Introdução ao Jornalismo Científico/Modos de Organização e Financiamento dos Sistemas de Pesquisa, no Brasil e no Exterior/O estabelecimento da pesquisa no Brasil

Fonte: Wikiversidade
Módulo 1: Metodologia e Filosofia da Ciência Módulo 2: História da Ciência e da Tecnologia Módulo 3: Ética da Ciência Módulo 4: Temas Centrais da Ciência Contemporânea Módulo 5: Modos de Organização e Financiamento dos Sistemas de Pesquisa, no Brasil e no Exterior Módulo 6: Mídias, Linguagens e Prática do Jornalismo Científico


O estabelecimento da pesquisa no Brasil

Conteúdo

No início do século XX, a pesquisa científica começou a receber mais atenção do governo, muito em conta das doenças que atingiam as cidades grandes, como Santos e Rio de Janeiro. Febre amarela, varíola e a peste eram problemas constantes. A fim de erradicá-las da então capital federal, foi chamado o médico e bactereologista Oswaldo Cruz para a função. Ele havia criado, em 1900, o Instituto Soroterápico Federal, hoje chamado de Instituto Oswaldo Cruz; paralelamente, em São Paulo, foi criado o Instituto Butantan. Ambos os institutos se dedicavam à pesquisa para a produção de vacinas. Anos depois, em 1916, Oswaldo Cruz ajudou a fundar a Sociedade Brasileira de Ciências (SBC), mas viveu pouco para ver a evolução da SBC, pois faleceu em fevereiro de 1917, vítima de insuficiência renal.

Em 1922, a Sociedade Brasileira de Ciências passou a se chamar Academia Brasileira de Ciências (ABC), e ela desempenhou importante papel para incentivar a difusão científica naquele tempo. No ano seguinte, a ABC criou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, gerada por cientistas, professores e intelectuais, cujo objetivo era o de disseminar a informação e o conhecimento científico. Inclusive, em maio de 1925, durante sua visita ao Brasil, Albert Einstein deu um breve depoimento à radio, que não ficou sob o comando da ABC por muito mais tempo. A dificuldade em se adaptar à legislação da época, que pedia radialistas e adaptações técnicas, levou a ABC a repassar a Rádio Sociedade para o Ministério da Educação.

Se as duas primeiras décadas do século XX indicavam um ritmo mais forte de desenvolvimento da cultura científica e um olhar mais cuidadoso do Estado em relação à ciência, a chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, diminuiu as expectativas. A ciência seria uma peça dentro do plano nacional-desenvolvimentista. Não obstante, houve progressos importantes do ponto de vista da institucionalização da pesquisa como a criação dos Fundos Universitários de Pesquisa para a Defesa Nacional (FUP), em 1942, por Jorge Americo, então reitor da Universidade de São Paulo. Sua vida foi curta, pois fechou logo após o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, visto que razão de existir era justamente a "defesa nacional".

Em 1947, pesquisadores e professores universitários, liderados por Adriano Marchini e João Luiz Meiller e inspirados nos FUP, escreveram o documento “Ciência e Pesquisa: Contribuição de Homens do Laboratório e da Cátedra à Magna Assembleia Constituinte de São Paulo”, cujo objetivo era fazer os deputados compreenderem a importância da criação de uma fundação voltada à ciência e tecnologia no estado de São Paulo. Tal documento deu origem ao Artigo 123 da Constituição Paulista, que dizia:

Artigo 123. O amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado, por intermédio de uma fundação organizada em moldes que forem estabelecidos por lei.

Parágrafo único. Anualmente, o Estado atribuirá a essa fundação, como renda de sua privativa administração, quantia não inferior a meio por cento do total de sua receita ordinária.

