Introdução ao Jornalismo Científico/Temas Centrais da Ciência Contemporânea/Cérebro estatístico
Cérebro estatístico
A construção de memórias
[editar | editar código-fonte]A construção de memórias pode ser analisada sob uma perspectiva neurobiológica. Essa capacidade está presente desde que os primeiros seres vivos começaram a se mover e interagir com o ambiente. A partir das experiências que tinham, podiam guardar memórias dos lugares - seja a nível individual, seja a nível da espécie - e, assim, garantir a própria sobrevivência. Afinal, guardar a memória do som de um predador se aproximando serve de alerta para não ser atacado. Além desse exemplo, há diversos outros que indicam como a memória é construída. A memória implícita é um tipo no qual as experiências passadas auxiliam o desempenho de uma tarefa sem que haja consciência destas experiências anteriores, como andar de bicicleta.
Atualmente, há um campo de pesquisa bastante ativo sobre estudos do cérebro, e uma das concepções que orientam essas investigações é justamente a de que ele simula cenários prováveis. Ou seja, diante de determinados eventos é possível estimar as consequências. Certos tipos de ação preveem certas atividades cerebrais. Essa ideia, no entanto, é apenas uma de múltiplas possibilidades, com múltiplos modelos de mundo, dentro desse campo. Ao considerar a experiência anterior e o contexto dos indivíduos, pode indicar quais modelos são mais ou menos prováveis. Então, dentro desse leque de possibilidades, elege-se o mais adequado.
Predições e a perspectiva temporal
[editar | editar código-fonte]Como o cérebro prevê um movimento iminente?[1] Isso requer uma codificação eficiente das características do movimento, incluindo o contexto em que ele ocorre. Os seres humanos criam continuamente, a partir do modelo de mundo e experiências anteriores pessoais, uma antecipação da ocorrência de um próximo evento.
A predição é essencialmente uma tarefa de inferência estatística. Isso se deve ao ruído associado à detecção e ao processamento de estímulos e também à estocasticidade intrínseca do funcionamento do cérebro (aleatoriedade estatística dos eventos). Além disso, o próprio significado de prever pressupõe escolher o próximo estado do movimento que se aproxima, com base no conhecimento das etapas anteriores e do contexto inferido. Esta escolha é guiada por uma avaliação das probabilidades dos resultados possíveis da ação.
A inferência estatística requer um modelo probabilístico. Isso significa um conjunto de resultados possíveis e uma medida de probabilidade atribuindo um número entre 0 e 1 para cada evento que pode ser expresso neste conjunto de resultados. No caso da predição motora, o cérebro deve operar com um modelo probabilístico que evolui no tempo, incorporando a experiência passada do agente. Esta evolução temporal deve permitir modelar a capacidade de mudança plástica e adaptação encontrada nos sistemas motores, que é mantida ao longo da vida por mecanismos de aprendizagem e de aprender a predizer.
Isso leva a um conjunto de questões básicas. Em primeiro lugar, como o cérebro constrói os modelos probabilísticos usados para realizar as tarefas de inferência estatística exigidas pela predição motora e, de maneira mais geral, para produzir ações? Como esses modelos evoluem no tempo para incorporar experiências anteriores e resultados de inferência correspondentes? Como o modelo deve representar a estrutura de rede envolvida na tarefa de inferência?
Prevendo ações por meio da observação
[editar | editar código-fonte]Os movimentos voluntários consistem em transformar um objetivo de ação em um movimento adequado a um determinado contexto. Em humanos, essa tarefa é alcançada por uma ampla rede de áreas cerebrais recrutadas antes e durante a execução da ação. Um subconjunto dessas áreas também está ativo sempre que alguém observa, simula ou imagina uma ação, mesmo sem qualquer saída motora explícita.
Agora a questão é como o cérebro processa as ações realizadas por outros agentes para antecipar/prever os próximos movimentos. A estrutura bayesiana foi sugerida como uma abordagem possível para modelar a maneira como o cérebro escolhe um resultado mais provável, usando tanto sua experiência passada quanto as novas informações fornecidas por estímulos externos.
O cérebro opera na presença de evidências incompletas. Atribui padrões às ações observadas, ora para reagir de maneira apropriada, ora apenas para dar interpretações significativas às cenas observadas. A evidência incompleta é fornecida por informações sensoriais. Usando uma informação incompleta e barulhenta, o cérebro deve fazer previsões sobre o estado do mundo.
