Saltar para o conteúdo

Introdução ao Jornalismo Científico/Modos de Organização e Financiamento dos Sistemas de Pesquisa, no Brasil e no Exterior/O estabelecimento da pesquisa no Brasil

De Wikiversidade
Módulo 1: Metodologia e Filosofia da Ciência Módulo 2: História da Ciência e da Tecnologia Módulo 3: Ética da Ciência Módulo 4: Temas Centrais da Ciência Contemporânea Módulo 5: Modos de Organização e Financiamento dos Sistemas de Pesquisa, no Brasil e no Exterior Módulo 6: Mídias, Linguagens e Prática do Jornalismo Científico


O estabelecimento da pesquisa no Brasil

Conteúdo

Se nas unidades anteriores vimos que a ciência é atravessada por decisões políticas e sustentada por sistemas de financiamento, agora vamos entender como isso tudo se consolidou no Brasil. Aqui, o foco recai sobre os principais marcos da história da institucionalização da ciência no país, um processo longo, cheio de disputas e que ajuda a explicar o funcionamento (e as fragilidades) do sistema científico atual.

É preciso deixar claro que essa história importa, e muito, para quem atua com jornalismo científico. Entender como surgiram e se organizaram as principais instituições científicas permite ao comunicador contextualizar políticas públicas, trazer à tona disputas por recursos, cobrir cortes de orçamento com profundidade e, sobretudo, mostrar ao público que a ciência no Brasil não surgiu do nada: ela foi construída com muito esforço, embates e interação com a sociedade, principalmente por meio da imprensa.

Primeiros passos e a força da saúde pública

No início do século XX, a pesquisa científica no Brasil ganhou centralidade em meio a um contexto urgente: as epidemias urbanas. Febre amarela, varíola e peste assolavam cidades como Santos e o Rio de Janeiro, ameaçando não apenas a saúde pública, mas a própria estabilidade social. Para enfrentá-las, o médico e bacteriologista Oswaldo Cruz liderou campanhas sanitárias pioneiras e fundou, em 1900, o Instituto Soroterápico Federal, que mais tarde seria chamado Instituto Oswaldo Cruz (IOC), hoje parte da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Simultaneamente, nasceu o Instituto Butantan, em São Paulo. Ambos se tornaram polos de produção científica, especialmente voltados ao combate das doenças e à fabricação de vacinas.

Em 1916, Oswaldo Cruz contribuiu para a fundação da Sociedade Brasileira de Ciências, que, após sua morte poucos anos depois, foi rebatizada de Academia Brasileira de Ciências (ABC). Essa Academia teve papel fundamental na promoção da divulgação científica: em 1923, criou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, com o objetivo de levar conhecimento e cultura ao público. Um episódio marcante foi a gravação de um breve depoimento de Albert Einstein durante sua visita ao Brasil em 1925, que mostra como a ciência já buscava uma conexão com a sociedade, por meio dos canais de comunicação da época.

Consolidação institucional e o papel da mídia

Durante o governo de Getúlio Vargas, a ciência passou a fazer parte dos planos do nacional-desenvolvimentismo – política que buscava desenvolver o Brasil incentivando a indústria, a educação e a pesquisa científica, com forte atuação estatal. Apesar do governo seguir uma linha mais prática e focada na política, importantes avanços nas instituições científicas aconteceram. Em 1942, foram criados os Fundos Universitários de Pesquisa para a Defesa Nacional (FUP), que buscavam fomentar a investigação científica nas universidades. Embora a experiência tenha sido breve, o FUP serviu de inspiração para pesquisadores como Adriano Marchini e João Luiz Meiller. Em 1947, eles elaboraram o documento “Ciência e Pesquisa: Contribuição de Homens do Laboratório e da Cátedra à Magna Assembleia Constituinte de São Paulo”, incentivando a criação de uma fundação estadual para o fomento à ciência, ideia que resultou no Artigo 123 da Constituição Paulista e, depois, na criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em 1962.

No plano federal, 1951 foi um ano emblemático: surgiram o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O CNPq focava inicialmente em áreas como a física nuclear, alinhada às preocupações internacionais do pós-guerra, enquanto a CAPES concentrou seus esforços na formação de recursos humanos qualificados e na avaliação dos cursos de pós-graduação, com a regulamentação da pós-graduação formalizada pelo Parecer Sucupira, em 1965.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), fundada em 1948, teve também papel decisivo na construção de uma cultura científica nacional e na interação entre os cientistas, a imprensa e o público. O jornalismo científico, nesse contexto, não só desejava cobrir descobertas e avanços, mas gradativamente assumia papel estratégico para defender a autonomia da ciência e denunciar retrocessos institucionais.

Ditadura, repressão e resistência do jornalismo científico

O regime militar que se instalou em 1964 trouxe um impacto profundo à ciência brasileira. Apesar de um crescimento quantitativo da universidade e da pesquisa, a liberdade acadêmica foi duramente atacada. Professores e pesquisadores foram perseguidos, aposentados compulsoriamente ou exilados, tornando-se símbolos dessa repressão nomes como o sociólogo Florestan Fernandes, o físico Mário Schenberg e o educador Anísio Teixeira.

O AI-5, em 1968, aprofundou ainda mais a vigilância e censura sobre universidades e produção científica. A comunidade científica viveu um período sombrio, mas nunca silenciou completamente seu papel crítico.