—Constituição Paulista

A promulgação desta lei, que deu origem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), só viria a acontecer em 1960. Antes, em 1948, um grupo de cientistas e pesquisadores fundaram a Sociedade para o Progresso da Ciência (SBPC), entidade voltada para o avanço científico, tecnológico, educacional e cultural no Brasil, além de reforçar a importância de instituições no desenvolvimento da ciência no Brasil. Neste sentido, dois passos fundamentais foram dados em 1951, quando o governo federal criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

A Lei nº 1.310 de 15 de janeiro de 1951 estabeleceu a criação do CNPq, a mais antiga agência deste tipo no Brasil e cuja finalidade é a promoção e o estímulo à pesquisa científica por todo o território brasileiro e nas mais diversas áreas. Em seus primeiros anos, porém, o foco era a física nuclear e os assuntos relacionados à energia nuclear, cujo poder assombrou o mundo na Segunda Guerra Mundial. Ademais, a própria Lei nº 1.310 proibia a exportação de minerais radioativos, o que contribuiu para os primeiros estudos financiados pela CNPq serem sobre a presença de minerais radioativos no país. Em 1954, a gestão de atividades relacionadas à energia nuclear tornou-se responsabilidade do Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), independente do CNPq, que hoje responde ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O CNPq criou seus primeiros institutos na década de 1950, como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e o Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), que até hoje permanecem sob a alçada da CNPq, além do Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR), que hoje responde ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Vários outros institutos foram incorporados ao CNPq ou por ele criado, como o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

Por sua vez, a CAPES foi fundada em 11 de julho de 1951, pelo decreto nº 29.741, com o objetivo de "assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país"[1]. Atualmente a única agência de fomento vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a CAPES também concede bolsas de estudo em diversas áreas do conhecimento, mas ela se diferencia de seus similares por ser responsável pela avaliação dos cursos de mestrado e doutorado por meio de uma prova trienal. Portanto, a CAPES tem o poder de aprovar ou reprovar, abrir ou fechar cursos stricto sensu no país.

A criação da CNPq e da CAPES é reflexo do contexto político brasileiro. Getúlio Vargas havia voltado ao poder e, com ele, o plano de construir uma nação no nacional-desenvolvimentismo. Com isso, houve a urgência de se ter especialistas e pesquisadores de diversas áreas, em especial os ligados às áreas de interesse do governo; como vimos, a física, mais especificamente o setor de energia atômica, era uma dessas áreas. Matemáticos, químicos, economistas e outros pesquisadores das ciências humanas tinham bolsas de pesquisa disponíveis. No âmbito estadual, São Paulo demorou para tirar do papel a proposta do Artigo 123, que propunha a criação de uma fundação estadual para a pesquisa científica.

Os esforços no sentido de retomar o Artigo 123 ocorrem ao longo da década de 1950, com manifestações de apoio à criação por professores e instituições. Em junho de 1960, mil docentes da Universidade de São Paulo (USP) assinaram uma carta pedindo rapidez na tramitação do processo, que seria concluído em outubro com a assinatura do governador Carlos Alberto de Carvalho Pinto e, assim, dava ao Poder Executivo do estado de São Paulo a autorização para criar a FAPESP. Dois anos depois, em 23 de maio de 1962, finalmente foi fundada a FAPESP, após a aprovação dos estatutos que estabelecem a finalidade, a origem e o uso dos recursos financeiros e a organização da fundação.

As primeiras iniciativas da FAPESP ocorreram no ano seguinte, em 1963, e eram voltadas à áreas nas quais a pesquisa era incipiente e importante para o estado de São Paulo. Os quatro temas iniciais estudados foram a histologia dos mamíferos silvestres brasileiros, a produção de aços e os resultados das siderúrgicas de São Paulo, a composição química de organismos e vivos e os estudos sobre a Stevia rebaudiana, cujo uso como adoçante, tal qual conhecemos hoje, era hábito comum entre os índios guaranis que queriam amenizar o gosto forte da erva mate.

As pesquisas se intensificaram nos anos seguintes com a realização de expedições à Amazônia e pelo litoral brasileiro. Contudo, o cenário político brasileiro esquentava e atingiu o ponto de ebulição em 1964, com o Golpe de Estado dos militares. Então presidente da CAPES, Anísio Teixeira foi afastado pelos militares de seu cargo e mudou-se para os Estados Unidos, onde lecionou até retornar ao Brasil em 1966 como consultor da Fundação Getúlio Vargas. Os estragos dentro da comunidade científica foram agravados com o Ato Institucional n. 5 (AI-5), decretado em dezembro de 1968, que forçou diversos professores universitários a se aposentarem, como o físico Mário Schenberg, o sociólogo Florestan Fernandes e Alberto Carvalho da Silva, professor da Faculdade de Medicina da USP e então diretor científico da FAPESP. Em 1971, encontraram o corpo de Anísio Teixeira dentro de um elevador no Rio de Janeiro. Apesar do laudo apontar morte acidental, há forte especulação de que Anísio teria sido assassinado pelo governo do general Emílio Garrastazu Médici.