A previsão de movimentos de um espadachim
[editar | editar código-fonte]Para ilustrar essas noções, considere o caso de um duelo, no qual um espadachim enfrenta um oponente armado. Neste caso, prever o movimento da espada do oponente é de fato uma questão de vida ou morte. A variável observável é aquela dada pela observação do movimento da espada do oponente. Esta observação é ruidosa e contém uma certa imprecisão. O conhecimento prévio das técnicas de esgrima diz ao espadachim como interpretar as intenções de seu oponente. Melhor ainda se ele tiver conhecimento prévio do estilo de seu oponente. Todo esse conhecimento prévio está incorporado na distribuição a priori. A previsão do objetivo oculto do oponente é feita avaliando os possíveis objetivos do oponente, levando em consideração o movimento observável do oponente e avaliando essas possibilidades usando como medida o conhecimento a priori do estilo de seu oponente como uma questão de vida ou morte.
Neste ponto, é interessante fazer uma comparação entre a abordagem bayesiana da estatística e o ponto de vista frequentista clássico. Na abordagem frequentista clássica da estatística, os parâmetros da medida de probabilidade desconhecida são estimados usando a Lei dos Grandes Números, e o Teorema do Limite Central é usado para obter intervalos de confiança ou regiões para essas estimativas. A Lei dos Grandes Números e o Teorema do Limite Central são resultados assintóticos.
Uma estimativa baseada em um resultado assintótico não é o que o espadachim realmente precisa. Ele não pode esperar até ter uma grande amostra dos movimentos de seu oponente para estimar qual é o objetivo adquirido pela espada de seu oponente em seu primeiro e talvez último ataque. Ele deve se defender imediatamente. É isso que torna a abordagem bayesiana muito mais atraente para ele.
Na abordagem bayesiana, a estimativa é feita imediatamente. O espadachim usa seu conhecimento prévio do estilo de seu oponente e técnicas de esgrima como pesos para avaliar qual é o objetivo mais provável de seu oponente, dada a evidência empírica contida nos dados visíveis.
Tanto o espadachim quanto o cérebro devem tomar decisões em tempo real, sem esperar até que uma grande amostra de evidências esteja disponível. Isso não significa que a experiência passada acumulada não seja levada em consideração. Na verdade, toda vez que uma nova evidência empírica chega, atualizamos nosso conhecimento sobre a distribuição de probabilidade no conjunto dos estados do mundo. Na terminologia bayesiana, uma distribuição a priori que atribui probabilidades iguais a todos os estados do mundo é chamada de não informativa
A solução preditiva bayesiana descrita acima é um exemplo de uma estrutura mais geral. Ou seja, dada uma amostra de variáveis observáveis, como atribuir um modelo para a fonte que produz esses dados. Em termos estatísticos, isso é chamado de seleção de modelos. Isso sugere um novo paradigma não apenas para a aprendizagem motora e predição, mas, de maneira mais geral, para descrever a maneira como o cérebro codifica e processa as informações.
Análise de dados e construção de modelos
[editar | editar código-fonte]Um experimento[2] feito com jogadores de basquete de elite observando arremessos mostrou que eles eram capazes de estimar quando um arremesso para fora aconteceria antes mesmo da sua ocorrência. Tal efeito estava ausente tanto em observadores treinados quanto em jogadores novatos, sugerindo que a experiência prévia desses jogadores é crucial para trazer à tona a atividade cerebral correspondente ao próximo movimento no contexto da observação. Este experimento pode ser recontextualizado como um procedimento de seleção estatística de modelos realizado ao longo do tempo.
Em 1983, o teórico da informação Jorma Rissanen, publicou um artigo com o objetivo de modelar uma cadeia estocástica onde o comprimento da memória necessária para prever o próximo símbolo não fosse fixo, mas sim uma função da sequência dos símbolos anteriores.
Neste artigo, ele apresentou o conceito de Algoritmo de Contexto, como um sistema que funciona de forma adaptativa. Tal funcionamento estima em cada etapa o comprimento do contexto associado à sequência de símbolos observada até aquela etapa de tempo, assim como as probabilidades de transição associadas. Em outros termos, os Algoritmos de Contexto verificam em cada etapa o quanto da informação prévia presente na cadeia observada é relevante para prever a etapa seguinte.
É tentador conjeturar que o procedimento adaptativo realizado pelo Algoritmo de Contexto imita em algum sentido o procedimento estatístico realizado pelo cérebro quando ele seleciona em tempo real um modelo para a ação que está sendo realizada por outro agente. E se esta imagem estiver correta, então o modelo para a ação observada, em outros termos, o código neural atribuído à ação, pode ser descrito como um conjunto de contextos e uma família de probabilidades de transição associadas.
Crédito: O conteúdo desta aula foi baseado em uma entrevista feita com Claudia Vargas, pesquisadora associada do NeuroMat
Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ C. D. Vargas, M. L. Rangel, and A. Galves, “Predicting upcoming actions by observation: some facts, models and challenges,” pp. 1–14, 2014, http://arxiv.org/abs/1409.6744.
- ↑ S.M. Aglioti, P. Cesari, M. Romani, and C. Urgesi. Action anticipation and motor resonance in elite basketball players. Nature neuroscience, 2008. 11. 1109-16. 10.1038/nn.2182.