Introdução ao Jornalismo Científico/Metodologia e Filosofia da Ciência/A metáfora científica
A metáfora científica
Metáforas comuns e metáforas cientificamente inspiradas
[editar | editar código-fonte]A literatura sobre o ensino de física agrupa uma série de trabalhos que indicam o uso de metáforas e analogias como recurso pedagógico. Um exemplo desse uso seria uma analogia (parcial) entre corrente elétrica em um fio condutor e corrente de água dentro de um cano. Nesse caso, a relação de semelhança se daria, ao apontar paralelos entre a diferença de pressão ao longo do cano e a diferença de voltagem ao longo do fio entre outros aspectos. No entanto, esse tipo de analogia pedagógica não é o que aqui consideramos “metáfora científica”.
Além desse uso, há também um processo de criação de conceitos científicos a partir do uso metafórico de expressões da linguagem comum. Ainda recorrendo ao exemplo anterior, termos como “fio”, “corrente”, “campo” etc são etimologicamente anteriores ao seu uso científico. São metáforas da linguagem comum que passaram a ser aplicadas à terminologia científica. Esse percurso de uma expressão da linguagem comum à linguagem científica pode trazer vantagens no que se refere à visualização, memorização e associação de assuntos. Mas também pode acarretar desvantagens por remeter sentidos que fogem do desejado. Alguns desses termos que se popularizaram pelo senso comum e podem prejudicar o ensino de física são: “calor”, “trabalho”, “peso” e “energia”.
As metáforas cientificamente inspiradas (ou só metáforas científicas) realizam o percurso oposto ao descrito anteriormente. Utilizam-se de expressões consolidadas pela ciência para construir um discurso coloquial. Essa estratégia quando praticada pelo jornalismo ajuda a analisar sistemas complexos e, muitas vezes, abstratos, como a economia, psicologia e até mesmo questões que dizem respeito ao cérebro humano.
O uso de metáforas físicas nas ciências sociais, por exemplo, é corrente desde no mínimo o século XIX. A sociologia, a ciência política e a economia incorporaram de forma metafórica termos proveniente, principalmente, da física newtoniana. Na linguagem jornalística, é comum encontrar o emprego de termos derivados da física mecânica, tais como: correlação de forças, movimentos sociais, deslocamento do centro de gravidade do poder, fase do ciclo econômico, equilíbrio fiscal, pressão social, tensão social entre outros.
Metáforas visíveis, invisíveis, derivadas e básicas
[editar | editar código-fonte]Algumas expressões metafóricas estão presentes na linguagem comum há tanto tempo que deixam de ter um grande impacto de novidade semântica e reorganização criativa do pensamento. Essas são denominadas "metáforas mortas" ou "invisíveis", que, apesar da definição acima, ainda são responsáveis pela difusão e reforço de metáforas cognitivas. Em oposição, existem as "metáforas visíveis", expressões que ainda produzem um choque semântico consciente, gerando novas percepções e mudanças.
O uso de termos da geometria euclidiana é comum em metáforas invisíveis, como nos exemplos a seguir:
- Ponto de vista
- Linha de raciocínio
- Traçar um paralelo
- Analisar por outro ângulo
- Volume de conhecimento
- Plano pessoal
- Círculo de amizades
- Triângulo amoroso
- Esfera de influência
- Pirâmide social
Além da separação entre visível e invisível, Lakoff e Jonhson também distinguem "metáforas estilísticas" (uma figura de linguagem) de "metáforas cognitivas" (usada para traduzir um conceito abstrato em um conceito concreto). Chamamos de "metáforas básicas", algumas das metáforas cognitivas que são adquiridas nos primeiros anos de vida, através dos primórdios da interação corpo-ambiente. Já as metáforas derivadas são metáforas estilísticas que lançam mão do uso de uma metáfora cognitiva básica. Um exemplo de metáfora básica é a equivalência "conhecer = ver", então todas as expressões “esclarecer uma dúvida”, “refletir sobre um assunto”, “o foco do estudo”, "Iluminismo", entre outras são, na verdade, metáforas derivadas da metáfora básica acima.
Ampliação de redes metafóricas cognitivas
[editar | editar código-fonte]Se a teoria cognitiva das metáforas estiver correta, então a capacidade de nos expressarmos e pensarmos está limitada ao repertório de metáforas disponíveis. Esta limitação afeta a maneira como tratamos determinados sistemas, como os entendemos e interagimos com eles. A divulgação científica atual, mesmo que involuntariamente, propõe a construção de novas metáforas sociais e psicológicas que podem ser mais adequadas que as metáforas da mecânica do século XVIII ou mesmo da termodinâmica do século XIX, presente na conceptualização socioeconômica feita por Karl Marx.
Substituir certas concepções metafóricas sobre o processo histórico, bem como sendo o resultado da ação de grandes personagens (metáfora da "política como a ação de única partícula") ou de conflitos de classes sociais (metáfora da "política como forças de ação e reação entre agregados de partículas"), ajuda a tornar essas metáforas mais complexas e descritivas. Nessa perspectiva de divulgação científica, jornalistas e público deixam de ocupar a posição de receptores passivos para participarem da criação de metáforas cientificamente inspiradas que serão usadas como ferramentas de pensamento e expressão.No âmbito da educação formal, o uso metafórico pode gerar um efeito ambíguo. Ao mesmo tempo que pode contribuir para ampliar o conhecimento da população a respeito de um termo científico, pode ensejar o uso equivocado desses termos em um contexto de aprendizagem científica."Neste processo, não são os conteúdos científicos literais que são primariamente transmitidos, mas sim o conjunto de metáforas científicas que constituem a cultura (ou visão de mundo) científica de uma época. Nesse sentido, não apenas o meio é a mensagem, mas a metáfora é a mensagem." Kinouchi et al.
Crédito: O conteúdo desta aula foi baseado em uma entrevista feita com Osame Kinouchi, pesquisador associado do NeuroMat, e em um de seus estudos publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física.
Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ KINOUCHI, Osame; KINOUCHI, Juliana M.; MANDRÁ, Angélica A. Metáforas científicas no discurso jornalístico. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 34, n. 4, p. 4402-1-4402-12, 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbef/v34n4/a20v34n4.pdf > DOI: 10.1590/s1806-11172012000400020.
- ↑ LAKOFF, G. e JOHNSON, M. Methaphors We Live By. University of Chicago, Chicago, 1980.