Durante esse período, a SBPC exerceu papel central na resistência por meio de boletins, manifestações públicas, reuniões anuais e publicação de documentos abertos, denunciando perseguições, cortes orçamentários e ameaças à autonomia universitária. Somente a partir da redemocratização, em 1985, a SBPC lançou o Jornal da Ciência, que passou a ser o principal veículo jornalístico da entidade. Antes disso, outros canais importantes foram usados, como a revista Ciência Hoje (desde 1982), e meios alternativos de imprensa que buscaram mobilizar a opinião pública em defesa dos direitos acadêmicos e da liberdade científica.

Assim, a divulgação científica passou a ter um caráter não apenas informativo, mas também político, articulando a defesa dos direitos acadêmicos e o fortalecimento das políticas públicas de pesquisa, mesmo em um momento marcado pela repressão. O jornalismo científico, portanto, não estava só anunciando descobertas; estava, sobretudo, defendendo a ciência como um espaço essencial de liberdade, pluralidade e resistência.

A crise da CAPES e a mobilização da imprensa em 1990

No início da década de 1990, já com o Brasil em processo de redemocratização, o sistema científico enfrentou um dos maiores desafios de sua história recente. Em março de 1990, o presidente Fernando Collor de Mello anunciou, por meio de medida provisória, a extinção da CAPES. A decisão provocou grande perplexidade e indignação na comunidade científica, mas também na sociedade em geral.

Este episódio evidenciou a força da imprensa e do jornalismo científico como atores políticos. Houve uma intensa mobilização, apoiada por universidades, pesquisadores e jornalistas, que repercutiu em editoriais, entrevistas e reportagens por todo o Brasil. A pressão social e política obrigou o governo a reverter a medida em menos de um mês, restabelecendo a agência.

Esse caso se tornou emblemático no país, demonstrando como a comunicação pública da ciência pode exercer um papel decisivo na defesa das instituições que sustentam a pesquisa e a produção do conhecimento.

Por que tudo isso importa para você que comunica ciência?

Conhecer essa trajetória histórica vai muito além de decorar fatos do passado. Ela ajuda a formar uma base sólida, permitindo entender como a ciência no Brasil foi construída, enfrentou desafios e conquistou espaços. Importante ainda deixar claro que o jornalismo científico não se limita a reportar descobertas – mas atua como ponte entre a ciência, a sociedade e as políticas públicas, contextualizando assuntos complexos, mostrando disputas e defendendo a autonomia do conhecimento.

Referências

  • MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de Castro; BRITO, Fatima (Orgs.). Ciência e público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fórum de Ciência e Cultura, 2002.
  • MOREIRA, Ildeu de Castro. 200 anos de ciência e tecnologia no Brasil: atores e instituições, percalços e avanços. Ciência & Cultura, v. 74, n. 3, p. 2–4, jul./set. 2022. Disponível em: https://revistacienciaecultura.org.br/?p=2891. Acesso em: 28 jul. 2025.
  • DANTES, Maria Amélia M. (Org.). Espaços da ciência no Brasil: 1800-1930. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001. Disponível em: https://doi.org/10.7476/9786557081570. Acesso em: 28 jul. 2025.
  • SBPC. Completando 40 anos, MCTI nasceu e se mantém pela mobilização
  • da comunidade científica. SBPC, 31 jul. 2023. Disponível em: https://portal.sbpcnet.org.br/noticias/completando-40-anos-mcti-nasceu-e-se-mantem-pela-mobilizacao-da-comunidade-cientifica/. Acesso em: 28 jul. 2025.

Conteúdos audiovisuais

Quiz

Caro(a) aluno(a), lembre-se que o quiz é uma autoavaliação.

1

Qual foi o papel das epidemias urbanas no início do século XX para o desenvolvimento da ciência no Brasil?

Levaram ao fechamento de universidades e institutos de pesquisa.
Estimularam a criação de centros científicos voltados à fabricação de vacinas e controle sanitário.
Reduziram o investimento público em ciência básica.
Fortaleceram apenas as ações militares e não científicas.

2

A criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) foi precedida por:

Um decreto do governo federal durante o regime militar.
A proposta de pesquisadores na Constituinte Paulista, em 1947.
Uma recomendação da UNESCO sobre financiamento à ciência.
Uma campanha nacional liderada pela CAPES e pelo CNPq.

3

Durante o regime militar (1964–1985), qual foi uma das estratégias da SBPC para resistir aos ataques à liberdade acadêmica?

Evitar qualquer atuação política para garantir a sobrevivência institucional.
Criar secretamente uma rede de universidades independentes.
Utilizar a imprensa e seus boletins para denunciar perseguições e defender a autonomia científica.
Concentrar esforços apenas em pesquisas ligadas à agroindústria e à informática.

4

O episódio da extinção da CAPES em 1990 ilustra:

O fim definitivo do modelo de financiamento estatal da ciência no Brasil.
A pouca importância da opinião pública para decisões sobre ciência.
A força da mobilização da comunidade científica e da imprensa na reversão de políticas públicas.
A consolidação do jornalismo científico como setor exclusivamente acadêmico.

5

Segundo a Unidade 3, por que é importante conhecer a história da institucionalização da ciência no Brasil?

Porque ajuda a criticar os métodos científicos utilizados na atualidade.
Porque permite entender os desafios e disputas que moldaram o sistema científico e o papel do jornalismo na sua defesa.
Porque mostra que o Brasil sempre foi independente das políticas internacionais de ciência.
Porque mostra que o jornalismo científico deve se limitar a divulgar descobertas técnicas.

Conteúdo adicional

Nenhuma leitura adicional definida.
Você pode definir leituras adicionais aqui.
Você também pode usar o botão de edição no canto superior direito de uma seção para editar seu conteúdo.

Discussão