Introdução ao Jornalismo Científico/Metodologia e Filosofia da Ciência/Níveis de entendimento
Níveis de entendimento
O jornalismo científico muitas vezes parte da premissa de que a ciência segue um “método” rígido e universal. Essa visão, porém, é simplificadora demais. A ciência tem métodos, mas não existe “o método” no singular. O que há são tradições, lógicas e estratégias que variam conforme o campo, o problema e o contexto histórico. Quando entendemos esse ponto, melhoramos nossa maneira de narrar a ciência sem cair em clichês ou distorções.
Para o público não especializado, é comum imaginar que toda descoberta começa com uma observação neutra, seguida por hipóteses, experimentos e conclusões. Esse roteiro clássico existe, mas nem sempre funciona assim. A história da ciência mostra que teorias podem surgir antes das observações, como ocorreu com a Teoria da Relatividade, e que resultados podem ser revistos, como aconteceu com as orientações sobre uso de máscaras durante a pandemia de Covid-19. Para muitos, essas revisões foram interpretadas como contradições, quando, na verdade, são parte natural do processo científico.
Método científico e seus limites
Karl Popper foi um dos principais críticos da ideia de indução, ou seja, a noção de que basta acumular observações para chegar a leis gerais. Para ele, a ciência não prova hipóteses; ela as testa. Seu critério de cientificidade é a falseabilidade, que na prática quer dizer que uma teoria é científica se pode, em princípio, ser refutada por evidências. Esse ponto tem implicações diretas para o jornalismo, já que quando uma pesquisa “confirma” algo, isso não significa verdade definitiva, mas uma hipótese ainda não refutada. Por isso, manchetes como “Estudo comprova de forma conclusiva” reforçam expectativas irreais.
Popper também descreveu a lógica hipotético-dedutiva, onde os cientistas formulam hipóteses e deduzem consequências que podem ser testadas. Esse processo é racional, mas não mecânico. Ele envolve criatividade, interpretação e até sorte. Ignorar esses aspectos contribui para uma imagem distorcida da ciência como uma máquina impessoal de produzir fatos.
Por que não existe uma única ciência?'
Thomas Kuhn explicou que a ciência costuma passar longos períodos em que os cientistas trabalham seguindo um conjunto de ideias e regras já estabelecidas que ele chamou de “ciência normal”. Nesse tempo, os pesquisadores fazem estudos tentando resolver pequenos problemas, encaixando as peças do conhecimento como se montassem um quebra-cabeça, mas sem tentar mudar o modelo maior, só melhorando e testando o que já existe. Eles só começam a questionar tudo quando aparecem problemas que esse modelo não consegue explicar; aí, acontece uma crise e pode começar uma “revolução científica”, que muda profundamente como se entende a realidade.
Paul Feyerabend trouxe uma crítica forte contra a ideia de que existe um único método científico que deve ser seguido por todas as áreas. Em seus estudos, ele defende que, muitas vezes, o avanço da ciência acontece justamente quando os cientistas quebram as regras e experimentam novos caminhos. Quando voltamos essas ideias para o jornalismo científico, um alerta se acende. Afinal, quando se comunica a ciência como se fosse algo rígido e igual em todos os campos, acaba escondendo a grande diversidade de métodos e práticas existentes, desde as ciências exatas até as sociais.
Bruno Latour, por sua vez, nos lembra que a ciência não é apenas um conjunto de procedimentos, mas um trabalho em rede: laboratórios, instrumentos, políticas, financiamento e até disputas de prestígio influenciam nos resultados. Para o jornalismo científico, isso significa que contextualizar a produção do conhecimento é tão importante quanto explicar experimentos e números.
O recado central é simples, mas poderoso: não existe um “método científico” único e infalível. A ciência é feita por pessoas, com métodos diversos, submetidas a revisões constantes. Para quem comunica ciência, isso significa explicar processos e incertezas sem transformar dúvida em descrédito. Em um tempo de negacionismo, essa é uma tarefa urgente.
Referências
- FEYERABEND, Paul Karl. Contra o método. São Paulo: Editora Unesp, 2007.
- KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 12. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.
- LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo, Editora UNESP, 2000.
- POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
- VOGT, Carlos (Org). Cultura científica: desafios. São Paulo: Edusp, 2006.