A regulamentação dos cursos de pós-graduação, lato e stricto sensu, só ocorreu em 1965, quando o MEC publicou os conceitos e as bases legais para a criação dos programas de pós, conhecido hoje como Parecer Sucupira, em homenagem ao seu relator, o professor Newton Sucupira. Naquele ano, foram registrados os primeiros cursos de pós-graduação no país: 27 de mestrado e 11 de doutorado. No ano anterior, em 1964, foi atribuído ao CNPq a coordenação e solução de problemas relacionados à ciência, além do já estabelecido comando da programação científica e tecnológica do Brasil. A Academia Brasileira de Ciências, que fazia o papel de assessoria do CNPq, passou a ser órgão consultivo do Conselho.

Apesar de tudo, as atividades da FAPESP prosseguiram em diversas áreas nos anos seguinte. Inclusive, em 1969, a divulgação científica começou a ser realizada com o envio de material sobre as pesquisas à TV Cultura, com quem a FAPESP tinha um convênio, o que ajudou na produção de documentários relacionados aos resultados obtidos pelos pesquisadores. Nas décadas de 1970 e 1980, a FAPESP expandiu o escopo de temas apoiados. Destacam-se avanços como a criação de um radar para o auxílio na previsão meteorológico, o RADASP, importante para a produção agrícola no interior de São Paulo, além dos estudos das principais bacias hidrográficas do estado. Em 1985, com o colapso do regime militar e a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, a FAPESP assinou os primeiros contratos de cooperação e intercâmbio científico, primeiro com o Reino Unido e depois com Os Estados Unidos e a Alemanha.

CAPES e CNPq tiveram um período de estabilidade e expansão de suas atividades entre 1970 e 1990. O Conselho atuou para descentralizar as atividades relacionadas à ciência e tecnologia com a implementação dos Sistemas Estaduais de Ciência e Tecnologia (SECTs), essencial para a criação das FAPs; colocou as ciências humanas e sociais no mesmo patamar das outras atividades de pesquisa; implementou a Rede Nacional de Pesquisa, base para a chegada da internet no Brasil e ampliou o programa editorial para fortalecer a publicação de artigos e livros em revistas científicas. Por sua vez, a CAPES passou a ter mais autonomia e orçamento para disseminar, verificar e melhorar a qualidade do corpo docente dos programas de pós-graduação. Nesse sentido, começou, em 1976, a avaliação trienal, que ocorre até hoje.

A redemocratização não afetou o funcionamento das agências, que passaram a ter mais contato com institutos de pesquisa do exterior. Em 1990, porém, a comunidade científica sofreu um baque com o presidente Fernando Collor, que, por meio de uma medida provisória divulgada em março, extinguiu a CAPES. Não tardou para universidades e pesquisadores se mobilizarem e conseguirem reverter a decisão, e, em abril, do mesmo ano a CAPES foi recriada.

Referências

  1. CAPES. História e Missão. Acessado em: 09.02.2018

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Quiz

Caro(a) aluno(a), lembre-se que o quiz é uma autoavaliação.

1 Quais eram os assuntos principais nos primeiros anos do CNPq?

Física e química quântica.
Física e energia nuclear.
Minerais metálicos e não metálicos.
Ferro e aço.
Composição química e histologia dos seres vivos.

2 Assinale a alternativa que se refere somente à CAPES:

Estímulo à pesquisa científica.
Disseminação de conhecimento científico.
Avaliação de cursos de mestrado e doutorado por meio de uma prova trienal.
Avanço educacional.
Avanço tecnológico.

3 Assinale os primeiros institutos criados pelo CNPq:

Instituto Nacional de Matemática Aplicada Pura e Aplicada (IMPA)
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)
Instituto Soroterápico Federal (atual Instituto Oswaldo Cruz)
Instituto Butantan
Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR)

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