínimo de detalhes que permita fazer a análise e elimine tudo aquilo que não é essencial para entender o fenômeno.
Como modelar uma Rede Social
[editar | editar código-fonte]O modelo tem ao menos duas componentes:
- Uma descrição do conjunto de interações entre os membros da rede. Quem influencia quem?
- Uma função que descreva como a opinião dos demais afeta a opinião de cada membro específico da rede.
Este é um modelo que vem sendo desenvolvido por Antonio Galves e Kádimo Laxa. Trata-se de um modelo matemático simples, flexível, fácil de simular e que tem um comportamento realista. Nele, há um grande conjunto de atores que interagem entre si e todos se influenciam mutuamente. Essa última hipótese é muito verdadeira nas redes sociais, sobretudo, nas redes sociais constituídas com a ajuda dos perfis classificados pela Cambridge Analytica. Essa foi a grande contribuição da Cambridge Analytica: identificar perfis de pessoas suscetíveis a acreditarem nas mesmas coisas e, portanto, serem influenciadas pelos mesmos tipos de argumentos.
Cada ator emite ao longo do tempo opiniões que podem ser a favor ou contra uma determinada posição. Pouco importa qual seja a temática, o modelo se concentra em discutir como o discurso das pessoas evolui em relação à uma questão específica. No caso das eleições, essa questão seria: você é favorável a eleição do candidato x?
Após emitir uma opinião, cada ator se baseia nas reações do grupo para formar uma nova convicção. A convicção de cada ator em cada instante expressa a reação majoritária do grupo depois dele ter emitido sua última opinião. Aqui, vários aspectos são típicos de uma democracia, o ator social emite uma opinião e espera a reação do grupo, ou seja, está à escuta dos demais. Se ele recebe uma maioria de opiniões a favor, tem uma tendência a se expressar a favor. Se recebe uma maioria de opiniões contra também tem uma tendência a ser contra. Mas isso não é obrigatório, ele pode ir contra à opinião da maioria, pois a opinião que cada um emite é probabilística, não determinística.-
A influência da maioria sobre a opinião de cada ator
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A influência da maioria sobre a opinião de cada ator em uma sociedade polarizada
O gráfico à esquerda mostra que quando a opinião majoritária é favorável ao voto em um determinado candidato, a probabilidade de cada ator votar a favor desse mesmo candidato é 0.8. Os atores ainda têm 0.2 de probabilidade de emitir uma opinião contrária à da maioria.
É um modelo simétrico, então, se a grande maioria tiver uma opinião contrária, indicada pelo -4, é muito pouco provável que os atores votem a favor. Quando a opinião pública está dividida de tal maneira que o número de votos a favor e contra se equilibram, a média é zero. Nesse caso, a chance de votar a favor ou contra é 0.5, como decidir jogando uma moeda.
A inclinação da subida reflete a sensibilidade que os atores têm à opinião majoritária e também a polarização da sociedade. No gráfico disposto à direita observa-se esse cenário. Devido a essa diferença na inclinação, o voto a favor acontece com muito mais probabilidade.
Produzindo uma onda na opinião pública
[editar | editar código-fonte]Em uma sociedade democrática, é normal que haja flutuações na opinião pública em um sentido ou no outro. Mas, nesse modelo, o fato que todos se influenciam mutuamente, qualquer flutuação local afeta a opinião majoritária do grupo. Assim, a polarização - inclinação representada nos gráficos que reflete a maioria das opiniões que o ator recebeu - amplifica esse efeito levando a uma situação de unanimidade. Ou seja, as redes sociais são máquinas de produzirem unanimidades em um curto espaço de tempo. Em um tempo muito mais longo, caso a rede se mantenha da mesma forma, haverá uma reviravolta. Mas esse tempo é tão mais longo que possivelmente não será percebido na vida dessa rede, que desaparecerá antes que isso ocorra. Essa pode ser a explicação da onda observada por Mauro Paulino.
A unanimidade desaparece quando cada ator só é influenciado por um grupo pequeno de pessoas. Medidas como a do WhatsApp de limitar o número de vezes que uma mensagem pode ser compartilhada de uma única vez contribuem com esse processo de restringir o efeito global das redes, de barrar uma onda.
Algoritmos que emitem opiniões numa direção pré-estabelecida são máquinas, não seres humanos. No modelo de redes sociais apresentado, a onda pode ir para qualquer um dos sentidos, a favor ou contra. Mas, os robôs empurram a onda em uma só direção. O robô produz um viés fundamental que faz com que a onda vá sempre na mesma direção. Esse é o pior dos cenários. Um mundo, no qual não somente há uma rápida unanimidade que se forma, mas ela se forma por efeito de um algoritmo que te empurra. Se houvesse robôs dos dois lados, emitindo opiniões favoráveis e contrárias, venceria aquele quem tivesse mais robôs enviando mais mensagens. Nesse caso, acaba-se com a opinião pública e inicia-se um combate de robôs.
O antídoto universal contra a máquina de produzir ondas é a desconfiança. É sempre ter o olhar crítico sobre a atualidade; não acreditar em qualquer informação espalhada na rede, mesmo se for o caso de uma informação que nos agrada; e verificar a veracidade das notícias difundidas.
Pode a realidade servir de antídoto ao efeito manada?
[editar | editar código-fonte]Nos Estados Unidos, a maior parte das pessoas não acreditava que a polícia tinha um comportamento racista. O assassinato de George Floyd parece ter abalado essa crença. Este é um exemplo que pode ajudar a refletir sobre a questão. Uma maneira dura e difícil que a realidade obriga os atores sociais a perceberem o que está acontecendo.
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